Leia a reflexão do evangelho desta semana por Tomaz Hughes. O texto fala sobre João 2,1-11.
Boa leitura!
A primeira parte do Quarto Evangelho é comumente chamada “O Livro dos Sinais”, pois o evangelista relata uma série de sete sinais que, passo por passo, revelam quem é Jesus e qual é a sua missão. Embora algumas bíblias traduzam o termo grego que este evangelho usa por “milagre”, a tradução certa é “sinal”. O primeiro desses sinais aconteceu no contexto das bodas de Caná, o texto de hoje. Como todo este evangelho, também o nosso relato está carregado de simbolismo, onde pessoas, números e eventos funcionam simbolicamente, a fim de nos levar além da aparência das coisas, numa caminhada de descoberta sobre a pessoa de Jesus.
Um dos temas centrais deste evangelho é o da “hora” de Jesus. A “hora” não se refere à cronometria, mas à hora da glorificação de Jesus por sua morte e ressurreição. Em resposta ao pedido feito por sua mãe – os autores do evangelho nunca se referem a ela por seu nome, mas por “mulher”. Usando de uma maneira até estranha este termo para a sua mãe, querem indicar que Jesus rejeita uma esfera meramente humana de ação para Maria, para reservar a ela um papel muito mais rico, ou seja, o da mãe dos seus discípulos. Maria somente vai aparecer mais uma vez neste Evangelho – ao pé da cruz, onde ela e o Discípulo Amado assumem um relacionamento de Filho e Mãe. Devemos lembrar que o Discípulo Amado simboliza a comunidade dos discípulos do Senhor, ou seja, nós hoje.
Apesar da nossa tradição piedosa mariana, é importante não reduzir a ação da Maria no texto à de uma incomparável intercessora. Embora seja comum esta interpretação na devoção popular, não se sustenta do ponto de vista exegético. É melhor ver Maria aqui como discípula exemplar, pois embora a resposta de Jesus indique um distanciamento entre a expectativa dela e a visão dele, ela leva outros a nele acreditar.
O simbolismo da água tornada vinho é também importante. Não era qualquer água – era a água da purificação dos judeus. Com essa história, o evangelho quer mostrar que doravante os ritos judaicos de purificação estão superados, pois a verdadeira purificação vem através de Jesus. Podemos entender isso como a mudança de uma prática religiosa baseada no medo do pecado, uma prática que excluía muita gente, para uma nova relação entre Deus e a humanidade, a partir de Jesus. Assim, em Caná, Jesus começa a substituir as práticas do judaísmo do Templo, algo que vai continuar ao longo do Quarto Evangelho.
A quantia do vinho chama a atenção – 600 litros! O vinho em abundância era símbolo dos tempos messiânicos, e, na tradição rabínica, a chegada do Messias seria marcada por uma colheita abundante de uvas. Assim o texto quer dizer que a expectativa messiânica se realiza em Jesus. As talhas transbordantes simbolizam a graça abundante que Jesus traz. A figura do mestre-sala é também simbólica, bem como os serventes. Aquele, que devia saber a origem do vinho da festa, não sabia, enquanto estes, sim. Assim, o mestre-sala representa os chefes do Templo que não sabiam a origem de Jesus enquanto os servos representam os discípulos que acreditaram nele.
Fazendo comparação entre o vinho antigo e o novo, a comunidade do discípulo amado reconhece que a Antiga Aliança era boa, mas a Nova a superou. Os ritos e práticas judaicos, ligados à purificação e ao sacrifício, não têm mais sentido, pois uma nova era de relacionamento entre a humanidade e Deus começou em Jesus.
O ponto culminante do relato está no v. 11: “Foi em Caná que Jesus começou os seus sinais, e os seus discípulos acreditaram nele”. A fé deles não é intelectual ou teórica, mas o seguimento concreto do Mestre, na formação de novos relacionamentos de amor. Passo por passo, o autor vai revelando Jesus através de sinais para que nós, os leitores, possamos “acreditar que Jesus é o Messias, o Filho de Deus. E para que, acreditando, tenhamos a vida em seu nome” (Jo 20,31).
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Texto partilhado pelo autor (em memória). Editado por Ildo Bohn Gass.