Meu nome é Carlos Mesters e nasci em 1931. Por aí você calcula a idade. Nasci na Holanda e vim para o Brasil em 1949. Sou frade carmelita. Atualmente estou residindo em Unaí, no interior de Minas Gerais. Faço um pouco de tudo, capino o capim que fica na frente de meus pés. Ajudo onde posso ajudar, sobretudo, no trabalho bíblico junto às comunidades.
O que me lembro dos inícios do CEBI é o sentimento de liberdade e de identificação que o povo sentia quando entrava em contato com esta leitura “aparentemente” nova da Bíblia. Dizia uma senhora em Aratuba, Ceará, no fim de um cursinho de Bíblia: “Nem precisou sair do Ceará para a gente entender a Palavra de Deus!”. A reação que ouvi muitas vezes nas reuniões após a leitura de um texto bíblico: “É que nem hoje!”. E ainda: “A Bíblia fala de nós e da nossa vida!”. O que mais impactava era essa leitura feita em comunidade que liga a Bíblia com os problemas da vida e a vida com a Bíblia.
As experiências mais marcantes que me vêm à mente do início do CEBI são estas três: 1) O CEBI nasceu antes de nascer. 2) O primeiro curso de capacitação. 3) O pastor Iranildes, o pastor Jether e Eliseu Lopes.
1. Sim, parece até uma contradição, mas repito: o CEBI nasceu antes de nascer. Já existia quando começou a existir. Ou seja, o jeito de ler a Bíblia, próprio do CEBI, não é invenção do CEBI. Já existia, pois o povo já estava lendo a Bíblia nas Comunidades Eclesiais de Base, ligando o texto bíblico com sua vida e com sua luta por uma vida melhor. O CEBI como organização nasceu para aprofundar, articular e legitimar este jeito popular de ler a Bíblia. É um jeito de ler que, na realidade, não é novo. É mais antigo do que a leitura relativamente nova da exegese científica. A leitura popular parece-se muito com o jeito de ler a Bíblia que o povo fazia no tempo de Jesus. No fundo, este jeito tão simples e popular de descobrir a Palavra viva de Deus na vida é a fonte antiga que existe no fundo do coração do ser humano, de onde nasceu a própria Bíblia, desde os tempos de Abraão e Sara, de Moisés e Miriam. Tem futuro!
2. O primeiro curso de capacitação durou 30 dias. Era em 1978, mês de novembro, em Angra dos Reis. Sendo um curso de quatro semanas, seriam quatro vezes seis dias de trabalho com um dia livre. Por isso, eu me preparei destacando quatro vezes seis assuntos do Antigo e Novo Testamento, um para cada dia, que pudessem ser úteis para os participantes do curso. Eles chegaram, vindos do Brasil inteiro, ao todo vinte. Quando apresentei o programa dos quatro vezes seis assuntos, eles disseram: “Não queremos isso. Queremos refletir sobre a nossa prática de usar a Bíblia com o povo e aprofundar aqueles assuntos que podem iluminar as perguntas que vêm da realidade!”. Foi um choque. Mas eles tinham razão. Formamos quatro grupos de cinco pessoas. Cada grupo escolheu uma pessoa como seu representante na coordenação geral do curso. Iniciamos o curso partilhando a prática de cada um, de cada uma. Em seguida, levantamos os problemas encontrados na leitura da Bíblia junto do povo nas comunidades. Foi a partir destes problemas da prática que elaboramos uma pauta de assuntos da Bíblia, tanto do Antigo como do Novo Testamento, para serem aprofundados nas quatro semanas. Estava presente nesse curso e permaneceu presente na caminhada do CEBI, nossa querida Irmã Agostinha Vieira de Mello.
3.1 Pastor Jether. O CEBI nasceu a partir das conversas de um grupo ecumênico de padres, pastores, pastoralistas, homens e mulheres, chamado Emaús, que, desde o início dos anos setenta até hoje, reúne-se regularmente em Petrópolis para pensar e avaliar os problemas da pastoral das igrejas dentro da realidade concreta de nosso país. Pastor Jether e sua esposa Lucília fizeram parte desse grupo. Foi nesse grupo que surgiu a ideia de se criar o CEBI.
3.2 Pastor Iranildes, casado com Sara, animava a comunidade da Igreja Metodista em Angra dos Reis. Juntos, ele e eu realizamos o primeiro encontro do CEBI. Era num quartinho no convento do Carmo em Angra dos Reis, na metade do mês de junho de 1978. Rezamos o Salmo 146, pedindo a Deus que nos ajudasse nesta tarefa que iniciávamos, sem saber onde iria dar. Acho que Deus ajudou muito. Durante vários anos, o pastor Iranildes ajudou na organização das finanças do CEBI.
3.3 Eliseu Lopes, casado com a Vera, tinha vindo de Goiás Velho, Diocese de Dom Thomas Balduíno, onde havia trabalhado vários anos nas comunidades, animando o povo por meio da Bíblia. Foi a amizade dele com o pastor Jether que o levou até Angra dos Reis para assumir a secretaria executiva do CEBI, desde o início do ano 1979.
O CEBI nasceu no fim dos anos setenta para acelerar e articular melhor o uso que o povo, a seu modo, já estava fazendo da Bíblia. Contribuiu muito para estimular e aprofundar o processo de suscitar, na base, círculos bíblicos, comunidades e grupos de estudo. Mas não nasceu só para reorganizar as tribos de Israel, isto é, só para coisas internas da Igreja. Lembro bem! Desde o primeiro momento, o CEBI foi gerado para se colocar a serviço da caminhada do povo. Nasceu ligado às novas pastorais que estavam surgindo naquela época: CIMI, CPT, CPO, CPP. E, ao longo de sua infância, fiel à sua origem, o CEBI ficava de olho nos Sinais dos Tempos, pronto para acompanhar e animar o movimento popular em vista da formação de uma sociedade mais justa e mais fraterna.
Os primeiros anos do CEBI foram difíceis. Era o fim da ditadura. Estávamos aprendendo, convivendo com o povo nas comunidades, aprendendo com ele como ler a Bíblia ligando-a com a vida. Foram anos de um grande enriquecimento mútuo. Aos poucos, o CEBI foi se organizando nos vários níveis de sua vida e atividade. Criou-se uma organização, um Conselho Nacional, os seis polos, a Assembleia Nacional. Foi aprofundando seu método de leitura da Bíblia. Foi descobrindo como fazer a ligação Bíblia-Vida e criou as várias dimensões: cidadania, gênero, estudo, ecumenismo, ecologia, intercâmbio. Criou um meio para imprimir e divulgar suas descobertas.
Vejo o CEBI como um vento novo que continua sendo novo e cada vez mais novo diante do fechamento que a gente observa hoje tanto na sociedade como nas igrejas. Comparo o CEBI com o pé de figueira que fica na calçada em frente à nossa Igreja em São Paulo. É uma árvore frondosa, tranquila, balança pouco, que dá sombra para todos que passam perto dela. Mas suas raízes, invisíveis e silenciosas, estendem-se longe debaixo do chão e estão rebentando o asfalto. Cada vez de novo, alguém coloca um pouco de cimento ou conserta as rachaduras, mas a raiz continua seu serviço de subverter e de rebentar toda a tentativa que procura abafar o desejo de liberdade do povo. O começo do CEBI continua vivo e ativo: libertado de muitos medos e pesos, o povo quer respirar e reassumir com liberdade os compromissos de sua fé. Ninguém vai conseguir impedi-lo.
Esse texto é uma adaptação feita por Fatinha Castelan de uma entrevista de Frei Carlos Mesters publicada no PTP 184, ano 2011.