Reflexão do Evangelho

Na Compaixão é o Segrego da Felicidade e da Fraternidade

Por detrás da pergunta sobre como ganhar a vida eterna está sempre a ideia de salvação, de uma vida madura e plenamente realizada. E a discussão que perpassa os evangelhos é sobre o caminho mais direto e seguro para salvação: seria a submissão à lei, como ensinavam os escribas e fariseus? Haveria outro caminho, menos rígido, mais humano e misericordioso?

Para Jesus, o caminho da salvação não passa pelo cumprimento escrupuloso da lei mas pela compaixão para com as vítimas e sofredores, mediante ações concretas de solidariedade, sem lugar para a indiferença diante do sofrimento humano. Para ele, o amor pleno a Deus se concretiza na ação urgente e generosa em benefício das pessoas necessitadas.

Esta é a reposta de Jesus à pergunta do doutor da lei. Mas, a pergunta do homem da lei esconde a verdadeira discussão sobre quem é o nosso próximo. Jesus não acrescenta mais uma norma ao monte de leis que existiam, mas estabelece uma perspectiva nova e exigente: a aproximação e o socorro a quem mais necessita. Quem fica perguntando “quem é o meu próximo?”, ou “o que eu tenho a ver com ele”, perdeu o rumo e a perspectiva.

No evangelho que meditamos neste domingo, Jesus evita cair numa discussão abstrata e infinita em tordo da definição teórica do conceito de “próximo”. O porta-voz sabia muito bem como a lei de Moisés descrevia o próximo a quem o judeu deve amor: a pessoa pertencente à família, à tribo, ao clã, à nação; e, eventualmente, o hóspede, fosse ele um escravo ou um estrangeiro peregrino. Aos outros, pode-se mostrar indiferença, desprezo e até ódio.

Jesus prefere abordar essa questão crucial recorrendo a uma parábola. O sacerdote e o levita são personagens que representam de forma clara o judeu considerado piedoso e correto, dedicado ao templo e ao cumprimento das leis. O samaritano representa todos os grupos étnicos e povos que os judeus desprezam, criticam e excluem, o pecador típico, aquele que anda sempre à margem da lei e a transgride irremediavelmente.

Para Jesus, a solidariedade concreta e desinteressada substituiu e vale mais que culto e a lei. É ela a motoniveladora que abre largos caminhos para a salvação, a virtude que desvela uma vida madura e plena. E o samaritano – considerado herético, bastardo e impuro pelos judeus – está mais próximo de Deus que o sacerdote e o levita, porque se aproxima da pessoa ferida e é capaz de ser compassivo, enquanto que o sacerdote e o levita, obcecados pelas leis e pelo templo, se afastam dela e se mostram indiferentes.

Jesus inverte a pergunta do escriba e pergunta pelo sujeito e não pelo objeto do amor. Com a parábola Jesus não quer apresentar apenas um belo exemplo, mas abrir uma nova perspectiva. O amor concreto é solicitado, definido e na nossa resposta à pessoa necessitada, que pode ser até inimiga. O amor nos faz livres e criativos! O paradoxo é que o protótipo do amor salvífico é a pessoa mais desprezada, e o doutor da lei deve imitá-lo.

Recentemente o Papa Francisco nos brindou com uma profética e madura exortação, a carta encíclica Fratelli Tutti. Nela, o papa argentino toma exatamente a cena do samaritano como fio condutor de uma rica abordagem sobre a amizade social e a fraternidade sem fronteiras. E chama a nossa atenção para o fato de que os personagens mais piedosos são os que mostram maior indiferença e negam a solidariedade que gera um mundo fraterno.

Tanto a oração do Pai Nosso como a Ave Maria são orações comunitárias, feitas na primeira pessoa do plural. Mas será que temos a coragem de dizer quem estamos incluindo e quem estamos excluindo deste “nós”? Quem é este “nós, pecadores” por quem pedimos que Maria rogue a Deus? E quem está dentro do “nós” para quem pedimos o “pão nosso de cada dia”? Estes coletivos incluem alguém fora de nosso grupo de interesses, nosso clube, nosso partido, nossa família de sangue, nossa igreja ou religião? De quem somos efetivamente próximos?

Itacir Brassiani msf

 

 

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