Reflexão do Evangelho

Monte de Vida: Desfiguração, Transfiguração e Ressurreição (Mt 17,1-9)

Este domingo, na liturgia da ICAR (Ano A, 18ª Semana do Tempo Comum), nos colocamos às subidas com Jesus e a Comunidade de Mateus: mas, subir para onde? Fazer o que lá em cima? E mais importante: o que esta subida nos entregará para nossas difíceis descidas?

Celebramos a grande Festa da Transfiguração do Senhor. A Comunidade de Marcos que nos deu esse relato (Mc 9,2-8), Mateus e Lucas o confirmou (Mt 17,1-9; Lc 9,28-36). Como essa liturgia, ficamos com a memória da Comunidade Mateana (Mt 17,1-9). Vamos subir juntos e juntas e, como a subida nem sempre é fácil, alguns movimentos de preparação:

  1. A Comunidade de Mateus: Bem provável que a Comunidade de Mateus estivesse na Galileia ou um pouco mais ao norte, na Síria. Uma comunidade de cristão advindos do judaísmo. Precisavam de “sentido” depois de dois eventos “duros” que marcaram suas vidas: a participação no movimento de Jesus, que culminou na morte desse mestre; e a destruição de Jerusalém e do Templo pelos romanos. Tudo parecia ter dado errado para essa Comunidade dos Pequeninos, assim que eles se sentiam, pequeninos.
  2. Monte, montanha, Jerusalém, subidas, lugares altos: Essa emblemática narrativa da Transfiguração pode ter valor especial para a comunidade. Ela remonta códigos afetivos-religiosos para uma comunidade de cristão-judeus. Ideias como “monte ou montanha”, pois foi na montanha que a lei de Deus foi entregue ao povo (Ex 32,15); a própria Jerusalém é cantada pelo salmista como a “cidade bem edificada, para onde sobem as tribos” (Sl 122,3-4); assim, as “subidas”, estão ligadas à encontro com a comunidade e com Deus. Mas também, “lugares altos” são ambientes de tentação e idolatria denunciados pelos profetas, onde o projeto do Êxodo estava sendo adulterado (Jr 3,21).
  3. Antes e depois: a Comunidade de Mateus colocou a Transfiguração entre duas narrativas significativas. Antes, é o “anúncio da Paixão” (Mt 16,21-28) e, depois, a experiência de “fé insuficiente dos discípulos” (Mt 17,14-21). Todas essas narrativas colocam a comunidade frente ao novo projeto trazido pelo Messias Nazareno que envolve a abertura para cruz e aceitação pela fé.

Depois desses movimentos de preparação vamos subir com a Comunidade de Mateus, ao Monte da Vida, com um “monte de vida”:

  1. Subir em comunidade (Mt 17,1-): Quão triste é uma subida que se faz sozinho, embora, às vezes, precisamos fazê-la desta forma. As subidas de Jesus são feitas em comunidade, com a comunidade, entre amigos, Pedro, Tiago e João. Remonta às subidas e descidas das tribos de Israel, do povo de Deus peregrino. Quando nos conta essa história, a Comunidade de Mateus também está se desafiando à uma experiência profunda de fraternidade, sororidade e encontro.
  2. Encontros no Monte (Mt 17,2-6): No Monte Jesus se encontra com Moisés e Elias, grandes profetas de Deus: esse encontro é um encontro de profecia. Moisés e Elias entendem de encontros com Deus, entendem que um projeto profético precisa ser preparando; estão com Jesus, preparando o advento do Reino dos Céus; por sua vez a Comunidade Mateana, ao escrever e ler essa passagem, também coloca-se em preparação profética. Primeiro, olhamos para Moisés, que na Sarça Ardente, conversou com Deus e recebeu a missão libertar seu povo da escravidão: vi, ouvi, desci, libertei (cf. Ex 3,7-10). Essa comunidade quando olha para Moisés está visitando a metodologia do Êxodo que tem objetivo claros, lutar contra a escravidão e coloca-se em perspectiva de libertação. Por segundo, olhamos para Elias, que também conversou com Deus e, no Monte, enquanto fugia de ameaça de morte, foi desafiado a retomar seu caminho e missão: furação, terremoto, fogaréu, mas também, brisa (1Rs 19,9-18). As inquietações de Elias no Monte, também são as inquietações da comunidade que parece perdida e assustada, como furação, terremoto e fogaréu, por sua vez, precisam converter seus desafios em “brisa leve”, ou seja, ser capaz de ouvir a história e não só seus medos para, assim, seguir em frente. Por fim, contemplamos Jesus e tudo parece tão esplendoroso e majestoso que, o mais satisfatório seria ficar ali “bestificados” com toda aquela realeza divinal. A Comunidade está fazendo uma experiência de passagem de um Cristo Espetaculoso para um Jesus Profeta que, entre outras coisas, significa “voltar”, refazer o caminho, encarar as estruturas de morte, colocar-se continuamente “em saída”.
  3. Descida, desfiguração e ressurreição (Mt 17,7-9): Transfiguração é o contrário de “desfiguração”! A Comunidade de Mateus estava à um passo de abandonar o projeto do Reino, de deixar os pequeninos, ou quem sabe, de se entregar à um Cristo ilusório das alturas: desfigurar o projeto de vida e abandonar os desfigurados. É por isso, que Jesus desce com os discípulos: “Fiquem tranquilos, vamos descer!” – é isso que diz Jesus. O “retiro na montanha” acabou, vamos voltar para comunidade. Para uma comunidade transfigurada, ou seja, ao mesmo tempo, profeticamente comprometida com o Reino dos Céus e sensível aos apelos dos desfigurados e desfigurados. Assim, na Festa da Transfiguração já antecipamos a Festa da Ressurreição: vida nova para todos e todas.

Um “monte de vida” se abre para essa comunidade em meio a vulnerabilidades. Por sua vez, a Comunidade de Mateus nos desafia a todos nós, passarmos de uma religião espetaculosa, intimista e superficial ao projeto profético do Reino dos Céus. Sim! É preciso subir, pois sem a força do encontro com o Jesus, talvez essa experiência se tornará pesada demais. Mas já é hora de descer, com a força do Êxodo e da profecia que aprendemos lá em cima para juntos dos desfigurados e desfigurados de nossas comunidades.

E na perspectiva de cantar e poetizar nossas subidas, partilho com vocês essa poesia que nasceu da partilha da Palavra e da subida ao Monte do Bom Jesus em Itaberaba, Bahia, junto à catequistas:

Monte de Descidas

Tínhamos que subir o monte
todos estavam falando
segundo domingo, tempo propício
era a nossa vez
Monte às vistas, monte de alturas
onde fica a Pedra do Vaqueiro
onde começou a Transfiguração
Tava quente, muito quente
ou não tava mais, já era tardinha
e subimos os três
Ele falou:
– Antes de desejar transfigurações
tem que ver que há desfigurados!
Pedro pareceu nem entender
por isso disse:
– Vamos fazer três tendas…
Ele disse:
– Vamos, mais, fazer três descidas:

  • Descer-se em monte
  • Descer aos montes
  • Montar descidas

Já quase noite
um vento bom, alguma coisa para comer
Madalena perguntou:
– Quem foi que apareceu? O poeta ou a praça?
Foi Moisés ou Elias? Onde foram? Já foram?
Ele disse:
– Não! Eles ficaram de dentro
e nos encontrarão no pé do monte, lá em baixo
para quando carecer da poesia
mais também, quando precisar profecia

Autor: Márcio L. d’Oliveira
CEBI Bahia
@poesismarcio

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