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Sede misericordiosos, como também o vosso Pai é misericordioso

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Leia a reflexão do evangelho para o próximo domingo, sobre Lucas 6,27-38. O comentário é do Pe. Adroaldo Palaoro sj.

Boa leitura!

Tornar presente o Pai como Amor e Misericórdia foi, para Jesus, o cerne de sua missão: toda a sua vida foi uma eloquente demonstração da misericórdia divina para com a humanidade. Jesus, que encarna e torna visível no mundo a misericórdia do Pai, se faz também misericordioso. Anuncia aos pecadores que eles não estão excluídos do amor do Pai, mas que ele os ama com infinita ternura. O Evangelho só aparece como Boa-Nova se compreendermos esta novidade introduzida por Jesus. Ele, em sua presença misericordiosa, revela um Deus desprovido de dogmatismos, de controle e de poder. O Deus de Jesus não é um juiz com um catálogo de leis que tem necessidade de mandar, controlar, verificar. O seu Deus é o Deus da misericórdia, da bondade sem limites e da paciência para com todos.

Jesus propõe um modo de ser humano inseparável da misericórdia do Pai: “Sede misericordiosos como o Pai é misericordioso” (Lc. 6,36). Ser misericordioso “como” Deus constitui o mais elevado convite e a mensagem mais profunda que o ser humano recebe sobre como tratar a si mesmo e as outras pessoas. Deus, em sua misericórdia reconstrutora, libera em nós as melhores possibilidades, riquezas escondidas, capacidades, intuições… e nos faz descobrir em nós, nossa verdade mais verdadeira de pessoas amadas, únicas, sagradas, responsáveis… É ele que “cava” no nosso coração o espaço amplo e profundo para nos comunicar a sua própria misericórdia. A força criativa do seu amor misericordioso põe em movimento os grandes dinamismos de nossa vida. Debaixo do modo paralisado e petrificado de viver, existe uma possibilidade de vida nova nunca ativada.

A experiência de misericórdia gera em nós uma atitude correspondente de misericórdia. O Deus misericordioso cria em nós um coração novo, feito de acordo com o seu, capaz de misericórdia (“bem-aventurados os misericordiosos porque alcançarão misericórdia”; Mt 5,7). É exatamente este o maior sinal da sua Misericórdia: ama-nos a ponto de enviar-nos ao mundo como instrumentos de sua reconciliação, pondo em nosso coração um amor que vai além da justiça.

A misericórdia é não só o atributo primeiro de Deus, mas também a mais humana das virtudes. É aquela que melhor revela a natureza do Deus Pai e Mãe de infinita bondade. É a que revela igualmente o lado mais luminoso da natureza humana. Por isso é a que mais humaniza as relações entre as pessoas.

A misericórdia presente em nós é modelada e alimentada pela Misericórdia divina, que se visibiliza no perdão, na compaixão, no consolo, na ternura, no cuidado… Nossa atitude misericordiosa nos configura à imagem do Deus misericordioso. É onde somos mais semelhantes a ele. A misericórdia como estilo-de-vida cristã nos descentra de nós mesmos e nos faz descer em direção a outra pessoa, numa atitude de pura gratuidade. A vivência da misericórdia nos torna realmente livres, e isso nos proporciona profunda alegria interior.

Uma misericórdia superabundante, generosa, é gesto gratuito e positivo de encontro, de acolhida, de cordialidade, que se torna hábito de vida: ser “presença misericordiosa”. A espiritualidade da misericórdia contém em si a gratuidade do relacionamento, a dimensão desinteressada da doação. É a partir da misericórdia que a pessoa é capaz de amar os inimigos, de fazer o bem a quem a odeia, de bendizer quem a amaldiçoa, de oferecer a outra face, de emprestar sem esperar recompensa, de perdoar sem limites…

A misericórdia é humilde e não humilha, porque é discreta e silenciosa. Ser presença misericordiosa não significa pôr o outro de joelhos para que reconheça seus erros. Ela nasce de um coração “educado” pela Misericórdia divina e se manifesta externamente com uma atitude mansa e condescendente. Essa Misericórdia é uma força poderosa. Não se rende diante do mal, porque é sempre capaz de redescobrir o bem ou de salvar a intenção de quem está próximo, de abrir-lhe novamente a esperança…

Entrar no movimento da misericórdia humaniza e cristifica essencialmente a pessoa, porque a misericórdia constitui “a estrutura fundamental do humano e do cristão”. Fundamentalmente, a misericórdia significa assumir como própria a miséria de outrem, inicialmente como sentimento que comove, mas que, logo em seguida, leva à ação. Ela brota das “entranhas” e se dirige instintivamente às pessoas necessitadas na forma de proximidade, acolhida e compaixão.

Misericórdia é exatamente “ter coração” para o outro, dando preferência a quem é pequeno/a e pobre. A misericórdia é a caridade que “toma mãos e pés”, ou seja, o amor que se expressa em uma ação decidida e generosa, capaz de transformar e libertar. Em hebraico, uma das palavras para “misericórdia” – “rahamim”, significa ter entranhas como uma mãe. É comover-se diante da situação de fragilidade do outro; é sentir-se intimamente afetado e, por isso, com a disposição de ser magnânimo, clemente e benevolente para com ele. A misericórdia recebida e experimentada é a base da atitude compassiva, não como ato ocasional, mas como estilo de vida evangélico. Torna-se o fundamento e a perene inspiração de uma existência de partilha e de solidariedade.

Ser presença misericordiosa é um “modo de proceder”, um “estilo de vida” que não está ligado a uma transgressão. É muito mais um estilo de bondade, compreensão, magnanimidade, estilo de quem não se fixa no que a outra pessoa merece nem se escandaliza com sua miséria. “Devemos ser presença misericordiosa como pecadores, e não como justos”.

A misericórdia é fundamentalmente uma mensagem de estima e confiança em outra pessoa, crer na sua amabilidade. Por isso, a presença misericordiosa é força que provoca nela a redescoberta de sua própria identidade (uma pessoa amada e acolhida pelo Deus misericordioso) e, ao mesmo tempo, desata nela as ricas possibilidades de vida que estavam latentes.

Quem é misericordioso está convencido de que o irmão e a irmã são melhores que aquilo que aparentam ser. A misericórdia é expansiva, ela abre um novo futuro e ativa os melhores recursos no interior de cada pessoa. Ela não se limita ao erro, mas impulsiona a ir além de si mesmo.

Onde não há misericórdia, não há sequer esperança para o ser humano.

Fonte: Publicado por Centro Loyola, disponível em https://centroloyola.org.br/revista/outras-palavras/espiritualidade/1590-misericordia-deus-ama-a-fundo-perdido.

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