Querida gente, estamos convidados a nos aproximarmos do contexto descrito em Mt 24,36-44. Juntas, ouviremos essas comunidades e escutaremos o que querem comunicar para nós, mulheres e homens, viventes no ano de 2025.
Antes de tudo, é necessário observar que o texto proposto é um recorte do capítulo 24 do Evangelho de Mateus. Esse capítulo é comparável a um álbum de fotografia 3×4 que foram sendo ajeitadas em uma determinada ordem para reivindicar a memória do movimento social apocalíptico da época.
Esse movimento estava bem presente nas comunidades de Mateus, o que contribuiu para a construção da diversidade de pensamentos que, posteriormente, foram alocados literariamente na obra que conhecemos como Evangelho de Mateus.
O movimento social apocalíptico se concretiza no gênero literário denominado Apocalipse. Uma das características próprias e particulares desse movimento foi o modo como ele percebia o mundo, explicando-o através da Escatologia Apocalíptica.
Comumente interpretamos a escatologia como uma fala dos últimos dias ou dos últimos tempos. É preciso, antes de tudo, recobrar que “escatologia” é uma ideologia de resistência que guarda a memória da profunda opressão socioeconômica, política e cultural frente à dominação colonial do império romano, que se inicia em meados do séc. I a.E.C. Em especial, nas comunidades de Mateus, está presente a memória sensível dos dias extremamente difíceis dos anos 70 até mais ou menos o ano 135 d.E.C. O ano 70 é marcado pela destruição de Jerusalém; os grupos que resistiam à dominação romana foram completamente exterminados pelas legiões, e sobreviveram somente os que tiveram condições de fugir e se estabelecer em outros locais.
Um outro problema enfrentado pelas comunidades de Mateus se deu pela competição com o chamado “judaísmo formativo”. Assim como as comunidades de Mateus, esse grupo estava num processo de construção e de formação social, ou seja, estavam em uma ação contínua e prolongada. Os anos seguintes à destruição do templo e da primeira revolta judaica foram extremamente significativos tanto para as comunidades de Mateus quanto para o judaísmo formativo, pois foi durante esse período que esses dois grupos se organizaram e definiram ativamente suas vidas e suas crenças. A redação do evangelho de Mateus pressupõe esse contexto de competição entre a comunidade e o grupo dos judeus formativos, e o evangelho dá a entender que o judaísmo formativo estava ganhando espaço dentro da comunidade.
As comunidades de Mateus viviam sob um dilema que se constituía no tempo e no espaço: No espaço, porque sofriam as pressões internas e externas (do império e do judaísmo formativo). No tempo, porque o impasse constante da comunidade era: como sobreviver no presente e como transcender no futuro (como resistir ao poder do império e como manter-se longe da sedução dos poderes?)
Lendo o capítulo 24, deparamos com os mais diversos contextos temporais de décadas diferentes que foram organizados pelos redatores ao longo do tempo de consolidação do texto. É importante observarmos os principais assuntos e como foram ordenados em camadas que identificamos a seguir .
Primeira camada (Mt 24,1-2): Queda do Templo.
Segunda camada (Mt 24,3-13): Discurso das dores e do desentendimento, desdobrados no discurso contra os “falsos profetas” e na advertência do desfecho do “fim do mundo”. Há, ainda, a permanência da perseguição e a advertência à comunidade em não se deixar contaminar com a brutalidade vivida naquele momento. Para tanto é necessário permanecer vigilante no comportamento ético e no respeito mútuo, pois é nessa permanente vigília que a “salvação” realizar-se-á.
Terceira camada (Mt 24,15): Fragmento posterior (enxerto), que tem como objetivo introduzir o primeiro discurso escatológico inspirado na apocalíptica de Daniel.
Quarta camada (Mt 24,16-35): Primeiro discurso escatológico, seguido pelas temáticas dos falsos profetas, do segundo discurso escatológico e da parábola da figueira.
Quinta camada (Mt 24, 36-44): Texto que tem a função de dar uma pausa na narrativa para abordar o assunto da Vigília. A narrativa tem como objetivo advertir a comunidade para a VIGILÂNCIA. O ponto central gira em torno da espera escatológica, refutando qualquer expectativa de que o “fim do ‘mundo” virá num momento muito próximo.
É interessante observar nessa perícope (v36-44) que o redator dá um tom à sentença como continuação do primeiro testamento quando compara a vinda do filho do homem ao contexto de Noé (surpreendendo a humanidade). É bom notarmos, também, que o autor se inspira na antiga tradição literária para redigir a sentença que compara um proprietário de uma casa que, se soubesse em qual vigília o ladrão viria, vigiaria e não permitiria que ela fosse saqueada.
Gente querida, o contexto das comunidades de Mateus nos convoca a uma reflexão urgente sobre o verdadeiro sentido da escatologia hoje. Estamos cercados por um discurso religioso que adia todas as exigências do seguimento a Jesus de Nazaré para o futuro, sob o pretexto de que “Deus” é o senhor absoluto da história. Contudo, tal discurso disfarça uma perigosa alienação do passado e do presente, normalizando uma completa falta de compromisso.
É crucial desmantelar o “mito da salvação” propagado pelo capitalismo _ sacrifício de vidas no presente – e pela crença subserviente ao “mercado” e sua mão invisível que tudo ordena, que tudo controla. O que testemunhamos, dia após dia, é uma pilhagem econômica que sacrifica o presente e anula o futuro. A natureza, por sua vez, grita sob o peso de uma devastação implacável, justificada pela ideia mentirosa do desenvolvimento. Para atingir seus fins, este capitalismo predatório e desenvolvimentista utiliza a guerra, instrumento expansionista e saqueador, vendendo-a como um caminho para a paz, enquanto seu real e único objetivo é a apropriação dos recursos das nações, bem como o extermínio daqueles e daquelas que ousam resistir à sua cobiça. É assim que avançam sobre o do povo Palestino, acirrando o projeto de extermínio.
Cabe a nós, homens e mulheres, manter uma vigilância profética, denunciando as narrativas que distorcem o sagrado para legitimar o genocídio, a violência, a cultura do ódio e todas as forças que atentam contra a vida dos pobres, dos indefesos e das minorias.
Inspirados pelas comunidades de Mateus, somos desafiados e desafiadas a continuar testemunhando que o futuro é moldado pelas nossas ações no presente, pois essa é a esperança escatológica profética assumida por Jesus de Nazaré, que guia nosso cotidiano e nos permite declarar que Deus é, verdadeiramente, o Senhor da História. Da história tecida por pessoas, grupos e comunidades que, no limiar dos acontecimentos, são desafiadas a discernir os arranjos que destroem a vida no presente.
São comunidades de mulheres, de homens e de crianças seguidoras que têm a coragem de permanecer com os olhos fixados no hoje, compreendendo que o dia seguinte é fruto da “fidelidade” constante de se colocar no presente incondicionalmente na defesa das diferentes expressões da vida.
Barroco de Oliveira –CEBI/RJ com a colaboração da Coordenação do Grupo de Estudo Bíblico: Arqueologia Bíblica. (Wellington Marques e Ellen Centini)


