Leia a reflexão sobre Mateus 28,16-20, texto de Edmilson Schinelo.
Boa leitura!
O texto escolhido para meditarmos neste domingo é breve, mas extremamente denso. Trata-se da conclusão do evangelho segundo Mateus, os cinco últimos versículos do capítulo 28. Depois que os Onze voltam à Galileia e sobem à montanha (v. 16), eles enxergam o Mestre e se prostram (v. 17). Jesus então se aproxima (detalhe importante!), diz que já recebeu toda a autoridade (v. 18) e envia seu grupo em missão (v. 19), mas com uma promessa: “estou sempre junto com vocês” (v. 20).
De acordo com Lucas e João, Jesus se manifesta ao Onze, após a ressurreição, quando ainda estão na Judeia (Lc 24,1-49; Jo 20,19-29). Diferentemente, para Mateus (que se inspira no relato de Marcos) Jesus se despede dos Onze na região onde havia reunido o grupo primeiro para começar seu movimento: a Galileia. E, de novo, tal como no anúncio das bem-aventuranças (Mt 5,1), o encontro se dá numa montanha.
Foram à Galileia porque acreditaram no testemunho delas
O relato é a sequência de Mt 28,1-10, onde lemos que Maria Madalena e a outra Maria tinham ido bem cedo ao túmulo. Ali, o anjo lhes disse: “Ide contar aos discípulos que ele ressuscitou dos mortos e que vos precede na Galileia” (28,7). Elas partem depressa, com medo, mas com alegria, para anunciar aos demais. Mas o próprio Jesus as surpreende, vindo ao seu encontro: “Alegrai-vos… Não tenham medo! Ide anunciar aos meus irmãos que se dirijam para a Galileia, lá me verão” (28,9-10).
Obedientes ao anúncio de Madalena, a grande apóstola da Ressurreição (ver também Jo 20,18), e da outra Maria, que representa as demais mulheres fiéis até o fim (cf. Jo 19,25 e Lc 24,9-11), os Onze retornam à Galileia. Pelo testemunho das mulheres, eles foram capazes de compreender o que o próprio Jesus já havia dito no Monte das Oliveiras, logo depois da última ceia: “Eu vos precederei na Galileia” (Mt 26,32). Retornar à Galileia significa sonhar com o recomeço, recuperar o encanto inicial. É o poder transformador da ressurreição, que já contagiou as mulheres, e que elas conseguem partilhar. Jesus começa e conclui a sua missão a partir da periferia, distante do centro do poder religioso.
Mais uma vez na montanha
É conhecida a predileção de Mateus por montanhas, lugar de revelação. Evidentemente, isso tem a ver com a figura de Moisés. Tal como Moisés recebeu as tábuas da lei na montanha do Sinai, ao anunciar o novo e definitivo êxodo também numa montanha, Jesus proclama a nova Lei, que se abre com as Bem-Aventuranças (Mt 5,1-12). Na montanha Jesus vai orar (Mt 14,23), cura doentes e famintos (Mt 15,29-31) e é transfigurado (Mt 17,1-9). É a partir do Monte das Oliveiras que ele realiza sua entrada em Jerusalém, montado no jumento (Mt 21,1). É lá também que está quando é traído e preso (Mt 26,30).
Uma frase dita por Jesus, entretanto, evoca outro contexto de montanha: “Toda autoridade sobre o céu e a terra me foi entregue” (Mt 28,18). É evidente a relação com o episódio das tentações. Enquanto Jesus se prepara para a missão, o diabo o leva para um monte muito alto e promete: “Tudo isso te darei, se, prostrado, me adorares” (Mt 4,8-9). Jesus não cede ao falso messianismo atrelado ao império que busca poder e a riqueza dos povos. Jesus assume a sua missão e, com ela, todas as consequências. Acaba sendo morto pelo império. Mas ressuscita glorioso e agora, não mais sujeito a satanás, vê a comunidade de discípulos prostrada diante da verdade: “ao senhor teu Deus adorarás e só a ele prestarás culto” (Dt 6,13). A resposta de Jesus a satanás em Mt 4,10 se traduz aqui em ação dos Onze: “Ao vê-lo, prostraram-se diante dele” (Mt 28,7).
Que todas as nações se tornem discípulas!
Infelizmente, na história do cristianismo (ou da cristandade!), este texto foi usado para legitimar a imposição da fé ou serviu de pretexto para massacres de povos inteiros: “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28,19). Não podemos continuar reproduzindo uma interpretação equivocada que sugere impor a Boa Nova de Jesus à força a povos inteiros. É urgente superar qualquer resquício de proselitismo, pois a intenção do texto é outra. Não se trata de “trazer todo mundo para o rebanho de Cristo”, muito menos de “disputar o mercado de fiéis” para uma ou para outra igreja. O texto aponta em dois caminhos diferentes.
Em primeiro lugar, podemos afirmar que Mt 28,19 é uma correção (mais do que uma ampliação) de Mt 10,5-6. Lá, Jesus enviava os Doze apenas ao povo de Israel. Agora, no final do evangelho, a comunidade é capaz de enxergar que a proposta de Jesus não tem fronteiras: em todos os povos são convidadas pessoas a viver a justiça, que não se restringe ao cumprimento da lei, mas se plenifica na vivência do amor e da solidariedade.
Em segundo lugar, o envio dos discípulos a “todas as nações” desmascara mais uma vez o império romano: não é o imperador que “autoriza” o que “todas as nações” devem ou não fazer. A autoridade agora está com Jesus. Ao Senhor Jesus, e não ao imperador romano (a personificação de satanás), “foi dada a soberania, a glória e a realeza; pessoas de todas as nações e línguas o servem”, como se lê em Dn 7,14. Aquele que não pactuou com o Império, não se prostrando para adorá-lo, agora tem legitimidade e autoridade para enviar seus discípulos a ensinar o verdadeiro discipulado. Fazer discípulas as nações é convidá-las a negar o império e a assumir a prática do Mestre. O batismo, confirmação da missão de Jesus, lhe custou a vida. Mas ele venceu, por isso envia em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Estarei sempre com vocês
O último verso da obra de Mateus é uma frase de conforto: “estou sempre com vocês” (Mt 28,20). É a promessa do Deus libertador do êxodo (Ex 3,7-12) que se confirma em Jesus. Lá, para ir ao faraó e desmascarar o império egípcio, Moisés contou com Deus: “eu estarei contigo” (Ex 3,12). Aqui, os discípulos e as discípulas de Jesus podem contar com ele para enfrentar todos os impérios, grandes ou pequenos, de fora ou de dentro da gente.
De forma carinhosa, o evangelho segundo João registraria essa presença de Jesus com outras palavras: “Não vos deixarei órfãos” (Jo 14,18). No quarto evangelho, Jesus promete enviar o Espírito como consolador e advogado (Jo 14,16.26). Para Mateus, é ele mesmo quem permanecerá para sempre na comunidade.
É interessante observar ainda que, para a comunidade de Mateus, não há ascensão. Jesus não se afasta. Porém, afirma: “estarei sempre com vocês”. Então, não há mais necessidade da parusia, da vinda de Jesus. Ele não precisa voltar, porque não se retirou. Ele continua sempre presente na comunidade, pois é o Emanuel, o Deus conosco (Mt 1,23; 16,16; 18,20).