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Nota do CEBI Sobre a fala do Frei Gilson Sobre as Mulheres

O Cebi (Centro de Estudos Biblicos) manifesta-se diante da divulgação de um vídeo que está circulando nas redes sociais desde o dia 08/03/25, por ocasião do Dia Internacional das Mulheres. Sabemos que o vídeo é um recorte e montagem de uma pregação de 2024, realizada pelo frei Gilson para o público de mulheres.

É necessário reagir a fala do Frei Gilson, pois ele dirige seu “ensinamento” para um público, de presença hegemônica de mulheres, e profere a “sua” interpretação bíblica do livro do Gênesis.

Iremos nos ater aqui ao que ele fala sobre Gn 2,18. Segundo o fr. Gilson: “Deus criou a mulher/Eva para ser auxiliar do homem Adão”…e prosseguiu o discurso para justificar o lugar da mulher na sociedade como inferior ao homem: “por isso a mulher não pode ser líder”;  e atacar, com discurso de ódio, as mulheres que buscam o empoderamento: “Essas mulheres querem o poder, falam de empoderamento”.

Há vários equívocos na fala do fr. Gilson, mas vamos nos deter em somente dois: primeiro, sobre a leitura e interpretação misógina do livro de Gênesis; e, segundo, sobre o conceito distorcido que ele faz sobre o termo “empoderamento”.

Com relação ao primeiro equívoco, é preciso dizer que todo o processo de silenciamento e apagamento das mulheres na história do cristianismo começou pela necessidade que os homens tinham de estar no poder  das comunidades pré-cristãs. Por outro lado, dentro da diversidade de grupos cristãos existentes nos primeiros séculos de nossa era, havia comunidades em que o modelo de estrutura era circular, não havia hierarquias e as mulheres exerciam lideranças como sacerdotisas, profetisas, mestras etc. As primeiras comunidades cristãs que se tem registros é de Paulo e sua equipe; e, no século II em diante, os grupos cristãos chamados de marcionitas[1], montanistas[2], gnosticos[3].

Conforme os próprios documentos dos chamados Padres da Igreja, como Tertuliano e Irineu de Lyon; eles atacavam esses cristãos (considerados por eles de heréticos) por aceitarem em suas comunidades que mulheres fossem lideranças. Para isso, “usavam” textos bíblicos, sobretudo o livro de Gênesis, para fundamentar e legitimar sua justificativa: Eva pecou e levou Adão a pecar…por isso as mulheres devem ser submissa ao homem e ficar em silêncio nas assembléias. Tertuliano vai dizer em seu texto “Da toalete das mulheres”: “(Neste mundo, é agora executada a sentença divina contra esse teu sexo…és tu a primeira que transgrediu a lei divina…).

Os ataques dos chamados padres da Igreja, como Tertuliano e Irineu de Lyon, eram contra esses grupos considerados por eles como heréticos; pois eles não admitiam que mulheres fossem lideranças[4]; ou seja, fossem “empoderadas”, como dito pelo religioso em seu discurso.

Quando se lê em conjunto os textos em que Tertuliano faz menção às mulheres, como “O batismo”, “Sobre a exortação da castidade” e “A toalete das mulheres”, percebe-se suas críticas pujantes contra aquelas que são lideranças nas comunidades; bem como percebe-se que ele propõe inclusive o modelo de mulher cristã: “ser casada, cumprir as ‘obrigações conjugais’, se vestir de forma simples (não usar saltos, joias e maquiagens) e não ensinar, debater, batizar, realizar exorcismos ou tentar curas”[5].

Infelizmente, ainda hoje os “heresiólogos” de plantão, como o fr. Gilson, usam o livro do Gênesis para continuar fundamentando seu discurso misógino e tentar silenciar as mulheres…

Na academia, nos seminários de teologia que preparam os novos pastores para serem lideranças religiosas e sacerdotais, certamente estudam o livro de Gênesis como uma literatura mítica; ou seja, por trás do simbolismo prefigurado ali no texto, o redator quer passar um ensinamento sobre a constituição do ser humano, sobre a necessidade do ser humano viver em relações. Portanto, o texto não está tratando de um macho e uma fêmea, especificamente; mas sim, do ser humano (Adão é uma palavra da lígua hebraica que quer dizer “ser humano”).

