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Justiça Socioambiental na Bíblia

Fazendo ecoar o Dia Mundial Contra o Aquecimento Terrestre, partilhamos o artigo de nosso irmão Valmor da Silva.


Justiça socioambiental é um conceito novo, mas traduz preocupações muito antigas. Recebe outros nomes modernos e possui conceitos sinônimos como justiça e paz; justiça; paz e ecologia; paz e criação; ecojustiça; bem-viver; princípio; cuidado; compaixão; cooperação. Relaciona-se com movimentos de defesa dos direitos humanos, defesa da ecologia, luta pela terra, ecoteologia, ecofeminismo, movimentos de trabalhadores e outros. 

O que é justiça socioambiental? O conceito pressupõe a promoção da vida em todas as suas dimensões, com equilíbrio e bem-estar pessoal; com justiça social e equidade; com respeito às tradições dos povos; com preservação do meio ambiente e com desenvolvimento sustentável. 

Responde às críticas contra a injustiça socioambiental, onde as leis prejudicam o meio ambiente, atingindo principalmente as pessoas mais carentes. Convida a mudar de mentalidade, passando de uma visão antropocêntrica, isto é, focada no “homem centro do universo” para uma visão biocêntrica, ou seja, voltada à vida, ou ainda, uma visão teocêntrica, quer dizer, centrada em Deus. 

Na Bíblia Hebraica, há conceitos que valorizam esta proposta de vida, em torno de termos como justiça, paz, aliança, bênção, criação, terra, água, chuva, céu e orvalho. 

Talvez a palavra hebraica que melhor expressa o conceito de justiça socioambiental seja shalom, em geral traduzido como paz, mas melhor compreendido como bem-estar, harmonia, saúde integral. 

No Novo Testamento, os termos correspondentes são: justiça, paz, aliança, bênção, criação, terra, água e chuva. 

No Antigo Testamento, a noção de justiça está ligada à de aliança, da qual ela é expressão. “A aliança com o povo é ao mesmo tempo aliança com o país, com o solo, com a terra. Canaã é também o país de Deus, penetrado de sua força, de sua presença, como Israel é o povo de Deus” (PIDOUX, 1954, p. 284). 

Sendo Israel um país agrícola, ele depende essencialmente da chuva. Sendo, além disso, território desértico, precisa de orvalho, de qualquer recurso de humidade. Chuva é interpretada, portanto, como bênção de Deus. “O israelita pode dizer que as chuvas, as colheitas, as vindimas são a justiça de Deus, pois elas são a sua manifestação. É nesse sentido que se pode falar de justiça cósmica” (PIDOUX, 1954, p. 284-5). 

Este estudo propõe tratar da justiça socioambiental na Bíblia, principalmente no Primeiro Testamento, a partir de alguns textos mais representativos dessa temática. Embora o assunto seja muito abrangente, os textos escolhidos são aqueles que melhor representam a integração entre natureza criada, ser humano inteligente e transcendência divina. 

 

1 Javé me livre de ceder-te a herança dos meus pais! (1 Rs 21,3) 

O episódio bíblico sobre a vinha de Nabot (1 Rs 21,1-24) é oportuno para iniciar a discussão sobre justiça socioambiental na Bíblia. Transcrevemos a primeira cena do relato para entender o princípio da história, que segue com outras 5 ou seis cenas, e termina de maneira dramática, infelizmente, com a morte do agricultor. (A tradução é da Bíblia de Jerusalém, com acréscimo, entre parêntesis, de traduções que esclarecem melhor o texto original e com a palavra herança transcrita do hebraico). 

1 Rs 21 1Eis o que se passou depois desses fatos: Nabot de Jezrael tinha uma vinha em Jezrael, ao lado do palácio de Acab, rei de Samaria, 2e Acab assim falou a Nabot: “Cede-me tua vinha, para que eu a transforme numa horta (jardim verde), já que ela está situada junto ao meu palácio; em troca te darei uma vinha melhor, ou, se preferires, pagarei em dinheiro (prata) o seu valor.” 3Mas Nabot respondeu a Acab: “Iahweh me livre de ceder-te a herança (nahalah) dos meus pais!” 4Acab voltou para casa aborrecido e irritado por causa desta resposta que lhe dera Nabot de Jezrael: “Não te cederei a herança (nahalah) dos meus pais.” Estendeu-se na cama, voltou o rosto para a parede e não quis comer nada. 

