Desafios que a partida do Papa Francisco deixa à Igreja

Irmão Marcelo Barros

Para quem crê que o Cristo ressuscitou e a partir daí, toda partida se torna Páscoa e encantamento. Nesses dias, ao pensar na Páscoa do Papa Francisco, diversos sentimentos me vêm ao coração. A primeira sensação é

de ter perdido alguém próximo a quem conhecemos pessoalmente e com o qual convivemos, como no cotidiano da vida. Ele nos habituou a essa comunicação simples e direta.

Antes de tudo, damos graças a Deus pelo testemunho evangélico de Francisco, por tentar, o mais possível, humanizar o Vaticano e a Igreja. Gratidão, principalmente, por ter tentado revalorizar as Igrejas locais e proposto a sinodalidade como modo normal de toda a Igreja ser.

Será necessário um tempo maior para avaliar o quanto o Papa Francisco conseguiu tocar nas mentes e corações das pessoas e renovar a vida e as estruturas da Igreja. Talvez se possa dizer dele o que, conforme os evangelhos, os guardas do templo disseram de Jesus, ao explicarem a seus chefes, porque não o tinham prendido: “Nunca, ninguém falou como esse homem” (Jo 7, 46).

Do mesmo modo que ocorreu com Jesus, o Papa Francisco foi um profeta que falou ao coração de muita gente do mundo. No entanto, nos ambientes eclesiásticos, ainda há muita gente importante que sente, como aquele padre que, já há alguns anos, confidenciou à imprensa: “matar o papa é pecado, mas rezar para que ele morra, não é”.

A extrema polaridade que divide hoje o mundo não entre direita e esquerda, mas entre civilização humana e barbárie, fere profundamente a Igreja Católica e outras Igrejas.

Mesmo entre nós, há irmãos que não se dão conta de que, na Igreja Católica e em outras Igrejas, há uma contradição que é estrutural e diz respeito ao modelo de Igreja que ainda vigora na cabeça das pessoas e na realidade do que é vivido. O papado e a Catolicidade como existe hoje é continuidade de uma organização eclesiástica que vem da Idade Média e insiste em continuar assim, mesmo depois de todas as mudanças do mundo atual. Apesar de todas as tentativas de renovação, feitas pelo Papa Francisco, o Estado do Vaticano é a única monarquia absoluta do Ocidente. E a estrutura monárquica do Vaticano, das dioceses e das paróquias torna muito limitada qualquer iniciativa na linha de “Igreja em saída” e de sinodalidade. Para quem acredita em hierarquia como princípio divino, é quase como pedir a uma roda que se torne quadrada. Como diz o evangelho: “não adianta remendo novo em roupa velha. Para vinho novo, são necessários barris novos” (Mc 2, 22).

Então, não basta nos perguntarmos o que podemos esperar ou desejar do próximo papa. A partir da experiência do Papa Francisco e do seu quase nenhum êxito nos ambientes do clero, é necessário perguntar-nos se é possível ter um Papa sem ser no modelo de Igreja-Cristandade como religião civil, ou se, para cumprir a missão de primaz das Igrejas, será necessário que o papa renuncie a ser chefe de Estado e assuma a função mais humilde de  Bispo de Roma e primaz da comunhão das Igrejas locais em uma futura assembleia eclesial de todo o mundo, realmente sinodal.

Que do céu, o Papa Francisco, a partir da pesada cruz que viveu em seu ministério, interceda por nós para sabermos ser fieis ao Evangelho de Jesus e ao discernimento das novas exigências do seu projeto no mundo.

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