Com certeza, os frades e padres que estudam o texto bíblico sabe que a Palavra de Deus está enraizada na vida do ser humano e não se pode ler o texto “ao pé da letra”. Senão, o próprio frade está com problemas diante da Bíblia, pois na lei do Levítico está proibindo de homens fazerem a barba (cf. Lv 19,31).

Será que Fr. Gilson não estudou os Evangelhos, que mostra Jesus ensinando que a comunidade deve estar a serviço e o discipulado é de igualdade de homens e mulheres. Não viu várias vezes Jesus agindo contra a sociedade do seu tempo: Jesus falava com as mulheres, convidava-as a fazer parte de seu seguimento; na caravana do Nazareno havia homens e mulheres como discípulas, diaconisas e apóstolas (cf. Mc 15,40.41; Lc 8,1-3); e apóstolas como Maria Madalena, a primeira a ver o Jesus Ressuscitado e anunciar o Querigma. Hoje, somos fiéis ao Cristo Ressuscitado porque foi Maria Madalena que anunciou com outras mulheres!

Fr. Gilson, ao que parece, não estudou as comunidades do apóstolo Paulo que seguiram o ensinamento de Jesus e constituíram mulheres como apostolas, profetas e mestres. Na carta aos Romanos 16, Paulo apresenta mulheres que são lideranças nas comunidades: Febe, Júnia, irmã de Nereu, Priscila e outras. E, em textos extracanônicos, como os Atos de Paulo e Tecla, a apóstola e mestra Tecla era muito conhecida pelas comunidades cristãs nos séculos II, mostrando como as mulheres eram reconhecidas nos primórdios dos cristianismos, apesar de serem silenciadas posteriormente.

O segundo equívoco é quanto ao conceito de “empoderamento”, é importante dizer que empoderamento, não tem nada a ver com ter poder para guerrear contra os homens. Aliás  é importante  ressaltar que as guerras ao longo da história, são disputas por poder entre homens e muitas feitas em nome de Deus.  Quando se fala de empoderamento das mulheres, está se falando de igualdade de direitos, de oportunidades e de não discriminação das mulheres[6], em todos os lugares da sociedade, na família, na escola, no trabalho, nas igrejas, na política.  Ou seja, empoderamento é promover uma sociedade em que as mulheres tenham sua dignidade respeitada, como imagem e semelhança de Deus.

 

[1] Comunidades cristãs formadas a partir do século II E.C, por Marcião, bispo que fora excomungado por suas ideias contrárias aos pré-ortodoxos cristãos. Os ministérios eram exercidos por homens e mulheres, sem distinção de sexo. (  KOESTER, Helmut. Introdução ao Novo Testamento, vol.2: história e literatura do cristianismo primitivo. São Paulo: Paulus, 2005. p.354).

[2]  Comunidades cristãs da Asia Menor entre séculos II e III E.C, fundadas por Montano, líder religioso. As mulheres atuavam como profetisas líderes, como Maximila e Priscila (ou Prisca). (cf.  FIORENZA, Elisabeth S. As origens cristãs a partir da mulher – uma nova hermenêutica. São Paulo: Paulinas, 1992. p.342).

[3] Comunidades cristãs que surgem sobretudo a partir do século II E.C, expandindo-se por todo território romano e instalando-se, inclusive em Roma, onde encontramos Valentino, um dos expoentes do movimento, à frente de um círculo estudantil gnóstico, por volta de 140. As liturgias, sacramentos eram exercidos por homens e mulheres. (cf.PAGELS, Elaine. Evangelhos Gnósticos. Rio de Janeiro: Objetiva, 2006).

[4] FIORENZA, Elisabeth S. As origens cristãs a partir da mulher – uma nova hermenêutica. São Paulo: Paulinas, 1992.

[5] CAVALCANTI, J. B. FARIA J.P. Bispos, padres e mestres (Memória, Literatura e Poder). Rio de Janeiro: Ed. Kliné,2023. p.101).

[6] ONU, mulheres. Princípios de empoderamento das mulheres. Disponível em: www.onumulheres.org.br, 2016. Acesso em 12 mar 2025.

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