Amanhã começa a tão falada Copa da FIFA. Embora não a reconheça como torneio mundial, não é bem disso que pretendo falar. O que tem me irritado é o cansativo refrão dos que teimam em fazer alarde sobre os gastos com a construção dos estádios. O que há de legítimo em tamanha preocupação com o dinheiro público?
Pouco antes da condenação e crucificação, Jesus passa por uma situação onde – segundo três dos quatro evangelhos – é criticado por seus próprios discípulos. A narrativa, comum e, ao mesmo tempo, muito particular a cada um dos quatro evangelistas, está em Mt 26,6-13; Mc 14,3-9; Lc 7,36-50; Jo 12,1-8. Uma mulher (anônima, dizem os sinóticos; pecadora, segundo Lucas; Maria, irmã de Lázaro e Marta, afirma João) unge a cabeça (ou os pés?) do Nazareno com um óleo caríssimo (nardo, perfume ou mirra?). Alguém (sejam os discípulos, o anfitrião, ou mais especificamente Judas Iscariotes) condena a atitude da mulher mas, principalmente, a conivência do Mestre. Exceto Lucas, a queixa é a mesma: daria para construir hospitais… digo… daria para transformar esse óleo em dinheiro – muito dinheiro – e doá-lo aos pobres. Hum… Acusação similar à de um certo refrãozinho, não!?
Num primeiro momento, a resposta de Jesus parece de um conformismo extremamente oposto ao que vinha pregando até então: “Os pobres sempre estão (estiveram e estarão) com vocês!” Por um lado, somos levadas e levados a crer que não importa o que façamos para melhorar as coisas: sempre haverá pobres em nosso meio. Mas, por outro lado – e aí é necessário pôr em prática o senso crítico para se chegar a esta conclusão – a frase enigmática do Messias pode estar a nos provocar: os pobres sempre estiveram aí, e vocês nada fizeram por eles; por que, agora, tamanha preocupação?
Paremos pra pensar em quem mais repete este refrão. Não é a oposição ao governo que está aí? E essa mesma oposição não era governo até outro dia? Essa mesma oposição não esteve anos e anos no poder? O que fizeram pelos pobres? Onde estão os hospitais e escolas que eles construíram? João, que põe a queixa contra Jesus e a mulher na boca de Judas Iscariotes, é quem melhor explica o real motivo para tanto alarde. Segundo ele, Judas era o chefe do Congresso… digo… o responsável pela bolsa comum. Com a venda do óleo, o dinheiro depositado nela poderia ser embolsado facilmente. Entendido por que tanto chororô?
Ok, sejamos francos: a construção dos estádios não tem uma função tão nobre quanto a do óleo (seja lá qual tenha sido) que ungiu Jesus. Dilma e Lula, aliás, estão longe de ser o Messias. Mas vamos procurar entender por que a oposição está fazendo tanto barulho em relação a isso. E vamos procurar pautar a crítica sobre esse megaevento pela ótica popular. É nossa missão, como anfitriões, perguntar o que essa Copa vai nos trazer e o que vai levar de nós. Alguém aí já assistiu O Banheiro do Papa? A história é interessante (clique aqui para ver o filme). Uma cidade uruguaia muito pobre, fazendo fronteira com o Brasil, prepara-se para receber a visita do Papa. A expectativa é muito grande, principalmente porque, atrás dele, virá uma multidão de brasileiros. Os uruguaios veem uma oportunidade de fazer dinheiro com o acontecimento. O protagonista, um homem muito humilde, resolve construir um banheiro. Espera alugá-lo para os romeiros. Gasta as parcas economias da família no investimento. Chegado o grande momento, a visita dura poucos instantes, ninguém lucra nada e, quando estão indo embora, os brasileiros ainda deixam atrás de si uma grande desordem e sujeira. Aos nativos resta limpar a bagunça. Para este senhor, pai de família, a situação é ainda pior, pois gastou o que não tinha e não obteve nenhum retorno. Será que não estamos indo para o mesmo caminho? Há pouco tempo, uma camiseta publicitária sugeria facilidades para o turismo sexual em nosso país. De que forma podemos nos precaver do turismo predatório? Os nossos pobres estão sendo despejados para “embelezar” as áreas por onde deverão passar os turistas e delegações. Como garantir que sejam devida e dignamente realocados? Há centenas de pessoas voluntárias trabalhando em função da Copa. Será que não se faz necessário também um voluntariado para combater, entre outros, o ambiente facilitado para o tráfico humano? A FIFA escolheu o tatu-bola como mascote da Copa 2014. Você sabia que ele é um animal com risco de extinção? Que tal solicitarmos à FIFA que aproveite o ensejo para motivar uma campanha de preservação da espécie? Essas são só algumas questões. Ao ler estas linhas, tenho certeza de que você poderá enriquecer a lista com preocupações e precauções. Mas o principal é nos perguntarmos: como combater a prática exploratória externa (a entidade FIFA e tudo o que vem junto com ela) e interna (caso dos nossos Judas Iscariotes) que oprimem e empobrecem ainda mais o nosso povo?
É disso que se trata, afinal. Como vimos, os textos bíblicos não concordam em praticamente nada. Nem em quem eram os anfitriões. No texto de João, são os irmãos Maria, Marta e Lázaro. Em Marcos e Mateus, é um tal de Simão, o leproso. Só para constar, leproso é também o significado do nome Lázaro. Mas Lucas, para garantir definitivamente o nó na nossa cabeça, nada fala sobre a doença e diz que esse Simão é um fariseu. Entretanto, apesar de tantas divergências, num ponto todos concordam: Jesus estava em Betânia, que significa “Casa dos Pobres”. Que lugar interessante para afirmar que os pobres sempre estarão conosco. É como se Ele dissesse: Só agora vocês repararam que os pobres existem? Vocês querem hospitais e escolas para eles; mas já se perguntaram o que eles querem? Vocês costumam frequentar Betânia, isto é, a casa dos pobres? Vocês conhecem a realidade dessa gente? Ou seja, quando Cristo diz que os pobres estão em nosso meio, Ele também quer perguntar: E vocês? Estão com(a FIFA ou com) os pobres?