Diversos movimentos sociais, partidos e outras organizações se reuniram, então, para propor e organizar um Plebiscito Popular para uma Constituinte Exclusiva sobre a Reforma Política. Nesse sentido, é preciso pensar em que tipo de Reforma Política que nós queremos. Nosso objetivo é radicalizar a democracia, ampliando os espaços de participação da população.
04/02/2014
Por Maria Júlia Montero
Da Marcha Mundial das Mulheres
O mês de junho nos mostrou sinais de um ascenso da luta política de massas no Brasil. Inúmeras pautas foram colocadas nos protestos por todo o Brasil, e ficou claro que o povo brasileiro clama por reformas estruturais, que não foram levadas a cabo pelos governos petistas nos últimos dez anos. Apesar de algumas reformas importantes, programas sociais que ajudaram a elevar o nível de renda da população brasileira, o Estado permanece dominado pelo poder econômico, patriarcal, empresarial.
Os protestos nos mostraram o quanto a população está cansada do modo atual de se fazer política. Não se tratam somente de reivindicações pontuais como o aumento da passagem (mas também sobre isso), mas sobre como se organiza o próprio sistema político – que acaba permitindo e até facilitando a existência de problemas como esse.
Em resposta aos protestos, Dilma anunciou a proposta de se realizar um plebiscito para uma constituinte sobre a Reforma Política. Infelizmente, por pressões da oposição e até por parte de sua base aliada, a presidenta recuou na proposta.
Diversos movimentos sociais, partidos e outras organizações se reuniram, então, para propor e organizar um Plebiscito Popular para uma Constituinte Exclusiva sobre a Reforma Política.
Nesse sentido, é preciso pensar em que tipo de Reforma Política que nós queremos. Nosso objetivo é radicalizar a democracia, ampliando os espaços de participação da população. Nesse sentido, é preciso que reivindiquemos uma Reforma Política que vá além de uma Reforma Eleitoral, mas que sirva para questionarmos o modelo de Estado que temos.
Tendo isso posto, nós, feministas, temos uma tarefa de extrema importância: apontar horizontes para a despatriarcalização do Estado. A Reforma Política é um momento crucial de colocar em xeque as estruturas do Estado, que não só são capitalistas, como também patriarcais. Se queremos fazer um real enfrentamento com as elites brasileiras, é preciso questionar a fundo o modelo de Estado, e não é possível fazer isso sem fazer um questionamento norteado também pelo feminismo.
Este texto tem o objetivo, portanto, de fazer alguns apontamentos de como a Reforma Política pode representar avanços na despatriarcalização do Estado no Brasil e na luta das mulheres por autonomia. Para tanto, antes de entrar propriamente no debate sobre a despatriarcalização, passaremos rapidamente por alguns conceitos necessários para o debate.
O que é o Estado
O Estado, segundo Lenin, é "produto do caráter inconciliável das contradições de classe". Ele surge justamente a partir do momento em que essas contradições não podem ser conciliadas. Suas instituições servem, portanto, para segurar essas contradições, mantê-las "abafadas" e, assim, garantir a manutenção da classe dominante. Ou seja, as contradições estão lá, e o Estado não acaba com elas, mas consegue mantê-las sob controle justamente para perpetuá-las.
Nos opomos, portanto, à visão de Estado que afirma que ele é, justamente, aquele que concilia as classes. Muito pelo contrário: o Estado é um órgão de dominação de classe, da opressão de uma sobre a outra, e não de conciliação. "privar as classes oprimidas de certos meios e procedimentos de luta com o objetivo de destruir os opressores" – que é o papel do Estado – não significa acabar com as contradições existentes entre oprimidos e opressores, muito pelo contrário.
O Estado é, portanto, instrumento das classes dominantes. Ao considerarmos a existência de uma dominação não somente de classe, mas também de gênero e raça, é preciso considerá-lo como um instrumento não somente da dominação burguesa, mas também da dominação masculina e branca – questão sobre a qual nos debruçaremos mais para a frente.