A leitura do episódio revela um conflito entre o rei Acab e o agricultor Nabot. O olhar mais agudo, porém, mostra o confronto entre o regime monárquico e o sistema familiar. Estamos no reino de Israel, norte, por volta de 750 aC. Por trás desse conflito há um confronto aberto entre o rei Acab junto com sua esposa Jezabel, por um lado, e o profeta Elias junto com o Deus Javé, por outro. No meio, quem sofre as consequências é o camponês Nabot. E a tensão de fundo se dá e se decide sobre a terra, com dois conceitos em oposição aberta. 

Este fato representa o conflito entre monarquia e profetismo, que percorre basicamente toda a Bíblia. No final, a acusação do profeta Elias ao rei é: “Mataste e ainda por cima roubas” (v. 19). O verbo escolhido para “mataste” é exatamente o do mandamento central do decálogo, “não matarás” (Ex 20,13). Significa que a ação do rei Acab atinge a recomendação bíblica mais importante, que é o respeito à vida. Esse confronto se prolonga em inúmeros textos proféticos, em defesa da vida, em nome do Deus Javé, como denúncia contra reis e governantes, por traírem sua responsabilidade maior, de praticar a justiça, em favor de pobres, órfãos, viúvas e estrangeiros, justamente as classes mais indefesas da sociedade. 

Na resposta do agricultor Nabot está a defesa da terra, chamada herança dos pais. Herança é um conceito fundamental na Bíblia. Herança é o pedaço de terra, propriedade da família, assegurado por direito sagrado. Essa herança não podia ser objeto de negócio, como pretendia o rei. A herança havia sido estabelecida por ocasião da posse da terra de Canaã, com o recenseamento da reforma agrária, a cada família segundo o número de recenseados (Nm 26,54). Como Deus é o dono da terra, e como ele a concede ao povo, esse a herdará para sempre (Ex 32,13). A postura de Nabot é de respeito à cultura e à tradição familiar de Israel, com vivência pacífica. A mentalidade do rei é latifundista e dominadora, com uso da máquina do poder e instituição da violência (VITÓRIO, 2005, p. 86-7). 

O conceito de terra é objeto de comércio para o rei e herança sagrada para o agricultor. A articulação deste conceito fundamental decide sobre valores e juízos, sobre a organização social, aplicação da justiça e, enfim, sobre o sentido da vida. 

O conflito entre Acab e Nabot representa um confronto maior, entre dois sistemas em constante oposição, conhecidos como monarquia e tribalismo. Esses dois sistemas representam dois paradigmas de organização humana, como hoje em dia a contradição entre o capitalismo e os movimentos populares. 

Na história de Israel, as tentativas de convivência dos dois sistemas fracassam. A profecia representa a defesa do sistema familiar tribal, e o ataque implacável aos desmandos da monarquia, na pessoa dos reis. Jesus retoma a proposta do tribalismo, mas é incompreendido, mesmo numa de suas afirmações mais significativas: “Felizes os mansos, porque herdarão a terra” (Mt 5,4). A Igreja, ao longo da história, e as Igrejas, mais recentemente, oscilam entre os dois modelos: monarquia e tribalismo. Os fatos recentes mostram para onde pende o fiel da balança. 

Na Bíblia, inúmeros textos ilustram esse confronto. Para lembrar alguns, citamos a denúncia do profeta Natã contra o rei Davi, por ter matado Urias para tomar sua mulher Betsabeia (2 Sm 12,1-10); a acusação do profeta Amós contra os que “vendem o justo por prata” (Am 2,6); o grito veemente do profeta Miqueias contra chefes e dirigentes “que execrais a justiça, que torceis o que é direito” (Mq 3,9); as denúncias e ameaças do profeta Isaías contra “os que juntam casa a casa e acrescentam campo a campo” (Is 5,8); a denúncia do profeta Habacuc contra “aquele que ajunta ganhos injustos para a sua casa” (Hab 2,9 – Hb 2,9 na tradução Almeida Revista e Atualizada). 

No episódio da vinha de Nabot, portanto, articulam-se vários elementos que compõem a proposta de justiça socioambiental: assegurar a posse da terra como herança sagrada dos antepassados, com respeito à memória e tradição dos pais, em vista da convivência justa e harmoniosa entre as pessoas. 

 

2 Justiça e Paz se abraçam (Sl 85,11) 

Com o exemplo do Salmo 85, vamos ao ambiente sapiencial. A sabedoria instrui e ensina a bem viver. Sabedoria, no Salmo, junta poesia com oração, combina razão e emoção. A prece torna-se, então, retrato da realidade sonhada e esperança da convivência ideal. Nessa utopia almejada, envolvem-se a terra, de onde brotará a verdade, e o céu, de onde se inclinará a justiça, para abrir novo caminho à humanidade. O Salmo forma uma unidade, a partir de expressões de pobreza e sofrimento, em torno das preocupações com a terra, no contexto do retorno do exílio, e com a salvação concedida por Deus em forma de perdão misericordioso (VENTURA, 2015). 

