Leia a reflexão sobre Marcos 7,24-30, texto do Odja Barros
Boa leitura!
A situação retratada no texto de Mc 7,24-30 parece ser uma situação de conflito da comunidade de Marcos, provocada por atitudes discriminatórias de judeus para com estrangeiros e para com mulheres. O relato fala do encontro de Jesus e uma mulher estrangeira.
No pensamento israelita, os estrangeiros significam algo detestável. Apesar de todas as tradições ancestrais que mostravam a necessidade de oferecer proteção aos estrangeiros, os judeus nunca deixaram de considerá-los impuros e de considerá-los uma ameaça por serem desconhecedores da lei, perturbadores da tranquilidade de Israel. Reprovavam seus costumes, tradições e ritos. Em Marcos 7,24-30, Jesus rompe a fronteira e adentra no território de Tiro. A situação era muito tensa, pois Jesus se encontra em terra estrangeira e o seu primeiro encontro em terra Siro-fenícia é com uma mulher, considerada duplamente impura para judeus por ser mulher e por ser estrangeira.
O texto põe em conflito duas atitudes discordantes: Uma que provêm do mundo judeu que olha para mulheres e estrangeiros com atitude suspeita e outra atitude de quem procedia do mundo greco-romano que tem visão mais aberta a influência das mulheres e mais favorável aos estrangeiros. Estas atitudes estão presentes na comunidade marcana.
É interessante que no primeiro versículo da passagem, Jesus, aparece como homem judeu, representante do discurso e da mentalidade judaica que chega na terra da mulher sírio-fenícia, terra de impuros para mentalidade judaica, querendo se ocultar, manter-se fora do alcance das pessoas, talvez para manter sua pureza ritual. Mas, ele não consegue permanecer oculto, logo se encontra frente com uma mulher estrangeira, duplamente condenada pela mentalidade que ele representa.
A primeira atitude de Jesus representa a atitude e a mentalidade excludente dos judeus que não se sensibiliza e não atende a necessidade de uma mãe e sua filha doente. O interesse de manter a pureza ritual impedia que ele se sensibilizasse e se solidarizasse com a mulher estrangeira. O texto coloca nas palavras de Jesus o mesmo discurso que seguramente brotava da boca do setor judeu da comunidade: “Deixe que primeiro os filhos comam até se fartar, pois não é correto tirar o pão dos filhos e lançá-los aos cachorrinhos” (v. 27). Para os judeus, estrangeiros/as não eram outra coisa que “cães”, são provocadores de grandes calamidades para os filhos de Israel.
Chama atenção a resposta da mulher Siro-fenícia. Ela podia responder com diversas argumentações ou ficar simplesmente em silencio em sinal de reprovação, contudo, ela utiliza os termos de Jesus para fazê-lo repensar sua posição excludente: “É verdade, Senhor, mas também os cachorrinhos comem, debaixo da mesa, as migalhas das crianças!” (v. 28). Pela boca da mulher siro-fenícia falam os representantes gentios marginalizados da comunidade cristã. A ação da mulher é um símbolo de esforço dos cristãos de origem gentílica por expulsar o “demônio da exclusão” da comunidade. Através do personagem da mulher estrangeira, os gentios reclamam aceitação na nova comunidade de fé. A atitude de Jesus ao escutar a mulher estrangeira representa, então, uma atitude nova de comunidade. Quando Jesus se deixa interpelar pela excluída Siro-fenícia e se abre para o diálogo com ela, se sensibiliza com sua realidade e reconhece que o “pão” é direito de todos os filhos e filhas para além de Israel. Paradoxalmente, a enfermidade da filha da mulher estrangeira considerada o mal e a impureza na mentalidade judaica, se tornam um fator que humaniza e rompe com os opostos, um símbolo de recuperação e cura comunitária.
Esse relato de Evangelho representava um convite à comunidade cristã a uma atitude nova de reciprocidade e receptividade para além do povo judeu. A luta por uma experiência social e religiosa de integração parece ser um dos objetivos desse texto. Da mesma forma, o Evangelho nos convida hoje a uma atitude nova de diálogo, abertura e fraternidade humana.