Zaqueu para além da conversão pessoal: reparação e reconciliação social como prática de Justiça

Domingo XXXI do Tempo Comum
Lucas 19,1-10
Ronaldo Sales Jr. – CEBI Borborema/PB

A narrativa da conversão de Zaqueu não é apenas a história de uma conversão pessoal e espiritual, mas um poderoso anúncio do caráter concreto e transformador da salvação que Jesus traz, com profundas implicações sociais, econômicas e políticas.

Zaqueu era um “chefe de publicanos” e, portanto, um colaborador direto do Império Romano. Os publicanos (cobradores de impostos) eram odiados pelo povo judeu não apenas por servirem a um poder estrangeiro opressor, mas especialmente por extorquirem o povo, cobrando a mais para seu próprio benefício (Lc 3, 12-13).

Zaqueu, como chefe, era a peça-chave de um sistema econômico injusto que enriquecia uma minoria à custa da pobreza da maioria. Sua riqueza era, por definição, fruto do pecado estrutural da injustiça.

Quando Jesus passa em sua cidade, Zaqueu quer ver Jesus. Mas era muito baixo para vê-lo por sobre a multidão. E como era considerado impuro, não podia se mover no meio da multidão que acompanhava Jesus. Por isso, precisa subir numa árvore.

Quando Jesus passou pelo lugar, disse a Zaqueu que se hospedaria em sua casa, apesar de ser considerado um pecador público. Jesus não espera que Zaqueu se purifique primeiro. Ele toma a iniciativa. Ao dizer “Zaqueu, desce depressa, pois hoje preciso ficar em tua casa”, Jesus realiza um gesto escandaloso para a sociedade da época.

Zaqueu recebeu Jesus com alegria, enquanto o povo murmurava porque Jesus foi se hospedar na casa de um pecador público, traidor e explorador do povo. Em nenhum momento Jesus admoesta ou crítica Zaqueu. Mas Zaqueu entende o gesto de Jesus como um convite a uma vida nova pelo engajamento na transformação radical das relações sociais injustas de exploração e opressão.

A alegria e gratidão diante do gesto de Jesus levam Zaqueu a comprometer-se a indenizar com correção as pessoas que extorquiu e a dar metade de sua riqueza aos pobres. Zaqueu está reconhecendo de onde vem sua riqueza (do roubo e da exploração do povo) e decide redistribuí-la. Não é uma esmola, mas um ato de justiça que restaura o direito dos pobres à vida digna.

Só então Jesus sentencia: “Hoje a salvação entrou nessa casa”. Não foi apenas ao buscar Jesus ou recebê-lo em sua casa que a salvação entrou na casa de Zaqueu. A conversão de Zaqueu não é expressa apenas com palavras ou emoções, mas através de uma ação concreta e reparadora.

A salvação é um evento comunitário e histórico que se realiza quando as estruturas de pecado (neste caso, a exploração econômica) são desmanteladas pela prática da justiça e da misericórdia. “Salvar o que estava perdido” inclui tanto Zaqueu, perdido em seu pecado de opressão, quanto as vítimas de seu sistema, perdidas na pobreza e na exclusão. A missão de Jesus é salvar a ambos, restaurando a justiça e criando uma nova comunidade baseada na partilha e na fraternidade.

A justiça e a misericórdia são frequentemente vistas como conceitos opostos ou, na melhor das hipóteses, em tensão. A justiça é representada pela balança, pela lei, pela imparcialidade e pela consequência. A misericórdia é representada pelo perdão, pela compaixão e pela suspensão da pena. No entanto, a verdadeira justiça, em seu sentido mais profundo e transformador, é uma expressão radical de misericórdia com os mais vulneráveis.

O conceito hebraico de chesed (amor misericordioso) e tzedakah (justiça como caridade) estão intrinsecamente ligados. Para os profetas bíblicos como Miqueias, a justiça verdadeira não é apenas ritual, mas “praticar a justiça, amar a misericórdia e andar humildemente com Deus” (Mq 6, 8). Jesus no encontro com Zaqueu, apresenta um exemplo de justiça misericordiosa.

Esta visão vai além da justiça retributiva (“olho por olho”) e abraça a justiça restaurativa. Enquanto a justiça retributiva pergunta: “Que lei foi quebrada? Quem a quebrou? Que punição merecem?”, a justiça restaurativa pergunta: “Quem foi ferido? Quais são as suas necessidades? Quem é responsável por reparar esse dano?”

A justiça como retaliação é um ciclo infinito de violência. Ela foca no ato passado e na punição do infrator, muitas vezes negligenciando a vítima e a comunidade. A “misericórdia” neste contexto é vista como fraqueza, como uma injustiça para com a vítima, perdoando, esquecendo e absolvendo o ofensor de qualquer consequência.

A justiça como misericórdia, no entanto, não ignora o mal cometido. Pelo contrário, ela obriga o ofensor a encarar de frente o dano que causou, a ouvir a dor da vítima e a assumir a responsabilidade ativa pela reparação como fez Zaqueu.

Jesus leva o mal a sério demais para contentar-se com uma mera punição. Ele reconhece as condições estruturais que provocaram a violência, a exploração e opressão nas relações (entre vítima e ofensor, entre ofensor e comunidade, entre comunidade e vítima, e muitas vezes da vítima consigo mesma) e que a comunidade tem a responsabilidade de reparar os danos e buscar a transformação estrutural que permita a reconciliação genuína, criando um ambiente onde todos possam florescer.

Carrinho de compras
Rolar para cima