Solidariedade às Irmãs e Irmãos das Comunidades de Fé Afroameríndias

“Por que vocês me chamam: ‘Senhor! Senhor!’, e não põem em prática o que eu digo?” (Lc 6, 46).

Durante uma missa realizada na cidade de Areial, no interior da Paraíba, no domingo, 27 de julho de 2025, o padre Danilo César fazia uma homilia no chamado 17º Domingo do Tempo Comum, período liturgia da Igreja Católica, amplamente divulgada nas redes sociais.

Nesse contexto, o padre cita a morte da cantora Preta Gil, vítima de um câncer colorretal, associando a fé dela em religiões de matriz afro-indígenas à sua morte e sofrimento. As declarações com cunho de intolerância religiosa também aconteceram em relação aos fiéis para os quais o padre estava presidindo a missa. Ele chegou a se referir a religiões de matriz afro-indígenas como “coisas ocultas” e que desejava “que o diabo levasse” quem procurar essa prática.

Em resposta, a coordenação do CEBI Borborema publicou, no dia 28 de julho de 2025, uma nota de repúdio, solidarizando-se com a família enlutada e com as irmãs e irmãos de fé afroameríndia (algumas delas parte do CEBI) discriminadas e atingidas pela fala discriminatória do padre de Areial. Suas palavras, carregadas de ódio, intolerância e desinformação, não apenas ferem a dignidade de irmãos e irmãs de fé, mas atentam contra os princípios mais elementares do Evangelho e contra a Constituição Brasileira.

Não é a primeira vez que setores eclesiásticos se utilizam de púlpitos sagrados para atacar, com arrogância e ignorância, expressões religiosas afro-brasileiras. A fala do padre é um /exemplo claro de racismo religioso, que tem nome e punição previstas na Lei no.2.848/1940 que criminaliza “escarnecer publicamente de alguém por motivos de crença ou função religiosa” (art. 208) e na Lei nº 14.532/2023, a qual equipara a injúria racial ao crime de racismo — inafiançável, imprescritível e punível com reclusão de dois a cinco anos.

Ao zombar dos orixás, ao sugerir a morte de fiéis de outras tradições e ao associar religiões de matriz africana ao “diabo” e à “besta fera”, o referido padre comete grave violência simbólica, espiritual e social. Suas palavras são incompatíveis com a missão de qualquer pastor do rebanho de Cristo, como exorta o apóstolo Paulo:

“Se possível, quanto depender de vós, tende paz com todos os homens.” (Romanos 12:18)

Ao contrário do espírito cristão, que prega o amor, a empatia e o respeito ao próximo, sua homilia evoca juízos de condenação e incentiva o ódio religioso. Que evangelho é esse, baseado no medo, na exclusão e no preconceito?

“A boca fala do que está cheio o coração.” (Lucas 6:45)

Lamentamos que, em pleno século XXI, ainda sejamos obrigados a nos levantar contra discursos de ódio travestidos de homilias.

Ademais, acreditamos que o problema vai além das palavras isoladas de um padre. A nota da Diocese de Campina Grande/PB, em nossa opinião, pareceu burocrática e insuficiente diante da gravidade do ocorrido. O padre não expressou uma opinião pessoal, mas falou no exercício de sua função sacerdotal, durante uma homilia. Por isso, pergunto com firmeza e esperança: qual o posicionamento da Diocese de Campina Grande/PB diante disso? O padre continua em suas funções? Existe algum processo diocesano de apuração, reflexão sobre o caso e restauração pastoral das pessoas e comunidades atingidas?

Acreditamos que, como comunidade de fé inspirada no Evangelho de Jesus de Nazaré, somos chamados a enfrentar essas situações com coragem, transparência e justiça, sempre buscando a verdade e a reparação. Só assim haverá verdadeira reconciliação com Deus e uns com os outros, pois não há reconciliação onde há conciliação com a injustiça.

O Estatuto Social do CEBI estabelece entre suas as finalidades: “criar condições para o diálogo inter-religioso e para formação bíblica de agentes e lideranças comunitárias populares e religiosas, a partir da leitura popular da bíblia, capacitando e animando suas comunidades, aprofundando a reflexão bíblica” (Art. 2º., VI). Por isso, reafirmamos nosso compromisso com a leitura popular e libertadora da Bíblia, que denuncia toda forma de opressão e acolhe a diversidade como expressão da graça divina.

Reiteramos: o CEBI permanecerá vigilante e atuante na denúncia de toda forma de intolerância religiosa, especialmente contra as religiões de matriz africana — as quais são parte viva e sagrada da herança espiritual do povo negro e da identidade brasileira.

Que possamos refletir juntos e agir de forma coerente com os valores do Evangelho.

Que a Graça Divina nos abençoe com indignação diante da injustiça, da opressão e abuso das pessoas, independente de classe, etnia, gênero e religião, para que possamos trabalhar a favor da justiça e da paz!

Amém!

Campina Grande – PB, 08 de agosto de 2025

CEBI – Centro de Estudos Bíblicos / Regional Borborema

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