A reportagem é de André Barrocal e publicada por CartaCapital, 07-09-2016.
O primeiro Dia da Independência de Michel Temer no poder lembrou a abertura da Olimpíada. O presidente seguiu um protocolo de exposição mínima durante a parada militar em Brasília, uma tentativa de fugir das vistas e das vaias públicas. Não deu certo, como também falhara no Maracanã.
Gritos de “Fora Temer” e “golpista” ecoaram no início e no fim do desfile, disparados por um grupo pequeno e situado em um local específico na Esplanada dos Ministérios, palco de um ato “chocho”, na descrição de um veterano servidor da Presidência, com pouca gente e calor humano.
Sinais claros de como está dura a vida do peemedebista, a ostentar índices de aprovação dignos de Dilma Rousseff. Com um agravante: nas redes sociais da internet, ele desperta hoje mais rejeição do que aquela direcionada à petista no auge de protestos a favor do impeachment em 2015.
As primeiras vaias a Temer surgiram assim que ele desceu, pontualmente às 9h, em frente à área reservada às autoridades para o desfile na Esplanada. Ele decidira ir ao local em um carro fechado, sem acenar ao público, ao contrário do que os presidentes costumam fazer no 7 de Setembro. Também resolvera não passar as tropas em revista, algo que o obrigaria a estar a céu aberto.
Duas precauções que colaboraram para Temer ficar exposto por menos tempo aos olhos da plateia.
Ao descer do carro, o presidente foi recepcionado pelo governador do Distrito Federal, Rodrigo Rollemberg, e pelo ministro da Defesa, Raul Jungmann, enquanto um grupo de jovens e adolescentes começou a gritar “Fora Temer” e “golpista”.
Era um grupo pequeno, aparentemente não ultrapassava 20 pessoas, em sua maioria jovens. Estava a cerca de 30 ou 40 metros do peemedebista, em uma arquibancada de metal montada para o desfile e destinada a receber convidados de funcionários da Presidência.
De óculos escuros, barbicha ruiva e camiseta da banda de heavy metal Sepultura, Lucas Piovesan Bertho, de 20 anos, era um dos que vaiaram. “Sou contra o Temer no poder porque ele chegou lá com uma 'pernada' e quer fazer coisas que não foram vencedoras na eleição de 2014”, disse.
Bertho estuda na Universidade de São Paulo (USP) e contou ter ido a Brasília com cerca de 90 alunos para uma espécie de aula de campo relativa a uma das disciplinas do seu curso. Segundo ele, foi o professor responsável pela disciplina, Marcelo Nerling, quem conseguiu convites para o desfile.
Alguns dos universitários usavam adesivos com a inscrição “#foratemer” pouco antes de o presidente chegar. Enquanto conversavam com um repórter de um jornal de Brasília, foram obrigados a retirá-los, por ordem de seguranças presidenciais, segundo os quais eram permitidas apenas manifestações sonoras. Visuais, não.
Mais cedo, outros seguranças haviam impedido que um outro jornalista da imprensa brasiliense entrevistasse pessoas sentadas na arquibancada da turma anti-Temer.
Segundo assessores presidenciais, a única orientação dada aos seguranças no tocante ao trato com o público era proibir que fossem abertos cartazes ou faixas, sob o argumento de que isso poderia atrapalhar a visão do público.
Assim que os jovens anti-Temer pararam as vaias, pessoas sentadas próximas a eles gritaram palavras de ordem de sentido oposto: “A nossa bandeira jamais será vermelha”, alusão à cor característica de militantes de esquerda, identificados com o “Fora Temer”.
Ali, naqueles mesmos degraus, uma jovem adepta do “Fora Temer” ergueu um cartaz rosa com a inscrição “O golpe é contra a diversidade”, referência ao caráter 100% branco e masculino do Ministério do peemedebista.
Curiosidade: um dos participantes do desfile foi o ginasta Arthur Nory, agora conhecido como Arthur Mariano, medalha de bronze na Olimpíada. Ele carregava uma tocha na mão, a simbolizar o “fogo da pátria”. Ele é terceiro-sargento da Aeronáutica, um dos vários medalhistas militares da Rio 2016. No início do ano, gravara um vídeo com dois colegas ginastas no qual zombavam de um quarto, que era negro.
A esquadrilha da fumaça a cruzar o céu azul de Brasília marcou o encerramento da parada, por volta das 11h. Temer desceu da tribuna de honra que havia ocupado e dirigiu-se ao carro, para voltar ao Palácio do Jaburu, quando sofreu novos constrangimentos por obra dos mesmos jovens de antes.
Ao “Fora Temer” e “golpista”, juntaram-se dois novos gritos: “golpistas, fascistas, não passarão!” e “golpistas, fascistas, não governarão!”. Uma pista de como será complicado o futuro de Temer, dono de índices de desaprovação superiores a 40% em 16 capitais brasileiras, segundo o Ibope.
A um cinegrafista da TV Globo, o chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, que estava presente ao desfile, comentou os protestos. Segundo ele, manifestações são normais em uma democracia. E tentou minimizá-las, com certa dose de ironia: "Dezoito pessoas em 18 mil. A dimensão está boa…"
Nas redes sociais da internet, um termômetro do humor da população, Temer está em apuros maiores do que os enfrentados por Dilma Rousseff no ano passado, ponto de partida do impeachment. Ao menos, é a conclusão do professor Fábio Malini, da Universidade Federal do Espírito Santo.
Malini pesquisou perfis no Facebook e no Twitter e constatou que, entre os dias 26 de agosto e 4 de setembro, houve mais de um milhão (1.041.013, para ser exato) de postagens do tipo #foratemer. Uma média de 100 mil por dia nesse período, a compreender o desfecho do impeachment no Senado e as primeiras manifestações de rua a pedir “Fora Temer”.
No ano passado, entre 8 e 16 de março, houve 483.797 postagens “Fora Dilma”, segundo Malini. Para ele, aquele período foi particularmente crítico para a petista, a abranger um panelaço contra ela durante um pronunciamento na TV pelo Dia da Mulher (8 de março) e um dos maiores protestos pró-impeachment (15 de março). Naquele momento, o “Fora Dilma” na internet atingiu média diária de 53 mil postagens, mais ou menos a metade do visto agora com Temer.
Para Malini, mestre em ciência da informação e doutor em comunicação e cultura, são duas as razões para Temer estar em situação pior. A primeira é que o impeachment teria gerado uma comoção popular maior do que atos anti-Dilma. “A outra é que a Olimpíada popularizou o 'Fora Temer' e logo em seguida vieram o impeachment e as manifestações. É um aluvião”, afirma.
Segundo ele, há ainda um agravante. A parcela de jovens envolvidos no “Fora Temer” seria maior do que a aquela do “Fora Dilma”. Idem para a dispersão deles pelo País. Os protestos nos dias posteriores à queda da petista mostraram, diz Malini, a atuação de movimentos sociais pequenos (de 5 mil a 20 mil pessoas), mas espalhados. “O governo tem de estar preocupado mesmo…”