As imagens de brilho e poder continuam exercendo uma irresistível sedução sobre muita gente, inclusive cristãos. Muitos entram em êxtase quando se aproximam de um chefe de Estado, de um rei ou príncipe, de um ídolo do esporte, de um cardeal ou do Papa. Mas os Evangelhos nos previnem severamente contra os riscos de uma identificação apressada e ingênua de Jesus Cristo com um rei ou um destes ídolos famosos. Quem identifica Deus com os reis, príncipes e sacerdotes acaba olhando o Cristo crucificado e os excluídos sem entender nada.
É verdade que Jesus anunciou algo como um reino ou reinado de Deus. Ele mesmo foi aclamado como descendente do rei Davi, como o Messias e o Rei esperado. Mas isso nada tem a ver com a figura dos reis e chefes que a história nos deu a conhecer, pois vários deles assassinaram os próprios familiares para alcançar o trono. A referência de Jesus a Davi expressa a esperança de um líder humilde e corajoso na defesa dos injustiçados, nos moldes do frágil e rejeitado filho de Jessé, excluído pelo próprio pai da festa dos filhos e herdeiros (cf. 1Sm 16,1-13).
Jesus anunciou e inaugurou o reinado de Deus, pois Deus reina quando os coxos andam, os cegos veem, os mudos falam, os presos conquistam a liberdade, os oprimidos adquirem a cidadania, os mortos ressuscitam e os pobres recebem boas notícias. Deus reina na medida em que homens e mulheres superam as relações de dominação e exercitam a solidariedade. Jesus realiza o reinado de Deus fazendo-se irmão e servidor de todos, prioritariamente dos mais vulneráveis. Ele renuncia à igualdade com Deus, despoja-se de tudo e assume a vida humana e a posição social dos escravos.
A cena descrita por Lucas no evangelho de hoje nos apresenta Jesus crucificado, entre dois condenados à morte. Toda a sua vida foi uma proclamação viva de um Deus que acolhe os últimos e faz justiça aos oprimidos. Pregado na cruz entre dois condenados, ele proclama de forma inequívoca a solidariedade de Deus com os excluídos. Enquanto os reis e príncipes se afastam dos homens e mulheres e os consideram desprezíveis, Jesus compartilha a sorte dos condenados e os acolhe no seu reinado. Certamente, ele não é um rei muito convencional!
Por isso, o Cristo pendente da cruz permanece como uma espécie de espada que penetra nossa fé até à medula, e incomoda a Igreja e seus chefes. Não passam de fuga e de traição as tentativas de substituir os espinhos por uma coroa de ouro, e a cruz por um trono glorioso. É na condição de condenado, de quem compartilha a condição dos desclassificados, que Jesus nos livra das trevas do poder impostor e é o primogênito da humanidade regenerada, o príncipe das mulheres e homens libertos. A ele podemos pedir: “Lembra-te de mim quando entrares no teu reinado!”
Enquanto expressão da proximidade e da solidariedade de Deus com a humanidade, Jesus é eloquente sacramento da humanidade renovada. É entregando-nos a vida como dinamismo e força de uma compaixão que regenera que ele nos salva. É compartilhando a humana carência que ele conquista a plenitude pela qual todos anelamos. E é fazendo-se em tudo irmão e servo que ele resgata a dignidade da verdadeira autoridade. Na boca de um dos companheiros proscritos e condenados ressoa a proclamação da inocência e da realeza de Jesus: “Ele não fez nada de mal”.
Celebremos a solenidade eclesial de Cristo Rei confirmando nossa resposta ao chamado para seguir seus passos, carregando a cruz da insignificância, testemunhando a fraternidade solidária acima das divisões, vivendo a missão de derrubar muros e construir pontes entre pessoas e povos. É isso que está acima de tudo, e não uma ideologia, um projeto de poder e de governo. É nisso que repousa a plenitude da vida e a maturidade da fé. É assim que somos recebidos no Reino de Deus.
Diante de ti, Jesus de Nazaré, e dos irmãos que estão contigo no calvário, reconhecemos a insensatez dos nossos desejos de poder e de glória, e te pedimos: elimina dos nossos corações estas pretensões descabidas. Reveste-nos da tua compaixão e guia-nos no caminho da solidariedade, a fim de que sejamos apenas Servidores/as dos mais pobres, multiplicadores dos sinais luminosos e efetivos do teu reinado ativamente presente na compaixão. Só assim contribuiremos para que reines, e seremos realmente teus irmãos e irmãs. Assim seja! Amém!
Itacir Brassiani msf