Algumas Igrejas têm o bonito costume de propor a seus fieis que de tempo em tempo façam seu “exame de consciência”. Às vezes essa prática reforça o sentimento de culpa. Em outras situações, trata-se de oportunidade de revisão de caminho escolhido, de mudança verdadeira, de conversão. Sou convidado/a aqui a fazer meu “exame de consciência” sobre o que desejo para nossas crianças e adolescentes e, pelo fato de ser pessoa cristã, como a Bíblia tem me ajudado nesse propósito.
Se desejo saber se estou fazendo uma boa leitura da Bíblia, devo conseguir responder afirmativamente a perguntas como estas: Quando leio a Palavra de Deus, sinto aumentar em mim o desejo de amar e acolher o diferente e de aprender com ele? Minhas meditações bíblicas têm me levado a acreditar mais nas pessoas, mesmo quando elas erram ou cometem crimes? Sou capaz de acreditar na capacidade que um adolescente tem de se recuperar quando ajudado por mim e pela sociedade? Tal como Jesus, sinto vontade de amar e acolher as pessoas?
Por outro lado, se vou à Bíblia sempre para buscar respostas prontas… Se ao ler a Palavra de Deus, sinto reforçado o desejo de condenar alguém… Se me agradam textos bíblicos nos quais a violência parece ser incentivada… Se, mesmo lendo a Bíblia, ainda consigo assistir programas de TV sensacionalistas nos quais seres humanos que comentem crimes são humilhados pela polícia ou ridicularizados pelo apresentador… Se não me causam estranheza expressões do tipo “bandido bom é bandido morto”… Se acho que as pessoas precisam mesmo ser castigadas por Deus… Se cresce em mim o desejo de ver crianças e adolescentes na cadeia… Se algo disso se passa comigo, não estou fazendo uma boa leitura da Bíblia, muito possivelmente estou sendo escravizado pela letra morta. Ou, o que é pior ainda, estou sendo manipulado/a por quem tem outros interesses e quer me usar.
O atual congresso nacional conta com quantidade significativa de deputados que defendem interesses de uma elite que não admite ver um jovem negro em seu caminho. Racismo cada vez mais assumido, alimentado por ódio cada vez mais explícito e, hipocritamente, justificado pela religião. Em nome da Bíblia, a bancada evangélica se une à bancada da ruralista e à bancada da “bala”, para a conquista de um objetivo explícito: limpar das ruas crianças e adolescentes pobres, negras em sua maioria, que ameaçam e sujam “a beleza da cidade”. Quanto mais adolescentes negros distantes do alcance de sua visão, mesmo que para isso sejam presos ou mortos, menos seu conforto será incomodado. Peço perdão por eles! E não quero, ó Deus, reproduzir esse comportamento pecaminoso! Não posso ser ingênuo: Para isso serve a redução da maioridade penal.
Oportunizar educação e saúde ou mesmo chance de recuperação a um adolescente (desejo mínimo de qualquer pessoa cristã) é algo que não passa pelo coração de quem prefere desconhecer a seriedade do ECA (Estatuto da Criança e Adolescente) e a seriedade da Bíblia. Manipulam-se os dois textos. Tanto um como outro é lido de forma distorcida, descontextualizada. Que eu não caia neste erro, Senhor!
Em nome da vida que é dom maior, sou levado a me perguntar: Já estudei com seriedade o ECA ou repito discursos prontos de que essa legislação protege “adolescente bandido”? Tenho feito uso da Bíblia para disseminar o preconceito? Tenho usado as redes sociais para reproduzir piadas preconceituosas ou até mesmo o ódio? Mesmo sabendo do aumento da violência, tenho procurado saber de fato se os adolescentes causadores ou vítimas? Tenho disseminado pânico ao contar tantas notícias ruins sem me cuidar para falar das coisas boas que os jovens fazem? Sou capaz de sonhar com eles?
Se errei, posso pedir perdão a Deus, sei que posso contar com seu amor de pai de bondade, que abraça o filho mais novo e dá a ele uma nova chance. E que diz ao filho mais velho: “este seu irmão estava morto e tornou a viver, estava perdido e foi reencontrado…” (Lc 15,32). Ele não vai apodrecer nos porões dos presídios!
Ajuda-me, oh Deus de misericórdia, a dizer NÃO À REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL!
Texto: Edmilson Schinelo