CAMINHANDO JUNTOS RUMO À TRANSFORMAÇÃO
Como todo segundo domingo da Quaresma, nossas Igrejas nos propõem refletir sobre o mistério da Transfiguração, este ano a partir do relato de São Mateus, é assim que nos exortam a acolher o convite de Jesus para subir com Ele até o Monte Tabor. Tal como no domingo passado, no início da Quaresma, fomos convidados a acompanhar Jesus ao deserto, onde foi tentado pelo demónio, hoje somos encorajados a subir com Ele ao monte, como oportunidade de descobrir o caminho que conduz à glória da ressurreição.
Convido vocês a contemplar este mistério, colocando-nos sob o olhar do Senhor que sempre nos vê com olhos novos, nos vê como Jesus, como “filhos muito amados”.
Para isso proponho 3 pontos:
- “Seis dias depois… ele foi transfigurado”
- As duas palavras de Deus: «Este é meu Filho amado. Escutai-o! » […] «Levanta-te e não tenhas medo».
- O desejo de Pedro e o temor dos discípulos: «Farei três tendas […] ficaram muito assustados… »
- “Seis dias depois… Ele foi transfigurado”
Seis dias depois de quê? Seis dias depois de Jesus anunciar aos discípulos as duras condições que o seguimento tem: carregar a cruz, renunciar ao próprio ego, perder a vida (Mt 16,24-28), como consequência de que Pedro, logo após de professar a sua fé em Jesus como Cristo, o Filho de Deus, (Mt 16,16) rejeitara o seu anúncio da paixão e da cruz (Mt 16,21-23).
Esses “seis dias” referem-se ao Gênesis (cf. Gn 1), ao relato da criação do mundo em sete dias, quando a criação do ser humano foi no sexto (Gn 1,31), no sétimo Deus descansado. Esta referência aos seis dias quer anunciar que uma nova criação está por vir (Ap 21, 1-5).
A transfiguração é essa nova criação. Mas o que é a transfiguração? A palavra grega usada é metamorfose, [meta “mudança” e morphe, “forma”]. Usamos esta palavra quando uma lagarta se transforma em borboleta… transformação: sua figura, sua forma mudou, como se Jesus já tivesse ressuscitado, tinha terminado de anunciar as dores de sua paixão e a dureza de seu seguimento e imediatamente mostra o resultado final.
Embora pareça contracultural abraçar a cruz, ela nos transforma para o bem, renunciar ao ego nos torna “diáfanos”, dar a vida, perdê-la por amor, nos redime.
A transfiguração é algo que acontece com Jesus, mas também anuncia a nossa vida nova, a plenitude do ser humano, que foi criado à imagem e semelhança de Deus (Gn 1,26) e é recriado à imagem e semelhança do Filho (Rm 8,15).
A transfiguração, a metamorfose, a transformação para uma nova vida é quando abraçamos a vulnerabilidade, nossa própria vulnerabilidade, a vulnerabilidade de nossos irmãos e irmãs, a vulnerabilidade de nossas igrejas, a vulnerabilidade de nossos povos e sociedades, a vulnerabilidade de toda a criação.
- As duas palavras de Deus: «Este é meu Filho amado. Escutai-o!» […] «Levanta-se e não tenhas medo».
No segundo ponto convido vocês a deter-nos, nas palavras de Deus, primeiro no convite do Pai «Este é o meu Filho amado, escutai-o». Um convite que enche de medo os discípulos. Esta exortação vem da “nuvem falante”; lembremos que quando o povo de Israel saiu do Egito, a nuvem era o sinal da presença de Deus que os guiava pelo deserto, (Ex 13,17-22. Ex 40,36-38), una presencia liberadora, que saca da escravatura. A palavra do Pai é ao mesmo tempo uma confirmação para Jesus e um convite para os discípulos. Jesus ouve novamente as palavras do seu baptismo no Jordam: «Tu és meu filho» e os discípulos ouvem novamente a mesma indicação: «Escutai-o!» (Mt 3,13-17; Mc 1,9-11; Lc 3,21-22; Jo 1,29-34).