O que é o patriarcado
Antes de falarmos em despatriarcalização, é preciso que entendamos o que é patriarcado. Trata-se de um sistema que estabelece uma relação antagônica entre homens e mulheres, colocado-as como subalternas aos primeiros. Organiza a sociedade e o Estado ao redor da superioridade masculina. Essa superioridade e o domínio masculino se dão em todos os âmbitos (econômico, político e cultural), e em todas as relações sociais (família, comunidade, instituições etc); é pilar, portanto, da forma como se organiza nossa sociedade, desde o Estado até os padrões de sexualidade.
Baseia-se, essencialmente, na divisão sexual do trabalho, que divide ocupações e comportamentos segundo o sexo, estabelecendo, ainda, uma hierarquia entre eles. As ocupações ditas masculinas são as mais valorizadas, relacionadas ao espaço público (política, igreja, posições de "liderança"), e as ditas femininas são as mais desvalorizadas, relacionadas principalmente ao que diz respeito aos trabalhos de cuidados, ao espaço privado, mais mal pagas etc. Baseia-se, ainda, em uma construção social do corpo que objetifica as mulheres, justificando a violência e a apropriação do seu corpo por parte dos homens – como a prostituição, por exemplo.
O patriarcado é maleável, e se adaptou às diversas formas de organização econômica, social, cultural e política que surgiram ao longo da história, mantendo a relação de desigualdade entre homens e mulheres. Hoje, é parte estruturante do sistema capitalista, não sendo possível analisar um sem o outro.
O que significa a despatriarcalização do Estado?
A partir de uma perspectiva que leva em consideração o nó gênero, raça e classe, entendemos que as instituições vigentes não somente operam segundo interesses de classe, mas também de gênero e raça. Nesse sentido, o Estado não é cego com relação ao gênero, ao contrário: por baixo de uma suposta universalidade está uma estrutura que opera para manter e invisibilizar a subordinação das mulheres aos homens.
Nesse sentido, é necessário a existência de mecanismos que mostrem, institucionalmente, o reconhecimento do machismo enquanto presente na vida de todas as mulheres. Há, por exemplo, a Secretaria de Políticas para as Mulheres, do Governo Federal, um indício de que, por parte do poder público, há a percepção da desigualdade de gênero e da necessidade de superá-la – e de que, para isso, é preciso que haja políticas específicas para as mulheres.
A despatriarcalização – considerando que se trata, ainda, de um conceito em construção – consiste em, basicamente, criar políticas e iniciativas que desconstruam ao máximo o caráter patriarcal do Estado. Por exemplo, a articulação dos diferentes ministérios com a SPM, a fim de transversalizar uma perspectiva feminista, é uma iniciativa de despatriarcalização do Estado; podemos considerar como parte desse processo também a Lei Maria da Penha.
Como a Reforma Política pode contribuir com a despatriarcalização do Estado?
Como dito inicialmente, a Reforma Política servirá para questionarmos profundamente as estruturas do nosso Estado, portanto, servirá também para questionarmos suas bases patriarcais, possibilitando mudanças estruturais.
Elenco, aqui, alguns pontos que acredito serem necessários para que a Reforma Política paute a despatriarcalização do Estado. Obviamente, não são os únicos, portanto, o movimento feminista deve se debruçar mais sobre essa pauta a fim de construí-la com mais firmeza.
1. A participação política das mulheres nos meios institucionais.
Este é o ponto que tem sido mais abordado pelo movimento feminista. A luta das mulheres por mais espaço na política não começou hoje, muito pelo contrário; inclusive, nesse aspecto, a própria Reforma Política não é um tema novo para o feminismo.
A política tem sido, historicamente, um lugar predominantemente masculino. São inúmeros os obstáculos impostos às mulheres com relação à participação política. Marlise Matos (2013) afirma que a eleição de candidatas femininas é uma verdadeira corrida de obstáculos, tamanhas as dificuldades
A primeira seria a barreira da ambição política, a avaliação das próprias mulheres com relação à possibilidade de competição – o que já é um indício de como a política se coloca para as mulheres: algo desgastante, que faz muitas pensarem se vale ou não a pena se inserir nesse meio.
A segunda trata principalmente das barreiras impostas pelas estruturas do sistema político-partidário e a da elegibilidade.
