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O Ano Novo e a Paz

Irmão Marcelo Barros

Apesar de que, como é costume, começamos este ano, nos desejando feliz ano novo de paz e de alegria, sabemos que os desafios para que isso possa ser real são imensos. O mundo atual convive com 59 guerras e conflitos armados, praticamente em todos os continentes, sem falar nas guerras econômicas de bloqueio assassino que o império dos Estados Unidos realizam em países como Cuba e Venezuela. Em nome do que chamam de “Democracia”, massacram cotidianamente uma multidão de pessoas inocentes para tentar derrubar governos que não são do seu agrado.

No Brasil, apesar de que todos os índices apontam para avanços sociais consideráveis e algumas vitórias significativas da política econômica do governo, a grande imprensa se esmera, diariamente, em negar os acertos e apostar na perpetuação da imensa desigualdade social e no domínio absoluto do que, acertadamente, Jessé de Souza chamou “a elite do atraso”.

Atualmente, o mundo está organizado de forma laica e pluralista. A sociedade se libertou da tutela religiosa, mas se deixou aprisionar pelo sistema do Capitalismo neoliberal, baseado nas desigualdades sociais. O preço disso é a extrema pobreza e a fome que ameaçam a vida e o futuro de dois terços da humanidade. Além disso, o Capitalismo provoca gigantesco processo de destruição das próprias bases da vida, no planeta Terra. Como tem denunciado o Papa Francisco: “A única lógica parece ser o lucro a todo custo, sem pensar na exclusão social, nem na destruição da natureza“.

Infelizmente, as próprias Igrejas e seus pastores parecem achar tudo isso natural e se adaptam a essa realidade. Cada vez mais, em muitas comunidades da Igreja Católica e de outras Igrejas e religiões, a espiritualidade parece dominada pelo mundanismo espiritual individualista e por certo entorpecimento social que legitima as piores políticas para a sociedade.

Nesse contexto, o papa Francisco propõe um ano de Jubileu da Esperança e a CNBB realiza neste ano uma Campanha da Fraternidade sobre Ecologia Integral. Infelizmente, tanto as propostas do Papa como a campanha da CNBB não parecem atingir o núcleo duro da espiritualidade católica. De fato, no modelo de Igreja Cristandade, cuja meta maior é sua própria estruturação e o mais sagrado é o poder divinizado do clero e da hierarquia, não há lugar para a espiritualidade profética, baseada no amor social. Nessa estrutura hierárquica, as pastorais sociais e o cuidado com a casa comum nunca passarão de algo que parece sempre cereja no bolo e não o próprio alimento da fé e da vida.

Apesar de estar consciente dessas dificuldades, neste início do ano, na mensagem para o Dia Mundial da Paz, o papa nos convoca a escutarmos o grito da humanidade empobrecida e nos sentir chamados e chamadas, “todos e todas, a quebrar “as correntes da injustiça” não só através de ações emergenciais, mas através das “necessárias transformações culturais e estruturais, para que possa haver também uma mudança duradoura” no enfrentamento da condição atual de injustiça e desigualdade.

Como se pode pensar em vida eclesial e comunidade de fé se o ser humano como diz o papa: “é considerado, em si mesmo, um bem de consumo que se pode usar e depois jogar fora. Nessa “cultura do descartável”, os excluídos não são apenas explorados. Tornam-se meros resíduos, sobras…”.

Conforme o papa, quando o capital se torna ídolo e dirige as opções dos seres humanos, quando a avidez pelo dinheiro domina todo o sistema socioeconômico, arruína a sociedade, transforma o ser humano em em escravo. Assim, destrói a fraternidade inter-humana, provoca guerras de um povo contra outro e põe em risco a causa comum.

Na mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2025, o papa afirma: “Para se conseguir a paz, não basta acabar com as guerras. É preciso iniciar um mundo novo, no qual nos descobrimos diferentes, mas unidos e unidas. Então, nos veremos como irmãos e irmãs do que nunca teríamos imaginado”.

Apesar de todas as dificuldades, procuremos no nosso convívio e na medida de nossas relações, intensificar a comunhão com as outras pessoas, com a Terra, a Água e todos os seres vivos. Como essa renovação precisa também ser pessoal e não apenas social e política, cada um e cada uma de nós pode sentir-se recebendo as palavras de uma antiga bênção irlandesa: “O vento sopre leve sobre os teus ombros, o sol brilhe em teu rosto, as chuvas caiam serenas em teus campos e até que eu te veja de novo, Deus te guarde na palma de sua mão”.

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