Por Itacir Brassiani msf
O capítulo 10 do evangelho de Marcos sublinha um aspecto fundamental da vida cristã: a missão de anunciar e testemunhar Jesus Cristo deve ser sempre precedida e sustentada pela atitude de discípulo e aprendiz. O Evangelho não é como um produto que precisa de publicidade, e a missão não se identifica com a simples expansão da Igreja. Evangelizar é fazer do Evangelho a regra fundamental do nosso viver, pautar nossa vida pelas opções de Jesus Cristo, pela atitude de serviço. E esta lição precisa ser sempre retomada.
No trecho que meditamos neste domingo, Marcos continua narrando a subida de Jesus para Jerusalém. Apesar do ensino particular e paciente de Jesus, os discípulos continuam resistentes e espantados frente a um messias humano, pobre e servidor. Nem mesmo o tríplice anúncio da prisão, condenação, tortura e morte consegue abrir a mente deles. “Os discípulos estavam espantados, e aqueles que iam atrás estavam com medo” (Mc 10,32). Um Deus despojado não encontra lugar na ideologia deles. Eles não conseguem abandonar a ideia de que, apesar de tudo, Jesus seria vitorioso.
Mas o pior é que os discípulos alimentam a ambição de partilhar com Jesus as honras e benesses de uma esperada e fantasiosa vitória. “Quando estiveres na glória, deixa-nos sentar um à tua direita e outro à tua esquerda”. A indignação dos outros dez discípulos com os irmãos Tiago e João revela que todos têm a mesma ambição. Eles não conseguem ver a caminhada a Jerusalém senão como uma marcha de subida ao poder. Não imaginam que à esquerda e à direita de Jesus estariam dois ativistas rebeldes que nem eram discípulos.
O pedido explícito dos filhos de Zebedeu e a ambição oculta de todos os demais discípulos aborrecem Jesus. Ele tem a impressão de estar fracassando na missão de ensinar os caminhos do reino de Deus. Por isso, Jesus fala com uma certa amargura: “Vocês não sabem o que estão pedindo. Por acaso vocês podem beber o cálice que eu vou beber? Podem ser batizados com o batismo que eu vou ser batizado?” Mas nem mesmo este questionamento, que coloca os discípulos cara a cara com o martírio, é capaz de tirá-los do sonho de poder: eles respondem mentindo. E a Jesus só lhe resta falar com ironia.
Quando Jesus ensina que, em oposição ao que costumeiramente vemos e cremos, quem quiser ser grande deve tornar-se o servo, e quem quiser ser o primeiro deve ocupar o último lugar, não está falando de um certo sentimento de humildade, bem ao gosto dos prepotentes. O que ele pede é que nos situemos ao lado dos últimos e aceitemos ser considerados um nada, como as crianças e escravos, sem que isso nos cause qualquer perturbação. A autêntica humildade é o reconhecimento da verdade sobre nós mesmos, pois quem se considera superior ou inferior aos outros tem uma falsa imagem de si mesmo.
Mas ser como criança e assumir a postura de servo não tem nada a ver com ingenuidade, imaturidade ou autodesprezo. O que Jesus propõe como valor é a sinceridade, a confiança radical, a liberdade frente às preocupações, a capacidade de maravilhar-se e alegrar-se com as surpresas da vida, a aceitação alegre da minoridade. A figura do Servo, realizada radicalmente por Jesus, tem pouco da passividade do cordeiro e muito de ativa profecia e de corajoso martírio. Ocupar o último lugar rima com a proclamação da dignidade dos pequenos e dos últimos, e soa como incômoda profecia de quem usurpa à força os primeiros lugares.
Fixemos nosso olhar em Jesus de Nazaré. Ele não desconhece nossos limites, nem a falência dos nossos intentos. Por isso, humano que é, se compadece das nossas fraquezas (cf. Hb 4,14-16). Sendo profeta do Reino e Servo dos últimos, Jesus não guarda sua própria vida como um bem precioso, mas a “esbanja” inteiramente (como aquele pai na volta do filho) para pagar nossa liberdade. E é aqui que se esconde o segredo da sua fecundidade: como diz o profeta Isaías, é porque entrega sua vida e carrega os crimes dos outros que ele prolonga sua existência, e seu rosto adquire o brilho glorioso de uma verdade que liberta.
Jesus de Nazaré, Servo perseguido, Irmão amado e amável! Que teu amor esteja em nós, como em ti está nossa esperança. Tu és digno de crédito, porque vens ao nosso encontro em nossa humana carne. Assim, podemos aproximarmo-nos de ti com plena confiança. Mesmo conhecendo o barro do qual somos feitos e os sonhos humanos que nos tiram o sono, envia-nos como teus missionários. Ajuda-nos a proclamar com a vida e com a palavra a dignidade de todo humano ser e a nobreza de quem se faz servidor/a. E que nada nem ninguém nos intimide ou faça desistir da urgente e dura luta pela democracia. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf