Leia a reflexão sobre Mateus 20,1-16, texto de Marcelo Barros.
Boa leitura!
Queridos irmãos e irmãs.
Certamente, essa parábola serviu para clarear a posição que vocês e Jesus tomaram com relação aos não judeus. Na Bíblia, “a vinha” é uma imagem clássica do povo de Deus e da obra que Deus faz conosco (cf. Isaías 5,1-7 e Salmo 80,9-17).
Nessa história, os “operários que trabalharam o dia inteiro na lavoura” significam o povo judeu. Os trabalhadores da última hora são os não judeus, os povos (goyim) da gentilidade. Para nós, que vivemos num país no qual ainda é normal o trabalho diário dos assalariados volantes (boias-frias), parece familiar o fato de Jesus e vocês descreverem a realidade social da Judeia como sendo de desemprego e de trabalhos por contrato diário.
Conhecemos ainda hoje essa realidade de pessoas sem emprego, aceitando qualquer oferta que lhe façam. Diferente é esse patrão que age completamente fora das leis sociais vigentes em qualquer sociedade. A maioria dos comentadores chama essa história de “parábola dos trabalhadores da vinha”. No entanto, um título mais adequado seria “Parábola do patrão original ou diferente”.
A parábola é sobre o comportamento dele. Todo o problema para os primeiros contratados é que ele, além de começar a pagar pelos últimos, iguala-os aos primeiros que suportaram o peso e o calor do dia. A parábola é sobre “os direitos” iguais que todas as pessoas têm diante do convite de Deus e da recompensa que ele promete.
O que os judeus retratados na parábola não aceitam é que “ele os equiparou a nós”. No tempo de Mateus, o Talmud já dizia: “um pagão que retorna ao Senhor é maior do que o sumo-sacerdote do santuário” (*).
O judaísmo oficial aceitava com tranquilidade que os pagãos podem ser salvos, e que Deus oferece os bens da Aliança a todas as pessoas e povos. Isso, os rabinos aceitavam sem problemas. Mas, não podiam compreender a igualdade de condições entre Israel e os gentios. Paulo e até mesmo Jesus diziam claramente: “primeiramente os judeus e depois os outros” (Marcos 7,27; Romanos 1,16; 2,9).
Aqui, no entanto, Jesus dá um passo adiante e diz que Deus começa pelos últimos e dá a estes o mesmo que dá aos primeiros. Os rabinos diziam que, “quando Deus promulgou a Torá, ofereceu-a a todas as nações (goyim) e somente Israel a aceitou. Por isso, cada israelita tem tanta importância para Deus quanto têm todos os outros povos do mundo. Todos os dias, o judeu piedoso deve agradecer a Deus por não ter nascido ‘goyim’. Só Israel foi capaz de observar a lei”.
Na própria tradição bíblica, os profetas já insistiam na universalidade do amor de Deus e na igualdade de todos perante o Senhor. Em nome de Deus, o profeta Amós chega a dizer: “Por acaso, não sois vós para mim, filhos de Israel, iguais aos filhos dos etíopes? Acaso, não fiz subir Israel da terra do Egito, do mesmo modo como fiz os filisteus virem de Caftor e os sírios de Quir?” (Amós 9,7). De fato, “Deus não faz acepção de pessoas e não aceita suborno” (Deuteronômio 10,17).
Hoje, numa sociedade marcada pela desigualdade social, essa parábola não deixa de lembrar-nos que Deus propõe igualdade. O fato é que, mesmo no plano social, se não se aceita partir dos últimos e dar a eles tanto quanto aos que são considerados “primeiros”, nunca haverá justiça. Pergunta à comunidade de Mateus: Será que vocês se inspiraram numa parábola do Talmud e a puseram na boca de Jesus, o rabino da comunidade cristã?
(*) Eis a parábola do Talmud (são as tradições e os comentários, complementares às Escrituras judaicas, escritos nos anos entre 200 a.E.C. e 500 E.C.):
“Um rei contratou muitos operários. Um deles teve dificuldade de suportar o trabalho. O rei o levou para passear com ele. Quando chegou a tarde, os operários vieram receber o salário e o rei pagou ao operário que tinha passeado tanto quanto aos outros. Estes se queixaram dizendo: “Trabalhamos o dia inteiro enquanto este só trabalhou duas horas e lhe dás um salário completo como a nós”. O rei respondeu: “Este se cansou em duas horas mais do que vocês durante todo o dia” (Jr. Berkhot II, 8, 5c 83).
De qualquer modo, Jesus não favorece qualquer interpretação no sentido dos rabinos de que o motivo do senhor igualar os salários é o fato de que os últimos se cansaram em menos tempo tanto quanto os primeiros. Jesus insiste que Deus faz isso de graça e não pelo mérito dos operários.