TERNURA E MISERICÓRDIA DE DEUS (Lucas 15,11-32)
No texto de hoje, vamos refletir sobre uma parábola que Jesus contou para ajudar as pessoas a terem uma ideia de Deus como Pai cheio de ternura. No tempo de Jesus, a ideia que o povo fazia de Deus era de alguém muito distante, severo, como um juiz que ameaçava com castigo. Jesus revela uma nova imagem de Deus.
SITUANDO
O capítulo 15 do Evangelho de Lucas é um ponto central na longa caminhada de Jesus para Jerusalém. É como o alto da serra, de onde se vê o caminho percorrido e se enxerga o caminho que ainda falta. É o capítulo da ternura e da misericórdia acolhedora de Deus, que está no centro das preocupações de Lucas. As comunidades devem ser a revelação do rosto deste Deus para a humanidade.
Todo o capítulo 15 está pendurado na seguinte informação inicial de Lucas: “Todos os publicanos e pecadores se aproximavam para ouvir Jesus. Os fariseus e os escribas, porém, murmuravam: Esse homem recebe os pecadores e come com eles!” (Lucas 15,1-2). Era isto que estava acontecendo na época de Lucas. Os pagãos se aproximavam das comunidades, querendo entrar e participar. Muitos irmãos judeus murmuravam, achando que acolhê-los era contra o ensinamento de Jesus. Em seguida, Lucas traz três parábolas ligadas entre si pelo assunto: a ovelha perdida (Lucas 15,4-7), a moeda perdida (Lucas 15,8-10), o filho perdido (Lucas 15,11-32).
A última parábola é o assunto deste texto. Geralmente é chamada “A parábola do Filho Pródigo”. Como veremos, é melhor chamá-la “A parábola do Pai com seus dois filhos”.
COMENTANDO
1. Lucas 15,11-13: A decisão do filho mais novo
Um homem tinha dois filhos. O mais novo pede a parte da herança que lhe toca. O pai divide tudo entre os dois. Tanto o mais velho como o mais novo recebem a sua parte. Receber herança não é mérito. É um dom gratuito. A herança dos dons de Deus está distribuída entre todos os seres humanos, tanto judeus como pagãos, tanto cristãos como não-cristãos. Todos têm algo da herança do Pai. Mas nem todos cuidam da mesma maneira. Assim, o filho mais novo parte para longe e gasta a sua herança numa vida dissipada, esquecendo-se do pai. No tempo de Lucas, o mais velho representava as comunidades vindas do judaísmo, e o mais novo, as comunidades vindas do paganismo. Hoje, o mais velho representa aqueles que sempre foram fiéis e praticantes e, por isso, pensam ter algum privilégio diante de Deus. O mais novo representa os que nunca se preocuparam com a religião e agora recebem toda a atenção.
2. Lucas 15,14-19: A desilusão e a vontade de voltar para a casa do Pai
A necessidade de ter o que comer faz com que o mais novo perca a sua liberdade e se torne escravo para cuidar dos porcos. Recebe tratamento pior que os porcos. Esta era a condição de vida de milhões de escravos no império romano no tempo de Lucas. A situação em que está faz o mais novo cair em si e lembrar-se da casa do pai. Ele faz uma revisão de vida e decide voltar para casa. Prepara até as palavras que vai dizer ao Pai: “Já não mereço ser teu filho! Trata-me como um dos teus empregados!” Empregado executa ordens, cumpre a lei da servidão. O filho mais novo quer ser cumpridor da lei, como o queriam os fariseus e escribas no tempo de Jesus (Lucas 15,1-2). Era isto que os missionários dos fariseus impunham aos pagãos que se convertiam ao Deus de Abraão (Mateus 23,15). No tempo de Lucas, cristãos vindos do judaísmo conseguiram que alguns cristãos convertidos do paganismo se submetessem ao jugo da lei (Gálatas 1,6-10).
