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CEBI na Minha Vida – Sebastião Armando Gameleira Soares

Sou da geração dos anos 1960, no cenário social e político de muitas mudanças e de inesperadas transformações da Igreja Católica mundial e nacional. Nesse panorama, o papa João XXIII, cuja eleição fora uma grande surpresa por razões de idade e por não ser tão conhecido a não ser na Itália, numa parte do Oriente e na França. Era, sem dúvida, um papa inesperado. Conta-se que o papa Pio XII costumava referir-se a ele jocosamente como “o meu núncio camponês”, isto é, gente do povo.     

Na Igreja, as forças populares cristãs e suas organizações eram vistas como suspeitas e, frequentemente, perturbadas sob pretexto de “subversão”. Na Igreja Católica e em algumas Igrejas Protestantes qualquer aliança com os pobres e presença nas periferias cheirava ao que chamavam de subversão ou “comunismo”.     

Em outubro de 1964, fui cursar Teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana em Roma sob essa atmosfera de renovação pastoral e teológica que levava teólogos e professores a refazerem ideias e práticas de ensino. Ainda reinava a memória do papa João XXIII, já estávamos na segunda sessão do Concílio Vaticano II com a presidência do papa Paulo VI. Em Roma permaneci por quatro anos. 

As diversas Conferências Episcopais pelo mundo afora encaravam novas perspectivas com o suporte das melhores cabeças de teólogos. Também as teólogas começavam a despontar, sobretudo em países europeus e nos Estados Unidos da América. Algumas Conferências Episcopais mostravam-se mais avançadas, como Alemanha, Holanda, Bélgica, América Afro-latíndia e França, por exemplo. As Igrejas locais adquiriam maior consciência de sua identidade própria, fortalecidas pelas reflexões e gestos dos melhores teólogos da Igreja. É bom lembrar a importância do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM).  

Após os quatro anos de formação teológica, já marcada pelo Concílio Vaticano II, voltava eu à Igreja do Nordeste, muito ajudada por padre Marcelo Carvalheira, como Secretário do Regional Nordeste II, depois bispo de Guarabira e arcebispo da Paraíba. De minha parte, voltava à Arquidiocese de Maceió, à Igreja do Nordeste e à convivência com a família em Maceió, Alagoas. Foi nessa conjuntura que nascia o CEBI, concretização de ideais de nosso querido frei Carlos Mesters e de outras pessoas que o rodeavam, inclusive os frades dominicanos, que tinham sofrido os horrores da prisão em São Paulo, e protestantes ecumênicos, como luteranos e metodistas. 

Importantes nesse momento da história do nosso país e da Igreja foram as presenças de pastores como dom Helder Câmara, dom Paulo Evaristo Arns, dom Pedro Casaldáliga, os primos dom Aloísio Lorscheider e Ivo Lorscheider e tantos outros. Eram figuras hoje saudosas que continuam ainda fazendo falta à vida da Igreja. Esses e tantos outros pelo país afora foram figuras de grande discernimento e coragem, irrigavam as veias da Igreja de Cristo e testemunhavam que, apesar de tudo, o Evangelho estava vivo entre o nosso povo. 

Ler, estudar e celebrar a Bíblia foi um dos caminhos que entre outros levava a uma espiritualidade nova e comprometida com a vida de gente pobre e oprimida. Após um ano estando no Brasil, retornei a Roma, cursei Ciências Bíblicas no Instituto Bíblico. Ainda em Roma fiz especialização em Sociologia na Universidade de Estudos Sociais (PRODEO),  com trabalho sobre a obra de Gilberto Freyre. Estive também entre assessores da CNBB Regional e da Conferência de Religiosos do Brasil (CRB) Nordeste II. Tornei-me membro ativo do CEBI e até cheguei a fazer parte da administração, sucedendo ao querido frei Carlos Mesters, como diretor, além de continuar em trabalhos de Assessoria e particularmente no Curso Extensivo de Bíblia, com núcleos em várias regiões do país. No CEBI, dava-se o meu “mestrado” de fato em estudos bíblicos até hoje, além de ter escrito vários trabalhos sobre textos bíblicos e prestado assessoria a diversos grupos. 

Nos últimos tempos tive de me ocupar com trabalhos pastorais, sem deixar de privilegiar a Bíblia como guia da Igreja, mas com acentuação de ajudar pessoas em grupos a conhecerem mais e aprofundarem os textos e as perspectivas das Sagradas Escrituras, sem as quais a Igreja se desvia dos caminhos de Jesus.

No final dos anos 1990, Madalena e eu aderimos à Igreja Episcopal Anglicana na Diocese do Nordeste, e aí assumi o ensino bíblico no Seminário Anglicano que estava ainda em seus começos. O saudoso e querido padre Reginaldo Veloso era o nosso professor de Liturgia e vinha ao Seminário acompanhado do grupo de estudantes do Morro da Conceição, para acentuar ainda mais o caráter ecumênico de nosso companheirismo. Quando chegaremos, finalmente, a viver ampla e profundamente uma Igreja ecumênica, Igrejas de verdadeiras comunidades de pobres de Deus? Irmãos e irmãs cheios de sabedoria e amor para transformar este mundo? Companheiros e companheiras de um Deus que diz “Faça-se a Luz!”. 

Depois de alguns anos fui chamado a ser o bispo da Diocese Anglicana de Pelotas/RS, onde passamos sete anos. Nesse tempo, fui por duas vezes à Inglaterra, uma como assessor da Conferência internacional de Lambeth e outra vez já como bispo e Madalena como “esposa de bispo”, em Cantuária. 

    Meu caminho no CEBI. Na verdade, quantas vezes Madalena e eu saímos por aí de Sul a Norte, e até em outros países irmãos, tais como Bolívia, Peru, Uruguai, Cuba, sempre para ajudar grupos e pessoas a perceberem e praticarem a Leitura Popular da Bíblia. Era lindo como as pessoas se iluminavam ao descobrir o que significa a Leitura Popular da Bíblia, com profunda emoção reviam sua formação catequética, teológica e pastoral. Nessa caminhada tenho experimentado ao longo dos anos a força da Palavra de Deus e o encontro profundo e, por isso, salvífico, da Palavra divina com a realidade humana. Em Cuba, por exemplo, tivemos como participante do curso bíblico o engenheiro diretor da siderúrgica nacional, o que não é fácil encontrar por aí. Conhecemos também sua mãe, uma senhora negra, de uma casa muito simples e muito procurada pela gente do povo que a tinham como grande conselheira.

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