Reflexão do Evangelho

A Viúva – Mulher sem nome, como muitas na Bíblia e na Vida

Irene Smith (*)

Sr. Sebastião que mora em um barraco feito de papelão no meio da praça, em frente ao cemitério, tem um cachorro e ele divide a comida que consegue com ele. Me disse uma vez “divido com ele e quem mais aparecer com fome por aqui, seja gente, seja bicho – não é tudo filho de Deus?”

E eu que estava pensando em lhe perguntar, como que não tem nada e ainda tem cachorro? Com a fala dele engoli a pergunta e muitas outras que ainda me chegam. Enquanto muitos que tem maiores e melhores condições, mas não querem partilhar, pessoas como o Sr. Sebastião partilham do pouco que tem.

O texto de Mc 12,38-44 aponta para o gesto da viúva que oferta no cofre do Templo duas moedinhas que não valiam quase nada e eram tudo aquilo que ela possuía para viver (cf. vv.42 e 44).

Jesus faz críticas severas aos doutores da lei de ontem (e os de hoje) por viverem de ostentação, aparência, a começar pelas suas vestes, por falar do que não vivem. Jesus desmascara como é falsa a religiosidade que pregam, de como estão longe do amor, acolhida, partilha e solidariedade.

Como estes sacerdotes e pastores estão a serviço do poder opressor, com suas vestes exuberantes e luxuosas, falas fortes em defesa da família (enquanto traem suas esposas ou seus ministérios), orações e exortações em praças públicas, aproveitam-se de seu prestígio religioso para viver as custas das pessoas mais fracas e indefesas – das Viúvas. Referindo-se à exploração econômica que leva a desigualdade social e ao empobrecimento, principalmente das pessoas já vulnerabilizadas.

Esse relato de modo simples quer dizer que essa cultura das aparências nada tem a ver como o Projeto de Jesus. Nos diz que estamos seguindo por outro caminho, que não o do amor, da verdade, que nos faz ter empatia, solidariedade.

O desafio que está posto é que precisamos refazer a rota para o caminho do reino, reconhecendo que temos uma queda grande pela aparência, que nos deixa vulnerável às vaidades, e tomarmos outras vias em busca de encontrar caminhos de alívio e vivência para as dores das pessoas vulnerabilizadas, por meio da partilha, da solidariedade, políticas públicas de garantias reais à vida.

A viúva, uma mulher sem nome, fazia parte da classe social de pessoas que, segundo a Lei (cf. Dt 10,18), Israel deveria fazer justiça e proteger. Mas no tempo de Jesus essa lei não estava mais sendo cumprida pelos judeus.

A presença da Viúva, uma mulher sem nome, sem condições de sobrevivência imposta pelo Estado da época, que faço um paralelo com as mulheres de hoje que sobrevivem em situação de vulnerabilidade nas ruas ou em barracos, órfãs e viúvas do Estado por falta de Políticas Públicas que lhes dê condições de VIDA em ABUNDÂNCIA.

E Jesus – o verdadeiro pão partilhado, faz essa denúncia de que no centro do poder político e religioso (na cidade de Jerusalém) falta pão para as viúvas, para os/as vulnerabilizados/as daquele tempo.

A viúva pobre é a grande chave de leitura para compreender o Reino de Deus, que não deve haver desigualdades sociais.

E Jesus elogiou a grandeza do coração da viúva, que embora com algumas moedinhas para sobreviver, ainda partilha, ainda doa colocando toda a sua vida nas mãos de Deus. Para além das aparências, o desprendimento e a generosidade dos pobres.

Quando Jesus nos chama a atenção através dos discípulos para o gesto da viúva, está nos alertando para qual direção devemos olhar a vontade de Deus.

Trazendo para o contexto da nossa realidade, precisamos estar atentos e atentas a nossa realidade de desigualdades sociais e a exemplo de Jesus denunciar e cobrar dos poderes políticos e religiosos de hoje.

Como proposta para refazermos o caminho do Reino, precisamos estar atentos a atitude da Viúva, do Sr. Sebastião, de homens e mulheres pobres que partilham tudo o que tem.

(*) Irene Smith, filha de Tribos, Índia, Negra, Luz e Breu, Marajoara, sou Cabocla, assim sou eu (pedindo emprestado a fala da Fafá de Belém em uma de suas canções). Secretária Executiva de formação acadêmica, com cursos de Mulheres na Bíblia e Leitura Popular da Bíblia pelo CEBI. Atualmente colaborando com a coordenação estadual do CEBI-SE.

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