A nuvem pede que escutemos Jesus, o Filho amado, pede que nos fortaleçamos na sua palavra para não nos assustarmos com as consequências do seguimento. Ele nos pede para ouvir Jesus com atenção, da mesma forma que os judeus ouviram Moisés e Elias.
Não podemos esquecer que Jesus nos fala, além da Sagrada Escritura, na criação, na história, na realidade, nos irmãos e irmãs, especialmente nos que sofrem.
A segunda palavra em que quero me deter é do próprio Jesus que, diante do medo dos discípulos, se aproxima, como só Ele sabia fazer; os «tocou» como tocava os doentes, (Mt. 8.1-4; Mr. 1.40-45) e diz-lhes: «Levanta-se e não tenhas medo».
Também os cristãos hoje muitas vezes temos medo de ouvir apenas Jesus. Não temos a coragem de colocá-lo no centro de nossas vidas e comunidades. Não o deixamos ser a Palavra única e decisiva. Também hoje, Jesus olha para nós, toca-nos e diz-nos: Não tenhas medo de me ouvir e de seguir só a mim, de te comprometeres no humilde serviço do Reino, construindo uma sociedade diferente, mesmo que isso te leve até a cruz.
- 3. O desejo de Pedro e o temor dos discípulos: «Vou fazer três tendas. » […] “ficaram muito assustado…”
Pedro, Tiago e João viviam um momento único, uma antecipação da Páscoa, um avanço da ressurreição; foram convidados não só a subir uma montanha, mas a participar daquela luz, quando Pedro é novamente tentado a evitar a paixão e a morte, para se instalar na tenda da luz. Também nós podemos ser tentados a buscar o bem-estar interior na religião, na igreja, na nossa comunidade, evitando a responsabilidade individual e coletiva de construir uma convivência mais justa, fraterna, solidária, enfim, mais humana.
O texto não fica aí, Mateus, além do desejo de Pedro de se instalar, também nos conta, como vimos, o susto dos discípulos ao receber o pedido do Pai para “Escutar” o seu “Filho amado”.
É assustador ouvir apenas Jesus.
Talvez, como os discípulos, também nós tenhamos medo de escutar o convite de Jesus para deixar nosso conformismo, para romper com um estilo de vida egoísta, egocêntrico e consumista no qual podemos estar confortavelmente instalados, para começar a viver mais atentos ao apelo que nos chega dos mais desamparados e vulneráveis da nossa sociedade.
Provavelmente é o medo que mais paralisa os cristãos no seguimento fiel de Jesus Cristo… muitas vezes, temos medo de assumir as tensões e os conflitos que a busca da fidelidade ao evangelho acarreta. Nos calamos quando deveríamos falar; nos inibimos quando deveríamos intervir. A discussão de assuntos importantes é proibida, para evitar declarações que possam causar preocupação; preferimos a adesão à rotina que não traga problemas ou desprazeres
Como igrejas, podemos ter medo de revisar ritos litúrgicos e linguagens que não favorecem a celebração viva da fé hoje. Medo de falar de “direitos humanos”. Medo de reconhecer as mulheres, os jovens, os diferentes um lugar mais condizente com o espírito de Jesus. Temos medo de colocar a misericórdia acima de tudo.
Que neste caminho quaresmal, possamos nos preparar para subir ao Tabor para que, escutando o “Filho amado”, seja Ele quem transforme nossos medos, covardias e ambiguidades e possamos, como cristãos, deixar sua luz brilhar em nossas vidas, comunidades e realidades. Amém.
Autora:
Sou Elizabeth, pertenço à Congregação das Irmãs Dominicanas de Sta. Catarina de Sena, moro em um bairro na periferia da região noroeste da grande Goiânia. Sou nascida na Argentina, numa família da classe trabalhadora; descendentes de migrantes, de vários países, que em busca de vida, deixaram suas próprias raízes para fugir da fome e da violência da 1ª Guerra Mundial.
Assim, o meu sangue e a cultura familiar em que cresci são constituídos por componentes marcados por uma grande diversidade. Também minha aparência física: altura, tipo e cor de cabelo, cor de pele e olhos… expressam a diversidade que levo no sangue e nos costumes.
Gosto de me definir como uma mulher itinerante, em busca… Busca do Reino, definido por Paulo como “paz, justiça e alegria” (Rom. 14,17)