Podemos afirmar com tranquilidade que dificilmente os partidos colocam mulheres como suas candidatas principais, dessa forma, não se esforçam em publicizar suas candidaturas, em dar apoio básico. Ainda, aqueles que financiam as campanhas eleitorais dificilmente apostam suas fichas em candidaturas novas, ainda mais femininas. Aqui, elencamos o primeiro ponto importante a ser pautado pela Reforma Política: o financiamento público de campanha. Com ele, haverá igualdade entre as/os candidatas/os, cuja eleição não dependerá do apoio de uma empresa ou outra, que terá preferência por homens brancos e heterossexuais.
Outro ponto a ser considerado é amudança de lista aberta para a lista fechada comalternância de gênero. As cotas por sexo muitas vezes resultam em candidatas laranja, que estão lá só para o partido cumprir com uma norma, mas não para de fato garantir a participação das mulheres nas eleições. Dessa forma, a lista fechada é importante porque faz com que a votação não seja individual, mas em um grupo – o que acaba (ou ao menos dificulta) com a personalização que ocorre nas eleições, em grande parte responsável pela invisibilização das mulheres.
A alternância de gênero significa que essa lista será formada por homens e mulheres, de forma alternada e paritária. O partido decidirá, de acordo com seus critérios, qual será o primeiro, o segundo, terceiro candidato, mas, se o primeiro for homem, o segundo deverá ser uma mulher, e vice-versa. Dessa forma, garante-se que as cotas por sexo não serão secundarizadas pelos partidos, e que as candidatas mulheres tenham real possibilidade de se eleger. Podemos, ainda, falar sobre aspossibilidades de reeleição. O estimulo à renovação de mandatos abre maiores possibilidades para as candidatas mulheres, afinal, a maioria dos que já participam da política e que poderiam se reeleger são homens. Limitando essa possibilidade, grupos marginalizados da política, como as mulheres, a população negra, lgbt e a juventude aumentam suas chances de eleição.
Muitos irão argumentar que a não eleição das mulheres é de responsabilidade do eleitorado, que é conservador e não vota em candidatas femininas. Embora isso seja em parte verdade, não pode ser colocado categoricamente como o principal motivo da não elegibilidade das mulheres. Na pesquisa "Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado"[1], foram feitas algumas perguntas com relação à participação política das mulheres, com os seguintes resultados:
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78% das mulheres e 76% dos homens entrevistados concordam com a frase "As mulheres estão preparadas para governar o país, o estado e a cidade"
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70% das mulheres entrevistadas concorda com a frase "A política seria melhor se houvesse mais mulheres em postos importantes". Já entre os homens, o número é 49%..
No ponto "Potencial de voto x Rejeição", 92% de mulheres e 91% de homens afirmam que poderiam votar em uma mulher. Vale ressaltar que 96% e 94%, respectivamente, votariam em candidatas/os negras/os.
Nesse sentido, podemos afirmar que a não eleição de mulheres não se deve somente ao conservadorismo do eleitorado, mas também às dificuldades impostas pelo sistema eleitoral. Uma Reforma Política deve, portanto, fazer as devidas mudanças nesse sistema para possibilitar um aumento da participação feminina nas eleições.
São muitas as pautas que podemos discutir com relação à Reforma Política, para além da questão da participação das mulheres na política institucional. Na nossa opinião, a participação política das mulheres não pode vir desvinculada de um projeto de transformação da sociedade – um projeto feminista. Por isso, faz-se necessário pensar a Reforma Política para além de uma reforma eleitora. Nos debruçaremos, portanto, sobre vários temas: o estado laico, o judiciário e a violência contra a mulher, entre outros, para entendermos o funcionamento do sistema político brasileiro, e conseguir propor soluções que, ainda que parciais, trarão mudanças profundas na vida das mulheres brasileiras.
*Maria Julia Montero é estudante da Letras USP e militante da Marcha Mundial das Mulheres.
Link da publicação do artigo: http://www.brasildefato.com.br/node/27346
De: SGeral [mailto:[email protected]]
Enviada em: terça-feira, 4 de fevereiro de 2014 18:19
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Assunto: Vejam artigo e reflexoes de Maria julia Montero,da MMM, sobre a necessaria reforma politica e a despatriarcariza~ção do estado Brasileiro, no Brasil de fato 4 fev 14