“Até o momento não foi atendida nenhuma das demandas e propostas apresentadas por nosso povo nos documentos encaminhados depois dos encontros da Comissão Kanamari Ohümahik Waman Nyama em julho de 2014 e julho de 2015 para diversos órgãos, entre eles a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), a Fundação Nacional do Índio (Funai), a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República e o Ministério Público Federal”, reclamam as lideranças indígenas.
A carta foi divulgada no final do VII Encontro Geral do Povo Kanamari na aldeia São Luís, localizada no médio rio Javari – no oeste do estado do Amazonas, na fronteira do Brasil com o Peru. O encontro aconteceu entre os dias 12 e 16 de julho de 2016 e se destinava a discutir os problemas que afetam “nosso território, nossa vida e o futuro de nosso povo”.
Somando forças com os povos indígenas de todo o Brasil, os Kanamari manifestaram repúdio aos ataques aos direitos indígenas promovidos principalmente por setores do agronegócio com grande número de representantes no Congresso Nacional. Eles repudiam também o atual governo e o Poder Judiciário apontando como consequência a criminalização de lideranças indígenas, de pessoas e instituições que atuam na defesa dos direitos indígenas, bem como no enfraquecimento da Funai e na não execução das políticas públicas para os povos indígenas como um todo.
Os participantes do VII Encontro Geral do Povo Kanamari destacam, entre os assuntos discutidos, os pontos apresentados a seguir.
Saúde
– Criação de um Distrito Sanitário Especial (DSEI) que atenda a região do médio rio Juruá;
– Que os DSEIs Vale do Javari e Médio Rio Solimões e Afluentes promovam a formação continuada dos Agentes Indígenas de Saúde (AIS) Kanamari;
– Exigimos que o atendimento à saúde dos Tyohom Dyapá de recente contato seja feito em caráter permanente pela Sesai, sob responsabilidade do DSEI Vale do Javari e com acompanhamento da Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari (FPEVJ/FUNAI);
– Exigimos o atendimento permanente de uma equipe de saúde na aldeia Jarinal, alto rio Jutaí, e uma Unidade Básica de Saúde Indígena (UBSI) no local;
– Que o DSEI Médio Rio Solimões e Afluentes garanta presença permanente das equipes de saúde nas aldeias Kanamari do médio Juruá, porque atualmente ficam apenas poucos dias e demoram muito para voltar;
– Exigimos a construção das UBSI nas aldeias Kanamari do Vale do Javari e Juruá e também a construção do Polo Base Massapê (rio Itaquaí) e a reforma, ampliação e estruturação dos Polos Bases de São Luís (médio Javari) e de Eirunepé (médio Juruá);
– Solicitamos o tratamento e recuperação das inúmeras crianças Kanamari diagnosticadas com desnutrição e a atuação de uma equipe multidisciplinar de saúde para acompanhamento desta questão, com atuação nas aldeias Kanamari até que esse problema seja sanado;
– Solicitamos do DSEI Vale do Javari que sejam feitos testes rápidos de hepatites virais e outras DST como sífilis e HIV/AIDS em todos os indígenas Kanamari, bem como a intensificação no tratamento de pacientes portadores de hepatites virais e outras DST nas aldeias;
– Reiteramos o pedido para que a SESAI faça a perfuração de poços nas aldeias Kanamari que têm problemas de acesso a água potável;
Território
– Reiteramos nossa reivindicação para ampliação da Terra Indígena Kanamari do Rio Juruá, porque parte de nosso território, como por exemplo no rio Itucumã, ficou de fora da demarcação. E também pedimos novamente a demarcação de uma Terra Indígena no baixo Jutaí, onde estão nossas aldeias Castanhal e Igarapé Preto;
– Exigimos urgentemente a atuação da Frente de Proteção Etnoambiental Vale do Javari (FPEVJ) junto aos Tyohom Dyapa de recente contato no alto Jutaí, em caráter permanente, assim como esta Frente atua junto ao povo Korubo. E que para isso faça uma base na boca do rio Juruazinho;
– Queremos o fortalecimento da atuação da Funai na região dos vales do Javari, Jutaí e Juruá. Não aceitamos que sejam feitos cortes das já insuficientes funções de DAS lotadas na Coordenação Regional Vale do Javari (CRVJ), como as Coordenações Técnicas Locais (CTL). Além disso, a nomeação de cargos de confiança da FUNAI na nossa região deve ser feita consultando os caciques, lideranças e moradores das aldeias Kanamari e suas organizações;