3. Lucas 15,20-24: A alegria do Pai ao reencontrar o filho mais novo
A parábola diz que o filho mais novo ainda está longe da casa e o Pai já o vê, corre ao seu encontro e o cumula de beijos. A impressão que Jesus nos dá é que o Pai ficou o tempo todo na janela olhando a estrada para ver o filho apontar lá longe da esquina! Conforme o nosso modo humano de pensar e de sentir, a alegria do Pai parece exagerada! Nem deixa o filho terminar as palavras que tinha preparado. Nem escuta! O Pai não quer que o filho seja seu escravo. Quer que seja seu filho! Esta é a grande boa-nova que Jesus nos trouxe! Túnica nova, sandálias novas, anel no dedo, churrasco, festa! Nesta alegria imensa do reencontro, Jesus deixa transparecer como era grande a tristeza do Pai pela perda do filho. Deus estava muito triste e isto a gente só fica sabendo agora, vendo o tamanho da alegria do Pai quando reencontra o filho! E é uma alegria partilhada com todo o mundo na festa que ele manda preparar.
4. Lucas 15,25-28: A reação do filho mais velho
O filho mais velho volta do serviço do campo e encontra a casa em festa. Não entra. Quer saber de que se trata. Quando sabe do motivo da festa, fica com muita raiva e não quer entrar. Fechado em si mesmo, ele pensa ter o seu dinheiro. Não gosta da festa e não entende a alegria do Pai. Sinal de que não tinha intimidade com o Pai, apesar de viver na mesma casa. Pois, se tivesse, teria notado a imensa tristeza do pai pela perda do filho mais novo e teria entendido a alegria dele pela volta do filho. Quem fica muito preocupado em observar a lei de Deus corre o perigo de esquecer o próprio Deus! O filho mais novo, mesmo longe de casa, parecia conhecer o pai melhor que o filho mais velho, que morava com ele na mesma casa! Pois o mais novo teve a coragem de voltar para a casa do pai, enquanto o mais velho não quer mais entrar na casa do pai! Ele não se dá conta de que o pai, sem ele, vai perder a alegria. Pois também ele, o mais velho, é filho do mesmo jeito que o novo
5. Lucas 14,28-30: A atitude do pai e a resposta do filho mais velho
O pai sai de casa e suplica ao filho mais velho que entre. Mas este responde: “Pai, tantos anos que eu sirvo o senhor. Jamais transgredi um só dos teus mandamentos, e o senhor nunca me deu um cabrito para festejar com meus amigos. E vem esse seu filho, que devorou seus bens com prostitutas e o senhor manda matar até o novilho gordo”. O mais velho também quer festa e alegria, mas só com os amigos. Não com o irmão, nem com o pai. Ele nem sequer chama o mais novo de irmão, mas “esse seu filho”, como se não fosse mais irmão dele. E é ele, o mais velho, que fala em prostitutas. É a malícia dele que interpretou assim a vida do irmão mais novo! Quantas vezes nós interpretamos mal a vida e a religião dos outros! A atitude do pai é outra. Ele acolheu o filho mais novo, mas não que perder o filho mais velho. Os dois fazem parte da família. Um não pode excluir o outro.
6. Lucas 15,31-32: A resposta final do Pai
Da mesma maneira como pai não deu atenção aos argumentos do filho mais novo, assim também não dá atenção aos argumentos do mais velho e diz: “Filho, tu estás sempre comigo e tudo o que é meu é teu! Mas este teu irmão estava morto e tornou a viver. Estava perdido e foi reencontrado!” Será que o mais velho tinha realmente consciência de estar sempre com o pai e de encontrar nesta presença a causa da sua alegria? A expressão do pai “Tudo que é meu é teu!” inclui também o filho mais novo que voltou! O mais velho não tem o direito de fazer distinção. Se ele quer ser mesmo filho do pai, terá que aceitá-lo do jeito que ele é e não do jeito que ele gostaria que o pai fosse! A parábola não diz qual foi a resposta final do irmão mais velho. Isto fica por conta do próprio irmão mais velho que somos nós!
ALARGANDO
Quem experimenta a gratuita e surpreendente entrada do amor de Deus em sua vida torna-se alegria e quer comunicar esta alegria aos outros. A ação salvadora de Deus é fonte de alegria: “Alegrem-se comigo!” (Lucas 15,6.9). É desta experiência da gratuidade de Deus que nasce o sentido da festa e da alegria (Lucas 15,32). No fim da parábola, o pai manda ser alegre e fazer festa. A alegria fica ameaçada por causa do filho mais velho que se recusa a entrar. Ele pensa ter direito a uma alegria só com os seus amigos e não quer a alegria com todos da mesma família humana. Ele representa os que se consideram justos e observantes e acham que não precisam de conversão.
* Texto extraído do livro “O avesso é o lado certo”, de Carlos Mesters e Mercedes Lopes.