1. Nos cinco capítulos que descrevem a despedida de Jesus (Jo 13 a 17), percebe-se a presença daqueles três fios de que falamos na Introdução: a fala de Jesus, a fala das comunidades do Discípulo Amado e a fala daquele que fez a última redação do Quarto Evangelho. Nestes capítulos, os três fios estão de tal maneira entrelaçados que o todo se apresenta como uma peça única de rara beleza e inspiração, em que é difícil distinguir o que é de um e o que é do outro.
2. Estes cinco capítulos (Jo 13 a 17) são um exemplo de como as comunidades do Discípulo Amado faziam catequese. Por exemplo, o capítulo 14 é uma catequese que ensina as comunidades como viver sem a presença física de Jesus. Eles faziam isso por meio de perguntas e respostas. As perguntas dos três discípulos, Tomé (Jo 14,5), Filipe (Jo 14,8) e Judas Tadeu (Jo 14,22), eram também as perguntas das comunidades. Assim, as respostas de Jesus para os três eram um espelho em que as comunidades encontravam uma resposta para as suas próprias dúvidas e dificuldades.
1. João 14,1-2: Nada te perturbe!
O texto começa com uma exortação: “Não se perturbe o coração de vocês!” Em seguida, diz: “Na casa do meu Pai há muitas moradas!” A insistência em conservar palavras de ânimo que ajudam a superar a perturbação e as divergências, é um sinal de que devia haver muita polêmica entre as comunidades. Uma dizia para a outra: “Nós estamos salvos! Vocês estão erradas! Se quiserem ir para o céu, têm que se converter e viver como nós vivemos!” Jesus diz: “Na casa do meu Pai há muitas moradas!” Não é necessário que todos pensem do mesmo jeito. O importante é que todos aceitem Jesus como revelação do Pai e que, por amor a ele, tenham atitudes de serviço e de amor. Amor e serviço são o cimento que liga entre si os tijolos e faz as várias comunidades serem uma Igreja de irmãos e de irmãs.
2. João 14,3-4: Jesus se despede
Jesus diz que vai preparar um lugar e depois retornará para levar-nos com ele para a casa do Pai. Quer que estejamos todos com ele para sempre. O retorno de que
Jesus fala é a vinda do Espírito que ele manda e que trabalha em nós, para que possamos viver como ele viveu (Jo 14,16-17.26; 16,13-14). Jesus termina dizendo: “Para onde eu vou, vocês conhecem o caminho!” Quem conhece Jesus conhece o caminho, pois o caminho é a vida que ele viveu e que o levou através da morte para junto do Pai.
3. João 14,5-7: Tomé pergunta pelo caminho
Tomé diz: “Senhor, não sabemos para onde vai. Como podemos conhecer o caminho?” Jesus responde: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida!” Três palavras importantes. Sem caminho, não se anda. Sem verdade, não se acerta. Sem vida, só há morte. Jesus explica o sentido. Ele é o caminho, porque “ninguém vem ao Pai senão por mim!”, pois ele é a porteira por onde as ovelhas entram e saem (Jo 10,9). Jesus é a verdade, porque, olhando para ele, vemos a imagem do Pai. “Se vocês me conhecem, conhecerão também o Pai!” Jesus é a vida, porque, caminhando como Jesus caminhou, estaremos unidos ao Pai e teremos a vida em nós.
4. João 14,8-11: Filipe pergunta pelo Pai
“Mostra-nos o Pai, e basta!” Era o desejo de muita gente nas comunidades de João: como é que a gente faz para ver o Pai de que Jesus fala tanto? A resposta de Jesus é muito bonita e vale até hoje: “Filipe, tanto tempo estou no meio de vocês, e você ainda não me conhece! Quem me vê, vê o Pai!” Não devemos pensar que Deus está longe de nós, como alguém distante e desconhecido. Quem quiser saber como é e quem é Deus Pai, basta olhar para Jesus. Ele o revelou nas palavras e gestos da sua vida. “O Pai está em mim e eu estou no Pai!” Por sua obediência, Jesus estava totalmente identificado com o Pai. Ele, a cada momento, fazia o que o Pai mostrava que era para fazer (Jo 5,30; 8,28-29.38). Por isso, em Jesus tudo é revelação do Pai. E os sinais ou as obras de Jesus são as obras do Pai. Como diz o povo: “O filho é a cara do pai!” Por isso, em Jesus e por Jesus, Deus está no meio de nós.
