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Teologia: melhor atriz coadjuvante

Gerrit Spallek é doutorando no Departamento de Teologia Católica da Universidade de Hamburgo, onde também trabalha como pesquisador com encargo de ensino. Desde 2016 é membro da redação da revista teológico-pastoral Feinschwarz.

A contribuição de Gerrit Spallek continua o debate suscitado pelo artigo de Marcello Neri, sobre o papel da teologia em relação ao futuro do cristianismo, que foi seguido pelos artigos de M.G. Masciarelli, de J. Deibl, de Ch. Theobald e de A. Torres Queiruga.

Eis o artigo.

Gostaria de tentar enquadrar o diálogo sobre o papel da teologia, iniciado com a contribuição de Marcello Neri,no contexto alemão – onde cresci e trabalho. Espero ainda conseguir oferecer algumas ideias que poderiam ser interessantes e úteis aos leitores e leitoras italianos.

Na Alemanha, a teologia está vivendo uma estação de final de outono. À primeira vista, a situação parece sustentável. É verdade que as horas de luz vão ficando cada vez mais curtas, e disso se dão conta especialmente os teólogos e teólogas mais jovens dentro da academia. Mais ou menos os da minha geração, que estão escrevendo ou concluíram recentemente seu doutorado.

Fim do outono

A parte isso, aqui entre nós, a teologia acadêmica ainda parece bem assentada. Considere-se, por exemplo, a riqueza e a pluralidade de cátedras nas fortalezas teológicas do nosso país – o que pode causar inveja, especialmente quando se tem a liberdade de pensar e compreender o fenômeno integral, olhando transversalmente através das confissões. Em dias nublados de chuva, no entanto, o olhar sobre o futuro torna-se mais sombrio. Já há tempo decidiu-se, de fato, a lenta morte das faculdades teológicas.

Esta condição ameaçadora não parece lidar, em primeiro lugar, com o fato de que na academia e no discurso público queremos tirar o caráter de ciência do conhecimento da fé. Muito mais importante é a percepção do conteúdo e das áreas de pesquisa da teologia que perderam seu significado e importância pelas perguntas de perfil social, pela auto compreensão e ajuste existencial da pessoa, e também pela prática pastoral.

A importância e o significado dos conteúdos da investigação teológica não é, no entanto, colocado em questão, nem em nível das políticas de formação, nem no da cultura e da universidade. Por outro lado, a natureza científica da teologia nem é medida aqui. O debate sobre sua importância ocorre noutro lugar, e noutro lugar torna-se óbvio: exatamente onde é muito mais perigoso para uma disciplina universitária.

A razão econômica universidade

Simplesmente, à teologia vêm menos estudantes. Pelo menos desde a reforma universitária, que atende pelo nome de “Processo de Bolonha”, os estudantes significam número de inscritos, e isto, por sua vez, significa dinheiro. Mesmo as concordatas não podem proteger eternamente as instituições teológicas diante da necessidade de ter que jogar pelas novas regras que regem a academia. Se uma disciplina de estudo cai abaixo do número mínimo de alunos matriculados que a torna plausível, dentro deste novo quadro, ela pode perder a paridade em um instante.

Mas de onde vem a falta de estudantes de teologia? A resposta é certamente complexa e possui muitas dimensões. Se posso citar as razões pelas quais a teologia acadêmica é responsável, ela o é apenas até certo ponto: em primeiro lugar a secularização. Mas há outras razões que, na minha opinião, estão agora evidentes: se os alunos interessados na oportunidade de frequentar uma faculdade de teologia não percebem a relevância (relevância, veja bem, e não utilidade) do seu estudo, não só para a sua própria auto compreensão, mas também para uma qualificação ao trabalho, de onde deveriam vir então as motivações intrínsecas para este tipo de estudo?

Acrescente-se a isso a continua progressão de um novo setor formativo, com grandes repercussões sobre todo panorama universitário: o estado funcional dos professores, socialmente apreciados, mas academicamente considerados, com frequência, como risíveis.

Sem estudantes que queiram tornar-se professores de religião nas escolas, muitas das instituições teológicas nas universidades alemãs teriam fechado suas portas. Há muito que este tipo de estudante é a grande maioria dos alunos matriculados na disciplina teológica.

Estudar para ensinar nas escolas: uma teologia menor?

Para a formação deste novo corpo docente para as escolas foram abertos departamentos de teologia em cidades que nem seriam consideradas para uma fundação daquela clássica instituição que é a faculdade teológica. Muitos veem nos estudantes do magistério, matriculados também na teologia, teólogos/teólogas menores, deficitários, caracterizados também na maneira de falar: há os verdadeiros estudantes de teologia, e há, também, estudantes de magistério que fazem teologia.

Estes últimos estudam teologia só parcialmente, como algo ao lado de outras disciplinas. Uma certa visão das coisas acusa-os a dividir seu foco acadêmico, onde a teologia passaria a ser algo secundário, colocada ao lado das outras.

