Jesus faz uma viagem, numa região pagã: siro-fenícia, passando por Tiro e Sidônia, norte de Israel.
No primeiro episódio, uma mulher da região siro-fenícia (que em Mateus 15,22 chama de cananeia), pede que Jesus cure a sua filha, ao que ele responde: “Deixa que os filhos se saciem primeiro; pois não fica bem tirar o pão dos filhos para jogá-lo aos cachorrinhos”. A resposta está bem de acordo com o preconceito dos judeus. É uma expressão de Jesus, que aqui pensa como judeu apenas. Mas vamos entender o que representa esta fala de Jesus ao responder à mulher. O judeu, ao rezar pela manhã, agradece a Deus por não ter nascido mulher (pois a mulher não tinha a obrigação de fazer as orações diárias). Por não ter nascido “pagão” (pois o pagão não tem a fé no Deus de Israel). Por não ter nascido animal (pois o animal é irracional). A siro-fenícia é mulher, é pagã, e por isso é comparada a um animal, um cachorrinho. Diante desta situação ela não é prioridade.
O pão dos filhos (7,27): Os judeus eram os filhos da promessa. Os pagãos estavam fora da salvação do Messias. Os pagãos eram chamados de cachorros pelos judeus.
Mas os cachorrinhos comem das migalhas (7,28): a mulher não entrega os pontos, ela entende que a missão de Jesus tem que corresponder ao significado do seu nome – Jesus em hebraico Yeshuah = Deus salva. Por isso ela se mostra confiante de poder participar do pão da mesa, ela vai até mais profundamente, e a sua resposta faz com que Jesus se sinta questionado, e ver que a sua missão está além de sua pertença ao povo israelita e da religião.
Por causa do que acabas de dizer, podes voltar para casa. O demônio já saiu de tua filha” (7,29): Jesus então reconhece a sua fé. Como pano de fundo do nosso texto, são, pois perceptíveis situações concretas internas das comunidades cristãs primitivas. É conhecido o quanto se procurava obstaculizar, nos primeiros tempos, o ingresso dos pagãos na Igreja (At 10,1-11,18).
No segundo episódio (7,31-37). O tema dominante é ainda o do chamamento dos pagãos à salvação. O surdo-mudo, curado e reintegrado em suas faculdades – como a mãe pagã que conseguiu o milagre, com a sua firme fé – se torna o representante destas primícias de salvação no mundo dos excluídos. O relato do milagre lembra as práticas terapêuticas populares do tempo, no ambiente judaico e grego. Os gestos simbólicos e a atitude de Jesus substituem, no caso presente, o diálogo com o doente, já que o diálogo visa a suscitar o relacionamento pessoal com Jesus e a adesão de fé.
Ao concluir seu relato, Marcos retoma e amplia o tema do segredo, quando Jesus aparta o surdo-mudo da comunidade. E a cena, proclama o gesto salvífico com um refrão que lembra um texto de Isaías 33,5-6: “Então se abrirão os olhos dos cegos, os ouvidos dos surdos se desobstruirão, o coxo saltará como servo e a língua dos mudos entoará cantos”
Para a comunidade cristã de Marcos, o milagre do surdo-mudo é o cumprimento da promessa profética que se realizou primeiro no gesto de Jesus e agora plenamente na comunidade dos convertidos pagãos que escutam a palavra do evangelho e professa a sua fé.
Vamos buscar uma luz a partir do texto, para iluminar o nosso contexto, o nosso hoje. Escutar a Palavra é fácil. O difícil é aceitar quando se entende a Palavra.
Na nossa Igreja que espaço tem os pobres e excluídos? A situação dos pobres e excluídos nos incomoda?
Nós ouvimos e acolhemos os gritos dos pobres e excluídos?
Nós temos a coragem de questionar a nossa vida diante da penúria dos pobres e excluídos?
A Igreja é um dos o caminho para se viver a fraternidade, e para este encontro com Jesus. É Jesus feito fraternidade (Puebla 224). Mas para muitas pessoas cristãs a religião é mera prática, apenas normas disciplinares; e sua Igreja não passa de um conjunto de ideias e instituições, onde confiar em Jesus e viver sua mensagem parece o resultado de uma arrastada burocracia. Frequentemente, as pessoas cristãs não fazem mais do que isso.
José Airton Otávio
CEBI-PI