Assim termina o Salmo (tradução da Bíblia de Jerusalém, com os termos-chave transcritos do hebraico, entre parêntesis): 

Sl 85 11Amor e Verdade se encontram, Justiça e Paz se abraçam (nashaq = literalmente, se beijam); 12da terra germinará a Verdade e a Justiça se inclinará do céu 13O próprio Iahweh dará a felicidade, e nossa terra dará seu fruto. 14A Justiça caminhará à sua frente, e com seus passos traçará um caminho. (Na tradução Almeida Revista e Atualizada o texto inicia no verso 10). 

As palavras básicas para o conceito de justiça socioambiental são repetidas aos pares, no Salmo: Amor e Verdade (v. 11a), Justiça e Paz (v. 11b), Verdade e Justiça (v. 12), felicidade e fruto (v. 13), Justiça e caminho (v. 14). Todos são vistos como qualidades que o próprio Deus concede aos seres humanos. 

Esses principais atributos divinos – Amor e Verdade, Justiça e Paz – são personificados, isto é, assumem atividades humanas como as de se encontrar, se beijar, inclinar-se, caminhar. 

O contexto histórico do Salmo seria o pós-exílio, quando, ao retornar do cativeiro, o povo sonha com a restauração da justiça e da paz. “Este Salmo promete aos repatriados a paz messiânica, anunciada por Isaías e Zacarias” (Bíblia de Jerusalém, nota f ao Sl 85). 

Diversos paralelos bíblicos reforçam o sentido das palavras do Salmo. O v. 11 possui aproximação muito estreita com outros Salmos: “Justiça e Direito são a base do teu trono, Amor e Verdade precedem a tua face” (Sl 89,15); “Justiça e Direito sustentam seu trono” (Sl 97,2). 

O v. 12 tem como paralelo Isaías, que conclama céus e terra para que se realize a justiça: “derramem as nuvens a justiça” e “faça a terra brotar a justiça!” (Is 45,8). 

Paralelamente ao v. 13b, afirma outro Salmo: “A terra produziu o seu fruto: Deus, o nosso Deus, nos abençoa” (Sl 67,7). E Zacarias faz eco às mesmas promessas: “Porque a semeadura será em paz, a vinha dará o seu fruto, a terra dará os seus produtos, o céu dará o seu orvalho. Eu darei tudo isto em herança ao resto deste povo” (Zc 8,12). 

O mesmo paralelo pode ser ampliado com a proposta de Isaías, de romper as cadeias da iniquidade e do jugo, libertar os oprimidos, repartir o pão com quem tem fome, dar abrigo aos pobres, vestir os nus, com a promessa: “Se fizeres isto, a tua luz romperá como a aurora, a cura das tuas feridas se operará rapidamente, a tua justiça irá à tua frente e a glória de Iahweh irá à tua retaguarda” (Is 58,8). 

Diversos salmos proclamam a justiça e a criação, tanto em forma de louvor por sua importância, quanto em forma de súplica pelo seu estabelecimento. Um outro salmo especialmente ilustrativo para a justiça socioambiental é o Salmo 72, calcado na ideologia real, segundo a qual o rei é o responsável por estabelecer a justiça, compreendida como defesa dos pobres do povo e dos filhos do indigente (Sl 72,4). A função do rei se move entre a promoção do indigente, do pobre e do fraco (v. 12.13) e a consequente justiça e paz (v. 7) com abundância nas colheitas (v. 16). 

O Salmo 147 também propõe a justiça total, com integração de toda a natureza, vegetais, animais domésticos, animais selvagens e seres humanos (Sl 147,8-9). O chão dos salmos, enfim, é riquíssimo para aquilo que Marcelo de Barros Souza e Haroldo Reimer apresentam como “espiritualidade ecológica nos Salmos” (SOUZA, 1995, p. 59; REIMER, 2006, p. 93). 

No Salmo 85, em síntese, a proposta de justiça socioambiental se manifesta como integração entre os valores fundamentais: Amor e Verdade, Justiça e Paz. No versículo final (Sl 85,14) a justiça abre o caminho a ser seguido, isto é, por onde passa a justiça haverá certamente felicidade e paz. 

 

3 Então o lobo morará com o cordeiro (Is 11,6) 

O poema messiânico de Isaías descreve a utopia do novo mundo possível, com harmonia entre toda a criação, inspirado pela força profética, conduzido pelo espírito de infância, para estabelecer um universo paradisíaco de justiça e paz (Is 11,1-9). 

