Reflexão do Evangelho

Batismo e Compromisso Praxiológico com os Oprimidos e Oprimidas – Lucas 3,15-17

Batismo do Senhor
Lecionário Comum: Lucas 3,15-17
12 de Janeiro de 2024

O Evangelho de Lucas brotou em um contexto sociorreligioso e político-econômico marcado por muitos desafios enfrentados pelas comunidades cristãs que já não tinham a presença daqueles e daquelas que testemunharam Jesus com os “próprios olhos. O período, por volta dos anos 80 e 90 d.E.C.,  foi marcado por muitas perseguições contra os cristãos. Por exemplo,  o império Romano com sua proposta político-ideológica de paz (Pax Romana) procurava estabelecer a “ordem” e a “tranquilidade” para manter a exploração junto ás suas províncias.

Portanto, neste contexto, o evangelho de Lucas, destinado aos amigos e amigas de Deus (teófilos e teófilas), nasce como um texto para fortalecer a esperança e resistência das comunidades, mostrando o caminho pedagógico da missão de Jesus Cristo, como um modelo de práxis salvífico-libertadora a ser seguido por todos aqueles e aquelas que aderem ao Projeto de Deus. Dentre as lições apreendidas destacamos: a) o projeto de salvação que nasce na periferia da Galileia a partir da resistência dos oprimidos e oprimidas e parte para o centro a fim de denunciar e anunciar a Boa Nova; b) seguir o Projeto de Jesus é comprometer- se com os pobres a partir da solidariedade, organização coletiva e defesa dos seus direitos.

O autor utilizou-se de três principais fontes para organizar o Evangelho:  a chamada fonte Q, que continha “ditos” de Jesus; o Evangelho de Marcos, que foi o primeiro a ser escrito entre os quatro evangelhos e outras fontes, como da própria tradição oral que nunca deixou de ser presença na vida das comunidades. Trata-se de um texto bem estruturado e que apresenta uma proposta didático-teológica da missão de Jesus através da descrição, bem sistematizada, de um caminho geográfico de fé e enfrentamento.

No trecho de Lucas 3,15-17 temos  expressões que foram recolhidas provavelmente, da Fonte Q, considerando que os encontramos, também em Mateus. Há presente, neste trecho, simbolicamente, a passagem do Primeiro Testamento, onde João Batista é visto como o último profeta, para o Segundo Testamento, com Jesus, o Novo Profeta. Entre o primeiro e o segundo há pontos comuns, como a presença do espírito santo e a coragem para denunciar as injustiças. No entanto, o Novo que chega supera todos aqueles e aquelas que o antecederam. A mudança do batismo pela água para o batismo pelo fogo evidencia um aprofundamento radical da missão profética em Jesus. Ele resiste todas as formas de tentação, supera a ideia de formar apenas um povo, pois aposta na diversidade, quer a salvação/libertação universal. Também, encarna a fé na vida através do assumir de uma práxis libertária.

O Batismo de Jesus marca simbolicamente a sua inserção no compromisso de luta com o Projeto de libertação junto aos pobres. Portanto, o batismo foi um ato público, coletivo, não foi para si, e sim, para/com/na comunidade. Por mais que vemos em algumas imagens Jesus sendo batizado sozinho, ele estava junto ao povo. Portanto, não foi apenas João Batista que testemunhou, mas a comunidade que já conhecia Jesus e seus feitos. De fato, o gesto batismal tende a ser uma constatação do assumir as lutas do povo. Trata-se de uma entrega à defesa da vida sem restrições…

Neste meio os pobres são os preferidos de Jesus em razão das suas condições de injustiças que vivem. Quanto aos ricos, para a sua conversão exige uma decisão objetiva, não podendo ser apenas algo sentimental e individual,  mas com práticas concretas de solidariedade  que visem superar as injustiças sociais, garantir a dignidade e transformar as desigualdades sociais.

Ainda, é muito comum atribuirmos o batismo, seja para crianças, seja para adultos, como um momento “mágico” de conversão individual e pertencimento, de si, à Deus como oposição as coisas do mundo. Por mais que isto tenha uma importância para a pessoa, não pode ater-se no plano da subjetividade, é preciso que a conversão transforme-se em ação. Daí, a preocupação do Evangelho de Lucas em relação a superação de uma conversão preocupada com os interesses pessoais e com o seguimento das leis da pureza.

Viver, hoje, o batismo seguindo o modelo da experiência missionário de Jesus, implica nos comprometer com a práxis libertadora de Jesus, superando os interesses da purificação individual para um compromisso coletivo. Isto resume-se no refrão de uma música que o pessoal das Comunidades Eclesiais de Base (CEBS) costuma cantar: “Eu sinto a presença de Deus é na luta, é na luta”. Esta luta não se isenta da oração. Porém, não separa-se dela, posto que entende que ação, reflexão e oração fazem parte de um todo. De nada vale procurar seguir todos os preceitos doutrinários e ficar indiferente a dor dos que mais sofrem; de nada vale, pedir perdão a Deus pelos pecados pessoais e continuar naturalizando/apoiando as violências de cor de raça e sexo. Enfim, assumir o batismo sob a ótica praxiológica apresentada no Evangelho de Lucas é engajar-se na defesa dos oprimidos e oprimidas.

Ernande Arcanjo – CEBI Ceará

REFERÊNCIAS

HOORNAERT, Eduardo (org.). Em busca de Jesus de Nazaré: uma análise literária [livro eletrônico]. São Paulo: Paulus, 2016.

MESTERS, Carlos; OROFINO, Francisco. Crescer em amizade: uma chave de leitura para o evangelho de Lucas [livro eletrônico]. São Paulo: Paulus, 2019.

MOREIRA, Gilvander Luiz. Lucas e Atos: uma teologia da história [livro eletrônico]. São Paulo: Paulinas, 2016.

NEUENFELDT, Elaine. Lucas 3.15-17, 21-22. Disponível em: https://legado.luteranos.com.br/textos/lucas-3-15-17-21-22-1. Acesso em: 18 dez. 2024.

 

 

 

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