Mas precisamente por isso os estudantes de magistério trazem algo que poderia ser o futuro da teologia acadêmica. Porque estes, na verdade, não estudam somente teologia, mas ao lado dela, também uma segunda, e às vezes, uma terceira matéria. Este aspecto que perturba os especialistas da disciplina teológica, deveria, na verdade, ser considerado uma riqueza.

Porque na mistura das disciplinas, típico dos estudantes que vão, então, ensinar nas escolas, o que ouvem e aprendem nas lições de teologia encontra-se imediatamente entrelaçado com os conteúdos diferentes das outros matérias.

Uma teologia “ao lado …”

Depois da Teologia Fundamental começam as aulas de Introdução à Sociologia, ou aquelas de Planejamento geográfico dos bairros da cidade. Antes da Introdução ao Antigo Testamento pululam na cabeça temas da biologia molecular. Talvez esses estudantes pudessem ter sucesso lá onde, muitas vezes, professores e professoras capitulam: construir relações transversais entre as disciplinas, descobrir o significado existencial do que foi aprendido para o mundo da vida, prestar atenção a tudo isso e, a partir dali, pensar teologicamente percursos ulteriores.

Se a teologia não se perder em autocompaixão por não ser mais o Big Player dos próprios alunos, mas aprender a ser uma Atriz Coadjuvante, então ela terá algo a oferecer aos alunos e alunas universitários. Algo que pode tornar a teologia, como matéria secundária, (não só para os estudantes de magistério) extremamente atrativa.

A teologia pode ser interessante não só porque seu estudo é importante para a auto compreensão de si mesmo, para encontrar um ajustamento à sua história de vida; mas também porque através do estudo da teologia se abrem horizontes para uma melhor compreensão das outras disciplinas estudadas tendo em vista o ensino nas escolas.

A razão disso é óbvia e, ao mesmo tempo, extremamente atual: a realidade da nossa vida hoje tornou-se muito mais complexa e multidimensional do que era há cerca de 20 anos atrás.

Nesta sentido, a teologia seria um partner discursivo bem sucedido em sua própria tarefa, se não ficar sozinha consigo mesma. Teólogos e teólogas estão agora procurados parceiros de diálogo, tanto no meio acadêmico como na sociedade e no mundo da cultura.

A percepção dos outros

Nesses lugares, porém, não é possível sobreviver se se considerar indispensável em si mesmo. Para participar no diálogo social e cultural os outros devem perceber a competência teológica como boa e útil no seu interno.

Não se trata de uma participação confortável, lucrativa ou descomprometida. O que importa é que as universidades e cidades sintam que vale a pena a presença de institutos teológicos nos lugares comuns da vida humana. Quem se redescobre apenas um parceiro de diálogo, e se liberta do fardo de ter que camuflar-se em um Big Player onisciente, com maior facilidade encontra o caminho para passar de uma atitude de doutrinação a uma de aprendizagem.

Isto aplica-se também na realidade da vida das cidades em que teólogos e teólogas vivem e estão empenhados para além do seu ofício. Nas publicações encontram-se com frequência indicações de lugar. Eles geralmente são colocados após o nome do autor/autora, e marca o lugar onde essa pessoa ensina ou está ativa profissionalmente. Esta indicação refere-se a reputação do autor/autora que se destaca mais se ensina em uma faculdade conhecida e de renome.

Indicação do lugar: o ser humano que vive concretamente

Mas o que aconteceria se essas instituições teológicas famosas perdessem prestígio, no futuro, e se tornassem realidades menores no grande mundo da academia? Neste caso, a indicação do lugar mudaria automaticamente sua direção semiótica indicativa.

Tratar-se-ia, neste caso, de um envio simbólico às redes em que a pessoa está envolvida enquanto partner de diálogo, por um lado, e por outro, à realidade concreta de vida que se encontra em sua atividade e que, por sua vez, pode se tornar o ponto de partida ou de referência do seu trabalho teológico.

A indicação do lugar, portanto, não seria mais a etiqueta de um prestígio autorreferencial, mas o envio para os muitos contextos em que são gerados os temas e pensamentos tratados nas publicações: contextos em que estes temas são testados e são formulados. Este lugar pertenceria mais à contribuição publicada que ao nome e ao posto da pessoa que o escreveu.

Isso se tornaria um implícito lugar teológico. Ao mesmo tempo, este lugar também remeteria para a constelação multifacetada em que a teologia, como um partner de diálogo, se deveria envolver, se quiser enfrentar o debate sobre sua própria relevância e plausibilidade de maneira nova e inédita.

Fonte: O artigo é publicado por Settimana News, 23/07/2017. A tradução é de Ramiro Mincato. Publicado pelo portal do Instituto Humanitas.

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