Leia a reflexão sobre Lucas 1,26-38, texto de Ildo Bohn Gass.
Boa leitura!
Encontramos a narrativa do anúncio de Gabriel a Maria somente no Evangelho da Infância de Jesus segundo Lucas (Lucas 1–2). Ao comunicar os nascimentos de João, o profeta que prepara o caminho do Reino, e de Jesus, como o messias, o mensageiro Gabriel anuncia o início de uma nova história como resposta de Deus à súplica dos pobres.
A esperança vem de onde menos se espera
O evangelho proposto para o IV domingo do Advento deste ano é o anúncio de que o messias vai chegar e que algo novo irrompe na história (Lucas 1,26-38). A novidade que surge não vem através de pessoas importantes, mas por uma criança nascida de Maria. Pode-se esperar algo de uma jovem mulher com sua frágil criança?
Também de pessoas idosas não se espera mais filhos. É o que expressa Zacarias, quando Gabriel lhe anuncia que seria pai do profeta João: “Estou velho e minha esposa já tem uma idade avançada”. Além do mais, Isabel “era estéril” (Lucas 1,7.18). Da mesma forma, também de Maria não se esperava que fosse gerar um filho, pois ainda não havia tido relações com José, seu noivo (Lucas 1,34). A teologia a respeito da concepção de Jesus quer mostrar, de um lado, a ação salvadora de Deus na história das pessoas de quem não se espera mais nada. De outro, quer revelar que Jesus vem realizar a esperança profética da filiação divina do ungido de Deus.
O fato de o anjo Gabriel se dirigir a uma mulher, algo incomum numa religião controlada por um clero exclusivamente masculino, é mais um sinal da novidade da ação de Deus que se encarnou em nossa história a partir de quem era excluída.
A novidade não vem dos grandes centros, mas o anúncio de sua chegada é feita a uma jovem em Nazaré, uma aldeia da periferia pouco importante para quem controla o templo de Jerusalém. “Quando Filipe encontra Natanael e lhe diz: ‘Encontramos aquele de quem escreveram Moisés, na Lei, e os profetas: Jesus, o filho de José, de Nazaré’, Natanael lhe pergunta: ‘De Nazaré pode sair algo de bom?’ Filipe então lhe diz: ‘Vem e vê’”. (João 1,45-46) Mais adiante, alguns cidadãos honrados em Jerusalém perguntam: “O Cristo pode vir da Galileia?” (João 7,41).
Ou ainda, ao discutirem com Nicodemos, um dos discípulos de Jesus, vemos os chefes dos sacerdotes e os fariseus convencidos de que “da Galileia não surge profeta” (João 7,52). Assim também será com o lugar do nascimento do menino, na periferia de Jerusalém. Conforme a esperança do profeta Miqueias, vai ser em Belém, uma aldeia insignificante, a menor entre todas (Miqueias 5,1).
Segundo o profeta Natã (2 Samuel 7,8-16), esperava-se que o messias fosse da descendência de Davi. Podemos perceber isso no v. 27 (“José, da casa de Davi.”) e no v. 32 (“O Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai.”). Esperava-se também que seu reinado jamais terminasse. É o que se pode ler no v. 33 (“Ele reinará para sempre e seu reino não terá fim.”). Essa também era a esperança em relação à dinastia de Davi. Seu reino não teria fim (cf. 2 Samuel 7,13.16).
Além disso, tinha-se a expectativa de que fosse de filiação divina, como se pode ler nos vv. 32 e 35 (“Será chamado Filho do Altíssimo” e “Será chamado santo, Filho de Deus”). Em Israel, acreditava-se que os reis eram filhos de Deus: “Eu serei para ele um Pai, e ele será para mim um filho” (2 Samuel 7,14). No entanto, é numa criança em Nazaré, longe da dinastia davídica da Judeia, que se revela a Maria essa realidade da filiação divina, da comunhão entre o céu e a terra, do divino que se faz humano para tornar o humano divino. E seu reinado não tem nada parecido com a glória e o poder dos palácios de Davi. Ao contrário, é um reinado de serviço à justiça do Reino, à vida dos mais pobres.
Convém notar que o messias não veio como um forte guerreiro, como autoridade sacerdotal ou como um grande legislador, tal como alguns grupos de judeus esperavam. Ao contrário, da mesma forma como sua mãe que é parte do povo pobre, sua vida revelou que o Reino de Deus está presente especialmente lá onde todas as pessoas podem circular, isto é, nos caminhos dos campos, nas casas, nas ruas da periferia. Estes são os espaços sagrados preferidos na prática de Jesus e não o templo legalista de Jerusalém, cujas autoridades, decidiriam mais tarde a sua morte. Aliás, segundo a comunidade de Mateus, sumos sacerdotes, escribas e Herodes ficaram alarmados com a notícia do surgimento de uma estrela, o rei dos judeus. E já queriam eliminá-lo quando ainda era um menino (cf. Mateus 2,1-13).
A esperança quer se encarnar em nossas vidas
Para que esse agir libertador de Deus na história se torne realidade, algumas condições são necessárias, como contrapartida humana.
Em primeiro lugar, Maria, que representa todas as pessoas excluídas que esperam por um novo tempo, uma vez que é mulher, virgem, de uma aldeia periférica e pobre, não pode ter medo. O medo paralisa qualquer iniciativa emancipatória. “Não tenhas medo!”, disse o mensageiro Gabriel a Maria (Lucas 1,30). Quais são os medos que precisamos vencer para colocar-nos, como Maria, a serviço da Palavra?
Uma segunda condição é ter forte experiência com o Deus do Êxodo, presença salvadora no meio de seu povo. Da mesma forma como no passado a nuvem de Deus projetara sombra sobre a tenda de Javé e acompanhara a caminhada pelo deserto em direção à terra da liberdade (Êxodo 40,34-38), assim “o poder do Altíssimo te cobrirá com sua sombra” (Lucas 1,35), tornando possível a encarnação libertadora de Deus na história. Também a saudação de Gabriel em Lucas 1,28 (“O Senhor está contigo”) é igual ao que Deus diz a Moisés no Êxodo (Êxodo 3,12) e aos profetas (Jeremias 1,8.19). O que impede deixar-nos envolver pela nuvem de Deus para que nos transfigure, revelando em nosso ser, como Maria, a presença do Deus Emanuel?
Uma terceira pressuposição é que haja da parte humana uma atitude de fé, isto é, acreditar que é possível a ação divina em nós. É o que Isabel dirá logo adiante a Maria: “Feliz aquela que acreditou” (Lucas 1,45). Nós acreditamos, Senhor. Mas, como Maria, queremos avançar mais em nossa fé. Por isso, ajuda-nos na nossa incredulidade (Marcos 9,24).
Por fim, uma quarta condição é nossa postura de serviço: “Eis aqui a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lucas 1,38). E, imediatamente, Maria se pôs a serviço de Isabel, a idosa que gestava o precursor da missão profética de seu filho Jesus (Lucas 1,39-45).
Ó Deus, que te revelas a uma jovem palestina da periferia, bem como na fragilidade e na ternura de sua criança, queremos abrir a porta de nosso coração à tua graça e deixar-nos transformar na intimidade do teu amor. Amém!