O Messias é anunciado como broto da raiz de Jessé, isto é, da linhagem de Davi (Is 11,1), repleto do espírito de Javé, espírito que se traduz em “sete dons” (v. 2), para trazer o julgamento justo para os fracos e dar sentença em favor dos pobres (v. 4). Sua ação eliminará o ímpio (v. 4), pois, para que a paz se estabeleça, é necessário que a violência dos fortes ceda lugar à ternura dos fracos. 

O texto prossegue com a proposta de convivência harmoniosa entre toda a natureza e os seres humanos, guiados por uma criança. 

Is 11,5 -9: 5A justiça (tsedeq) será o cinto dos seus lombos e a fidelidade (‘emunah), o cinto dos seus rins.  6Então o lobo morará com o cordeiro, e o leopardo se deitará com o cabrito.  O bezerro, o leãozinho e o gordo novilho andarão juntos e um menino pequeno os guiará. 7A vaca e o urso pastarão juntos, juntas se deitarão as suas crias. O leão se alimentará de forragem como o boi. 8A criança de peito poderá brincar junto à cova da áspide, a criança pequena porá a mão na cova da víbora. 9Ninguém fará o mal nem destruição nenhuma em todo o meu santo monte, porque a terra ficará cheia de conhecimento de Iahweh, como as águas enchem o mar. 

A justiça com a fidelidade está na base das relações harmoniosas entre os elementos da natureza (v. 5). Essa harmonia total é a paz tão almejada ao longo de toda a Bíblia e até os dias atuais. Essa paz se reflete na convivência pacífica entre animais selvagens e animais domésticos (v. 6-7), na fertilidade do solo, com pastagens abundantes, gordos animais e crias se reproduzindo (v. 6-7), com o desarme geral das forças da violência, representadas pela extinção da selvageria e do veneno (v. 6-8), e com o sonho de infância, conduzindo um mundo de vivência renovada (v. 6-8). 

A riqueza da simbologia perpassa todas as metáforas poéticas do poema. Não é fácil estabelecer o seu contexto histórico, mas possivelmente se trata de crítica a alguma proposta de restabelecimento da monarquia. A redação aparece como promessa, voltada para o futuro. A proposta se resume num equilíbrio de forças, com desarme de todas as formas de violência, para se estabelecer um fundamento de convivência justa. O fruto dessa justiça será a paz. Caracteriza esse reino baseado na justiça e na paz “um contraste marcante com o império mundial assírio, que é baseado na injustiça e enche o mundo com o barulho da guerra” (RIDDERBOS, 1995, p. 137). 

O arremate final para este projeto de convivência é simbolizado pela metáfora das águas que enchem o mar, como representação da plenitude do bem-viver do ser humano com a natureza. 

 

4 Eu responderei ao céu e ele responderá à terra (Os 2,23) 

O texto de Oseias propõe o diálogo global entre Deus, terra, céu e ser humano. Pode ser compreendido, certamente, com uma proposta de justiça socioambiental, porque envolve todos os elementos da natureza, da humanidade e da divindade. Trata-se de um texto profético, de riqueza ímpar pelo seu estilo literário, valor simbólico e abrangência da proposta. 

Os 2, 23 – 25: 23Naquele dia, eu responderei – oráculo de Iahweh –  

eu responderei ao céu e ele responderá à terra. 

24A terra responderá ao trigo, ao mosto 

e ao óleo e eles responderão a Jezrael. 

25Eu a semearei para mim na terra, 

amarei Lo-Ruhamah 

e direi a Lo-Ammi: “Tu és meu povo”, 

e ele dirá: “Meu Deus”. 

No âmbito da profecia de Oseias, o drama da prostituição marca as relações familiares. A prostituição se estende para as relações sociais, conforme a linguagem profética, onde as famílias são exploradas em sua força de trabalho e forçadas a gerar mão de obra para o estado monárquico (SAMPAIO, 1999). 

Paráfrase dessa situação é o profeta Oseias, que recebe a missão de unir-se a uma prostituta e gerar filhos da prostituição “porque a terra se prostituiu constantemente” (Os 1,2). Dessa união nascem dois filhos e uma filha, que têm nomes simbólicos, Deus semeia (Jezrael), não amada (Lo-Ruhamah) e não meu povo (Lo-Ammi) (1,3-9). Nesses três nomes está retratada a situação do povo naquele momento, gente dispersa, sem misericórdia e longe de constituir uma verdadeira comunidade. 

É então que acontece o diálogo profético, por iniciativa divina, para inverter a situação, com a fertilidade da terra, o restabelecimento da família e a reconstituição do povo. 

