Leia a reflexão sobre Marcos 3,20-35, texto de Léo Zeno Konzen.
Boa leitura!
Distinguir a voz de Deus das vozes diabólicas nem sempre é tão simples! Muitas violências e injustiças já foram cometidas “em nome de Deus”, desde os “tempos de Adão e Eva”… E, ao que tudo indica, esse “filme” está longe do seu fim! E certamente esse não é um problema apenas de facções fundamentalistas de qualquer religião…
Confundir as vozes satânicas com a voz de Deus pode acontecer com inocentes ou ingênuos. Talvez esse tenha sido o caso daquele homem “possuído por um espírito impuro” que viu em Jesus uma ameaça aos sagrados costumes do povo dominado pelas autoridades da sinagoga (Mc 1,21-28). Pode ter sido o caso também dos familiares de Jesus que aparecem no Evangelho deste domingo.
Mas pessoas que pretendem ser as mais religiosas e santas não estão imunes a essa teologia ao avesso, que vê como divino aquilo que é diabólico e como satânico aquilo que é divino. Pode ocorrer com pessoas que se agarram à bíblia, pessoas muito piedosas, ou gente que não aceita as crenças dos outros. Tais pessoas acham que o diabo está agindo sempre nos outros, isto é, naqueles que pensam de maneira diferente ou que questionam as incoerências da sociedade, de sua Igreja ou religião.
Foi isso que também aconteceu com Jesus. No Evangelho de hoje, aparecem dois grupos de pessoas que, em nome de Deus, têm dificuldades para aceitar os comportamentos e as ideias de Jesus. Em primeiro lugar, entram em cena os parentes do Nazareno. Eles vão ao seu encontro para segurá-lo, para impedir que ele continue sua missão, porque pensam que tinha ficado louco. Em outras palavras, eles não dizem, mas pensam que um demônio tomou conta de Jesus. Por isso, era preciso agir: levar Jesus para casa e dar-lhe umas boas lições, tentar convencê-lo de que estava, no mínimo, equivocado ou que estava se excedendo e prejudicando, com isso, também todos os seus parentes…
Outro grupo, com ótima formação bíblica e teológica (mestres da Lei ou escribas vindos de Jerusalém), vai mais longe e diz que “Ele está possuído por Belzebu”, e que “é pelo príncipe dos demônios que ele expulsa os demônios”. Eles justificam, assim, a sua perseguição contra Jesus. Aí já não se trata mais de ingenuidade ou inocência. E o julgamento é explícito: Jesus seria uma peça na estratégia do chefe dos demônios (Belzebu), talvez uma vítima inocente dele… Eles o acusam de se fazer de “santo”. Por isso, o povo ingênuo estaria correndo atrás dele. Mas, segundo os mestres da Lei, Jesus estaria sutilmente a serviço do poder do mal, destruindo as coisas sagradas de Deus. Na verdade, Jesus seria um charlatão, um enganador do povo.
No entanto, Jesus desmascara essa inversão que acha que é diabólico aquilo que vem de Deus. Ele mostra que esses seus adversários de Jerusalém estão pecando contra o Espírito Santo, justamente porque invertem o que é de Deus e o que é diabólico. A avaliação de Jesus é muito grave, porque esse pecado contra o Espírito Santo impede as pessoas de ouvirem o que Deus tem a dizer, porque elas estão vendo tudo com os olhos de seus próprios interesses. Como podem tais pessoas estar em comunhão com Deus? Aqueles que pretendem ter o direito de condenar Jesus em nome de Deus revelam que eles mesmos é que estão dominados pelo poder da ideologia, numa cultura e religião que transformaram em ídolo seus interesses excludentes e discriminadores.
Os conflitos de Jesus iniciam muito cedo. Estamos ainda no capítulo 3 do Evangelho de Marcos. Aliás, já no início desse capítulo, fariseus (poder religioso) e herodianos (poder político) haviam decretado seu fim, por verem nele um perigo que tinha de ser cortado pela raiz.
O Evangelho deste domingo termina com um anúncio esperançoso: há novos irmãos, irmãs e mães de Jesus que não o consideram louco. São aqueles que aprendem com Jesus um novo jeito de entender e fazer a vontade de Deus. A vontade de Deus vai muito além do cumprimento de alguns ritos e leis, como pretendiam os “piedosos” adversários de Jesus; ela tem seu foco na vida e na libertação das escravidões e dominações sofridas pelos filhos e filhas de Deus. É por isso que Jesus expulsa tantos demônios, segundo o Evangelho de Marcos. E quem vive fazendo assim a vontade de Deus, diz Jesus, “esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe”.
Que Deus nos conceda a graça de estarmos sempre entre esses novos familiares de Jesus!