Leia a reflexão sobre Lucas 3,1-6, texto de Maria Nivaneide de Abreu Lima
Boa leitura!
Chegamos ao 2º Domingo do Advento. E, na liturgia de hoje, destaca-se uma importante personagem. Uma personagem com a qual todos e todas que leram os primeiros capítulos do Evangelho segundo Lucas já estão familiarizados: João, que doravante receberá a alcunha de Batista (Lc 7,20.33; 9,7.19). A respeito de João, o evangelista já nos dera a conhecer sobre seus pais, Zacarias e Isabel, e sobre as circunstâncias de seu nascimento.
Zacarias e Isabel, conforme Lc 1,6, “eram justos diante de Deus, e, de modo irrepreensível, seguiam todos os estatutos e mandamentos do Senhor”. Eram, portanto, dois judeus piedosos e praticantes da Lei. Sobre eles, é-nos dito ainda que eram de idade avançada e que Isabel era estéril (Lc 1,7), de modo que o nascimento de João se dá por intervenção divina, tais como os nascimentos de Isaac e Samuel, importantes figuras da história de seu povo.
O autor de Lucas, ao que parece, é afeito a datas, gosta de situar os acontecimentos na história: o anúncio do nascimento de João, por exemplo, começa com uma anotação temporal: “no tempo de Herodes, rei da Judeia” (Lc 1,5). O texto de Lc 3,1-6 inaugura uma nova seção e um novo tempo na narrativa evangélica. Mais uma vez, antes da solene apresentação de uma personagem, estamos diante de uma anotação temporal, desta vez mais detalhada, com menção a seis outras personalidades, quatro autoridades civis, Tibério César, Pôncio Pilatos, Herodes e Filipe, representantes do Império Romano; e duas autoridades religiosas, Anás e Caifás, representantes do judaísmo palestinense.
“No décimo quinto ano do império de Tibério César (…),
a palavra de Deus foi dirigida a João, o filho de Zacarias, no deserto” (Lc 3,1-2).
João é apresentado com a solene fórmula empregada na apresentação dos profetas do Antigo Testamento, como Jeremias, Isaías, Ezequiel, Oséias, Miquéias… O cenário onde lhe é conferida a missão profética não é estranho à tradição de seu povo. A palavra de Deus lhe é dirigida no deserto, lugar que evoca a memória do êxodo, do longo caminho que o povo fizera até a terra da promessa, da experiência com o Deus que pouco a pouco se dava a conhecer à medida que o povo caminhava.
Também João é um caminhante. É-nos apresentado como um pregador que percorre toda a região do Jordão, “pregando um batismo de conversão para o perdão dos pecados” (Lc 3,3). O batismo pregado por João está associado ao arrependimennto, à mudança de mentalidade e de proceder, à conversão. A ablução ritual (mergulho, batismo) é um poderoso sinal dessa conversão, dessa mudança de rota no caminho.
A partir do v. 4, o evangelista cita explicitamente uma passagem do livro das palavras do profeta Isaías, o que nos leva a crer que a atuação de João é um verdadeiro cumprimento do oráculo do profeta. Em outras palavras, a citação explícita do texto de Isaías confere aos acontecimentos narrados pelo evangelista um caráter de história da salvação. Salvação esta que comporta, em si, uma abertura universal: “E todas as pessoas verão a salvação de Deus” (Lc 3,6).
Neste 2º Domingo do Advento, somos interpelados e interpeladas, sobretudo, a meditar e a acolher cada imagem presente no texto de Isaías retomado por Lucas: a imagem da voz que clama no deserto, da vereda endireitada, do vale aterrado, da montanha e da colina rebaixada, das passagens tortuosas tornadas retas e dos caminhos acidentados, aplainados… Todas essas imagens, assim como João, o pregador caminhante que percorria todo o Vale do Jordão, e o conteúdo da mensagem que anunciava – um batismo de conversão –, evocam movimento, mudança.
Em tempos como os que vivemos, traumaticamente atravessados por movimentos de efeitos deletérios, é mister acolhermos dentro de nós o movimento que pulsa no Evangelho de hoje: um movimento de conversão, que se faz a partir de uma experiência profunda do humano mergulhado no profundo de Deus.