– Criação de uma Coordenação Regional da FUNAI na região do Médio Juruá com sede em Eirunepé, a estruturação da CTL Eirunepé enquanto não for criada esta CR, e a criação de mais CTLs nas regiões do Juruá e Jutaí, como por exemplo no município de Itamarati;
– Queremos que sejam feitas ações regulares de fiscalização das áreas mais invadidas do nosso território, como o igarapé Samaúma e rio Itucumã (TI Kanamari do Rio Juruá), igarapés Jaci, Jordão, São Vicente e rio Juruazinho (TI Mawetek) e a região do médio Javari e baixo Curuçá;
– Queremos que a Funai construa uma base de vigilância na boca do rio Itucumã, Terra Indígena Kanamari do Rio Juruá;
– Apoio da CRVJ e FPEVJ para ações de monitoramento e vigilância territorial do povo Kanamari;
– Queremos que a FPEVJ respeite os acordos estabelecidos com as lideranças Kanamari no rio Itaquaí, porque alguns funcionários não têm permitindo passar com carne de caça para nosso consumo durante os deslocamentos para a cidade. Além disso queremos poder pernoitar na Base quando estamos em viagem;
– Instalação de radiofonia em todas as aldeias Kanamari, para melhorar a comunicação entre as aldeias e entre estas e instituições que atuam com o povo Kanamari, para o aperfeiçoamento do monitoramento e vigilância do nosso território, e também o suporte às ações de saúde e emergências;
Educação
– Queremos que o Ministério da Educação, a SEDUC-AM e as Secretarias Municipais de Educação de Eirunepé, Jutaí, Atalaia do Norte e Itamarati garantam a formação continuada dos professores Kanamari, o acompanhamento pedagógico nas aldeias e promovam a construção e publicação de materiais didáticos específicos do povo Kanamari;
– Reiteramos a demanda de apoio para realizarmos um grande encontro dos professores Kanamari dos vales do Juruá, Jutaí e Javari, conforme já solicitado em 2014 às autoridades municipais, estadual e federal responsáveis pela educação escolar indígena;
– Demandamos a construção de escolas em todas as aldeias Kanamari, em discussão com as comunidades e no modelo e tipo de arquitetura e materiais que elas acharem mais adequado;
– Que a FUNAI e SEMEDs, junto com as organizações indígenas, constituam um Grupo de Trabalho para discutir a regionalização da merenda escolar nas aldeias Kanamari;
– Que seja continuado o programa de formação em magistério indígena do Estado do Amazonas (Piraywara) e aumentado o número de professores indígenas Kanamari nos vales do Juruá, Javari e Jutaí;
– Solicitamos que a SEDUC-AM faça um levantamento junto com a CIKAJU para a criação de Polos de Educação no vale do Juruá, e que construa esses polos;
– Exigimos que a SEDUC-AM termine a construção do Polo de Educação da aldeia São Luís, porque a obra não foi concluída. Também solicitamos que a aldeia Massapê volte a ser considerada um Polo de Educação e que ele seja construído;
– Solicitamos que a Prefeitura Municipal de Atalaia do Norte compre uma canoa para cada Polo de Educação em aldeias Kanamari (São Luís e Massapê);
Direitos sociais
– Que a FUNAI, o Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e o INSS criem mecanismos para um atendimento específico para o povo Kanamari em Atalaia do Norte e Eirunepé, em diálogo com as lideranças e organizações do povo Kanamari, diminuindo a vulnerabilidade dos indígenas que ficam longos períodos na cidade aguardando atendimento, bem como adequando outras questões relacionadas ao acesso aos benefícios sociais pelas comunidades Kanamari;
– Queremos que os CRAS de Atalaia do Norte e Eirunepé contratem indígenas Kanamari para facilitar o atendimento de nosso povo;
– Queremos que a FUNAI, SESAI, demais órgãos de Estado e instituições deixem de usar o nome “Kanamari” e oficializem o uso de nossa autodenominação, “Tüküna”, e que toda a documentação civil de pessoas do nosso povo passe a reconhecer esse nome, ao invés de “Kanamari”.
Texto e foto: J. Rosha/Regional Norte I.