Reflexão do Evangelho

O Profeta de Nazaré – Mulheres e homens seguiam seu caminho

Por Padre Soares*

“Jesus lhes dizia: Um profeta só não é estimado em sua pátria,

entre seus parentes e familiares” (Marcos 6,4).

Os profetas e as profetizas marcaram profundamente a vida de Israel e podem ser apontados como luzeiros e faróis em meio as tempestades. Citaremos e comentaremos rapidamente a profetiza Débora, cuja história encontra-se no livro dos Juízes. Um momento de transição e muita luta em meio aos ataques oriundos de vários povos e lados: quem defenderá este povo? Quem será a referência? Confessamos que é complexo entender este momento confuso da vida de Israel, porque nossa catequese bíblica sempre trabalhou – isto quando nos falaram de bíblia – o lado guerreiro e vitorioso de Israel.

– A mulher e sua sensibilidade afloram em tempos de dispersão. Débora percebe a desgraça que estava por vir e como os chefes de Israel estavam perdidos e sem iniciativa que controlasse a ansiedade e a provável desgraça coletiva, ela em Juízes 4 – 5 assume a luta e mostra que existe a fraqueza masculina, os homens não são os donos da profecia e que Deus fala e age através das mulheres com sua beleza, sabedoria, tenacidade e/ou coragem profética. Para Deus a conversa com o povo não leva em conta a divisão por sexo, raça e classe social. O Deus de Abraão, Isaac e Jacó (nome que equivale na bíblia ao chamado coletivo de Israel), também é com muita dignidade cultuado por Sara, Rebeca, Ana, Izabel, Madalena e Marta.

– A benção também está presente na vida de tantas mulheres que deixaram-se conduzir por Iahweh. Podemos citar Miriam – irmã de Moises – em Números 12,1-16 recebendo um castigo que nos deixa perplexos: será que no texto não existe uma carga de forte exclusão humana? E também Miriam com Aarão em Êxodo 15, 20-21. Vemos Hulda e a famosa Ana em 1Sm 1, 9-28 (destaque para v. 14). Essas e outras situações na história do povo da primeira aliança, apontam caminhos de superação e de benção através das mulheres na Bíblia. Caminhos de questionamento com palavras fortes e que modificaram o desenrolar da história bíblica. No contexto de nossas igrejas, essas mulheres aparecem e/ou são lidas – quando o fazem – ao lado de grandes figuras masculinas. Quando saem do “esconderijo” e se consegue fazer uma leitura que descarte preconceito, elas tornam-se relevantes na história entre o Primeiro e o Segundo testamento e vão abrindo o caminho para a chegada do Messias. Queremos destacar nesta segunda parte que as mulheres foram importantes para abrir os evangelhos e as cartas paulinas, criando de modo visível ou invisível o fortalecimento da profecia nas comunidades.

– Merecem visibilidade duas mulheres do segundo testamento que abrem a relação do Messias com a profecia. Estamos falando de Izabel e sua prima Maria. A condição de ambas é de limiar, passagem e ao mesmo tempo de interação entre o que já se via como antigo e a possibilidade de uma real novidade. As duas unidas elevam sim a condição da profecia pois quando Maria visitou Izabel “a criança pulou de alegria no meu ventre”, disse a esposa de Zacarias (Lucas 1, 41.44); fala decisiva que colocou o Batista no caminho de Jesus e Jesus no caminho do profeta João. A própria narrativa da comunidade joanina no quarto evangelho supõe exatamente a força do encontro dos dois profetas que marcariam a vida de Israel e da própria Igreja. O texto belíssimo que denota seguimento e anúncio, arrasta um novo discipulado profético: João 1, 35-42. E, cabe frisar que o início foi no ventre de Izabel – a nossa Ana do Segundo Testamento – e de Maria, a nova Eva, a “mulher do Sim”.

