Notícias

Religião e política: lições de 2014

Religião e política: lições de 2014
Parafraseando um jargão famoso, nunca na história deste país a religião esteve tão em evidência numa campanha eleitoral. Por isso, este tempo reveste-se de importância como fonte de aprendizado, particularmente para o segmento cristão, que esteve em destaque neste contexto, e, mais especificamente ainda, o grupo evangélico. De tudo o que acompanhei e pesquisei nos últimos meses, disponho-me aqui a listar pelo menos duas lições do processo eleitoral 2014. Elas podem servir para reconstruir posturas e discursos em futuros pleitos, mas também para lidar com os temas religiosos no cotidiano.

1 – Pela primeira vez, dois candidatos à Presidência da República são identificados como evangélicos, e mais de 300 vinculados a este segmento se candidataram a cargos nos diferentes níveis. Porém, ao nos referirmos a “evangélicos”, não estamos tratando de um grupo monolítico, único, coeso. É uma teia formada pelos mais variados fios, que representam teologias, práticas, costumes, visões de mundo, estruturas organizacionais as mais diversas. Portanto, é um grande equívoco (quando não, má-fé para conduzir campanhas oportunistas) referir-se a “voto evangélico” ou a “preferência política/apoio político dos evangélicos”. Isso não existe. Basta acompanhar chamadas sobre as campanhas das duas principais candidatas: “evangélicos apoiam Marina Silva”; “evangélicos apoiam Dilma Rousseff”. Essa diversidade não só se distribui entre partidários das candidatas como se manifesta no perfil dos próprios grupos que as apoiam. E ainda sobram adesões para Aécio Neves e para o Pastor Everaldo. Aprender a ver os evangélicos com um grupo fragmentado e diverso é uma primeira lição a ser tomada, que ajuda a superar ações de má-fé política.

2 – No mesmo sentido, não é possível identificar um representante dos evangélicos; alguém que possa falar pelo segmento ou que seja apontado como “formador de opinião dos evangélicos”. E esta foi uma armadilha que “engoliu” as grandes mídias noticiosas. Tendo na imaginação a estrutura hierárquica do Catolicismo Romano, que começa no Papa e passa por cardeais, arcebispos, bispos e organizações como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que falam pelo segmento católico, jornalistas, desconhecedores do mundo evangélico, buscaram a fala de um representante. E deram voz a quem pautou as mídias com declarações conservadoras em torno de temas da moralidade sexual. Foram muitas as matérias e entrevistas com um dos pastores do universo pentecostal credenciando-o como tal. No entanto, esse líder não só não representa os evangélicos, mas também gera controvérsias dentro e em torno desse grupo religioso com sua postura desrespeitosa e bélica em relação a quem pensa e age diferente do que ele prega ser a religião verdadeira. E com isso, as teologias, práticas e visões do mundo que estão entre os evangélicos em direção oposta, com solidariedade, humildade, misericórdia, busca da justiça, ficaram invisíveis. Aprender que as muitas vozes devem ser ouvidas com o mesmo grau de destaque é outra lição das eleições 2014 no que diz respeito aos evangélicos. Vale também para outros segmentos sociais.

Poderíamos elencar outras lições, como o abuso do uso da retórica do terror para fazer campanha de oposição religiosa a avanços sociais; o pragmatismo nos apoios de líderes religiosos a candidatos a cargos majoritários; a participação ativa nas mídias sociais com debates saudáveis e estimulantes; também os discursos rasos nesses mesmos espaços, por vezes marcados pela intolerância e pelo ódio ao diferente. Por ora, em se tratando de política, vale a inspiração da referência maior dos cristãos, Jesus de Nazaré: “sede, portanto, prudentes como as serpentes e símplices como as pombas” (Mateus 10.16).

Nenhum produto no carrinho.