5. João 14,12-13: Promessa de Jesus
Jesus faz uma promessa para dizer que a intimidade dele com o Pai não é privilégio só dele, mas é possível para todos os que creem nele. Nós também, por meio de Jesus, podemos chegar a fazer coisas bonitas para os outros do jeito que Jesus fazia para o povo do seu tempo. Ele vai interceder por nós. Tudo que pedirmos a ele, ele vai pedir ao Pai e vai conseguir, contanto que seja para servir.
6. João 14,14-17: Ação do Espírito Santo
Jesus é o nosso defensor. Ele vai embora, mas não nos deixa sem defesa. Promete que vai pedir ao Pai para Ele mandar um outro defensor ou consolador, o Espírito Santo. Jesus chegou a dizer que ele precisava ir embora, pois, do contrário, o Espírito Santo não poderia vir (Jo 16,7). É o Espírito Santo que realizará a proposta de Jesus em nós, desde que peçamos em nome de Jesus e observemos o grande mandamento da prática do amor.
Durante muito tempo, houve uma identificação entre o João do livro do Apocalipse (Ap 1,1.4.9) e o autor do Quarto Evangelho. Pensavam que era a mesma pessoa. Por isso, buscavam acentuar as semelhanças entre o Evangelho de João e o Apocalipse. Por exemplo, a identificação de Jesus como Cordeiro de Deus (Jo 1,29; Ap 5,6.12), e outras. Mas as diferenças são maiores que as semelhanças. Elas mostram que os dois livros não são do mesmo autor. As semelhanças, porém, mostram que os dois surgiram em um mesmo ambiente, onde as pessoas tinham uma maneira muito própria de ver o mundo e de se situar diante do Império. Esta mentalidade ou maneira de ver as coisas chamamos de apocalíptica. Ela transparece também nos outros escritos do Novo Testamento. Por exemplo, nos evangelhos sinóticos, encontramos discursos de Jesus a respeito daquilo que acontecerá no fim dos tempos (Mc 13; Mt 24; Lc 21). Nestes discursos, Jesus usa imagens apocalípticas para falar do juízo final de Deus e da sua vitória definitiva sobre o mal que atormenta as pessoas. É provável que o próprio Jesus falasse dentro desta mesma mentalidade, muito comum na Palestina na sua época.No Evangelho de João, não é só neste discurso, mas Jesus fala o tempo todo em imagens apocalípticas para definir a sua missão. Expressão desta mentalidade são, por exemplo, as seguintes frases de Jesus: “Um pouco de tempo e já não me vereis, mais um pouco de tempo ainda e me vereis” (Jo 16,16); “Saí do Pai e vim ao mundo, deixo o mundo e volto para o Pai” (Jo 16,28). Jesus quer dizer que ele veio do Pai para, no mundo, ser o nosso defensor, nosso advogado ou Paráclito. Voltará para o Pai, para o mundo do alto, para o enfrentamento definitivo com Satã, chamado de “príncipe deste mundo” (Jo 12,31). Depois, Jesus voltará triunfante (Jo 16,20-22). Para as comunidades do Discípulo Amado, quando Jesus é “elevado” na cruz, ele está voltando para o alto, para junto do Pai (Jo 3,14-15). A cruz é a glorificação de Jesus, por isso mesmo, quando Jesus for elevado, atrairá todos para si (Jo 12,32). As palavras do Evangelho de João querem dar às comunidades força e coragem para enfrentar as tribulações e as dificuldades, suportadas por aqueles que buscam construir uma vida alternativa numa sociedade violenta (Jo 16,2). A vitória definitiva de Jesus sobre o “príncipe deste mundo” está descrita no Apocalipse, onde ele vence o Dragão, “a antiga serpente, chamada Diabo ou Satanás” (Ap 12,9), e faz com que ele seja expulso do céu (Ap 12,1-9). A vitória final já começou no mundo lá de cima. Escutando bem, as comunidades podem até ouvir o canto de vitória que ressoou pelo céu, após a vitória de Jesus sobre Satã (Ap 12,10-12). Em breve, esta vitória será revelada e manifestada também neste mundo cá de baixo. Todos podem ficar tranquilos e cheios de esperança, porque Jesus venceu e foi glorificado pelo Pai (Jo 17,5).