– No seguimento do profeta, Jesus podemos relacionar alguns trechos que expressam de modo contundente a preocupação do Messias pelo anúncio da palavra e com a profecia na vida do povo. Anúncio de um reino que o Pai deseja estabelecer e, a convocação de todos e todas para este reino a começar dos mais pobres: Marcos 1, 14-15. No “rastro” de Elias, Jeremias ou outro profeta da antiga aliança, Jesus consolidou logo no início de seu ministério a vocação profética que possuía. Nesta direção vale a pena destacar alguns trechos:

  1. a) A mulher cananéia. Marcos faz questão de mostrar Jesus no meio dos pagãos. Uma mulher e ainda mais, não pertencia ao povo de Israel. O texto está no 7, 24-30. Um profeta de Israel não deve dar importância a uma pagã. Pois bem, com persistência e ousadia ela quebra preconceitos e normas, confronta Jesus e arranca dele um profundo elogio: 7, 28-29. A cananéia sem nome, chama-o de “Kirios” – Senhor (v. 28) e revela que a missão do profeta transcende os muros da sua pátria.
  2. b) A samaritana. O diálogo entre um judeu e uma samaritana já demonstra a gravidade e à profundidade do fato, pois “os judeus não se dão com os samaritanos”: 4, 9. Motivados pela sede, fome, sol quente e uma forte emoção pela beleza de ambos – esse traço é meu, pois a mulher devia ser linda e Jesus um jovem bonito – as regras que impediam a proximidade começam a cair. Jesus entabula um sério diálogo e encanta-a pelo estilo da palavra que sai de sua boca. Tudo passa a ficar no segundo plano diante da iminente provocação da profecia de Jesus. Ele tinha religião e templo, ela também tinha. Ele tinha palavra de libertação e acolhida e ela desejosa de ouvir e mudar de rumo. Desafiados e prontos a graça acontece. Mais uma mulher no caminho de Jesus e mais uma discípula pronta no caminho do profeta da Galiléia: v. 10-15; 28-30; 39-42.
  3. c) Um texto que apaixona: Marta e Maria em Lucas 10, 41-42. A casa das amigas de Betânia era parada obrigatória na missão do profeta Jesus. Devemos raciocinar com a mentalidade da época e compreender a bronca de Marta: “Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha com todo o serviço? Manda, pois, que ela venha me ajudar!” (Lc 10,40). Pois é, um profeta famoso chegou em sua casa e os discípulos também e não poderia – segundo os costumes da época – uma mulher sozinha papeando na sala em meio a tantos homens. Ó Maria, o que é isso? Marta estava sozinha e age de modo duro porque deseja oferecer o melhor. Marta, vejam que beleza, cujo nome deriva de “Patroa” – interessante – é muito empreendedora e jamais deixaria de questionar tanto o amigo profeta como a irmã. Jesus responde de modo surpreendente e nos leva a reverter a lógica que possuímos de condenar, asfixiar, deslegitimar e mesmo, anular a visão e a tarefa dos outros. Jesus dá uma resposta que penetra no coração de Marta sem feri-la e alegra Maria, a discípula que só o escuta. Eis a resposta: “Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada com muitas coisas. No entanto, uma só é necessária.” Lucas 10, 41-42.

– Guardemos está expressão para a terceira parte do artigo: discípula. Seguir, ouvir e escolher o caminho desse profeta de Nazaré, exige muito mais que nossas preocupações apontam. Leiam o texto por inteiro e verão a riqueza do mesmo para a mística da profecia.

  1. d) Febe e Priscila. Por último, queremos apenas comentar brevemente um texto paulino sobre as mulheres em sua missão. Aprofundar o papel das diaconisas nas comunidades paulinas e perceber como foram fundamentais no anúncio da palavra (ler Romanos 16,1-7). Mas, por que ler Paulo nesta linha da profecia? Por que uma carta paulina? Porque profecia combina com vida de comunidade. Profecia combina com os ensinamentos abrangentes de Paulo, que tratou de eclesiologia (igreja), cristologia (Cristo), missão, eucaristia, fé e pneumatologia (Espírito Santo). Foi ele que tocou no coração dos antigos profetas e profetizas. Foi com o Espírito de Iahweh que gritaram para derrubar, arruinar, plantar e destruir (Jeremias 1, 5.10).

– Enfim, quanto mais o cristão exerce a sua vocação profética fora dos muros e da segurança dos templos, mais sentirá a dureza e a perseguição em sua vida.

Boa leitura e reflexão na sua comunidade.

 

*Assessor das CEBs e do CEBI-SE

 

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