O diálogo se estabelece com a utilização do verbo responder, repetido cinco vezes. Deus responde e responde ao céu, o céu responde à terra, a terra responde às colheitas, as colheitas respondem às famílias. 

E nessa resposta que envolve a totalidade dos seres humanos, da terra com seus frutos e da transcendência divina, a situação se inverte totalmente. A dispersão (Jezrael) passa a ser fértil semeadura, a não amada passa a ser objeto de amor e misericórdia e o não povo torna-se povo de Deus. E o diálogo se fecha com a fórmula da aliança entre Deus que declara “Tu és meu povo” e o povo que confirma “Meu Deus” (v. 25). 

Este é, provavelmente, o texto bíblico mais representativo para uma proposta de justiça socioambiental. 

 

5 Novo Testamento 

A proposta de justiça socioambiental se amplia para o Novo Testamento, em diversos textos e tradições. As breves menções aqui apresentadas podem ser aprofundadas com outros textos e novos enfoques. 

A prática de Jesus, como homem inserido numa realidade rural, da Galileia, reproduz, em ditos, parábolas e gestos, muita preocupação com a realidade da natureza, da saúde e do bem-estar integral das pessoas. Podem ser recordadas as parábolas da semeadura e da colheita (Mc 4,1-32), as comparações com as flores do campo e com os pássaros do céu (Mt 6,25-34), as metáforas das redes e da pesca (Mc 1,16-20). Considere-se a preocupação com o pão para saciar a fome do povo (Mc 6,30-44) e as inúmeras curas para reintegrar as pessoas ao convívio familiar e social (Mc 2,1-12). “Dentre as práticas de Jesus, as que mais impressionaram e atraíram pessoas foram as curas de doentes e a partilha da mesa com os pobres, ou seja, pão e saúde” (SCHIAVO; SILVA, 2000, p. 109). 

O apóstolo Paulo propõe um dos mais belos textos que pode ser considerado um programa de justiça socioambiental (Rm 8,18-27). Há ali uma integração total, além de um crescendo, entre a natureza que geme (v. 22), nós que gememos (v. 23) e o Espírito que geme (v. 26). O universo inteiro está integrado num só grito por libertação. 

No final do livro do Apocalipse há um rio de água viva, ladeado por árvores-da-vida, medicinais, que frutificam doze vezes ao ano “e suas folhas servem para curar as nações” (Ap 22,2). Com este final esperançoso, as palavras do Apocalipse encerram a Bíblia toda, na realização de um céu novo e uma nova terra, onde habita Deus conosco, para enxugar toda lágrima (Ap 21,1-7). Integra-se de maneira nova o novo céu com a nova terra, numa convivência justa da humanidade com todo o meio ambiente. Nas palavras da segunda carta atribuída a Pedro: “O que nós esperamos, conforme sua promessa, são novos céus e nova terra, onde habitará a justiça” (2Pd 3,13). 


REFERÊNCIAS 

Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002. 

 PIDOUX, Georges. Un aspect négligé de la justice dans l’Ancien Testament: son aspect cosmique. Revue de Théologie et de Philosophie, Lausanne, Tomo IV, p. 283-8, 1954. 

 REIMER, Haroldo. Toda a criação: Bíblia e ecologia. São Leopoldo: Oikos, 2006. 

 RIDDERBOS, J. Isaías: introdução e comentário. Tradução Adiel Almeida de Oliveira. São Paulo: Vida Nova, 1995. (Cultura Bíblica, 17). 

 SAMPAIO, Tânia Mara Vieira. Movimentos do corpo prostituído da mulher: aproximações da profecia atribuída a Oséias. São Bernardo do Campo; São Paulo: UMESP; Loyola, 1999. (Ciências da Religião, 2). 

 SCHIAVO, Luís; SILVA, Valmor da. Jesus milagreiro e exorcista. São Paulo: Paulinas, 2000. (Estudos Bíblicos). 

 SOUZA, Marcelo de Barros. A terra e os céus se casam no louvor: os Salmos e a ecologia. In: Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana, Petrópolis, n. 21, p. 50-62, 1995. 

 VENTURA, Tirsa. “Para un ecumenismo de gestos concretos”: la justicia y la paz se abrazan. Un estudio del Salmo 85. Disponível em: <http://amlac.org.ar/noticias/2013/090713Ecumenismo.html>. Acesso em: 22 nov. 2015. 

 VITÓRIO, Jaldemir. Monarquia e profetismo: duas instituições em conflito: 1 Rs 21,1-29 – A vinha de Nabot. In: Estudos Bíblicos, Petrópolis, n. 88, p. 84-95, 2005. 

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