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7 de setembro: A contínua luta pela pátria independente

por Alexandre A. Martins*

Viver fora do próprio país tem seu preço, sobretudo para uma pessoa que ama o Brasil como eu. Também tem seus benefícios, pois, afinal de contas, não posso ser hipócrita e dizer que estou fora do Brasil contra a minha vontade. Não fui exilado, apesar de às vezes me sentir assim.

Não saí fugido nem obrigado; saí como que num movimento de obediência ao amor fati, a um contexto ao qual nunca pensei que viria regredir, como vejo agora, pois saí para voltar, mas a regressão histórica dos direitos no Brasil me faz permanecer fora por mais um tempo, algo do amor fati. Mas isso não vem ao caso agora. A questão do amor e da obediência ao destino fica para outro texto. O fato é que estou fora do Brasil, mas parece que nunca estive tão dentro dele, pois vivo, minuto a minuto, tudo o que se passa no Brasil, algo que talvez não ocorreria antes da era da internet. Se viver fora do próprio país tem seu preço, tem também o ganho de adquirir maior ciência das suas mazelas e belezas; mas, no meu caso, isso me deixa também muito ácido, apesar de crescer no amor pelo Brasil. Dentro dessa relação ácida e amorosa, o despertar de novas reflexões traz novo lampejos de conscientização, como a clareza de que o Brasil não é um país independente, como pensam aqueles que celebram o grito do Ipiranga de 07 de setembro de 1822.

Cresci com o 07 de setembro sendo um momento para gritar, mas com o grito dos excluídos que clamam por independência com liberdade e justiça. Frequentemente, falo para os meus amigos não brasileiros que o dia da Independência no Brasil não é um dia de celebração, mas de protestos. Certamente me equivoco com essa afirmação, pois ela representa a minha experiência e a de muitos excluídos, juntamente com a dos amantes de uma pátria verdadeiramente soberana e independente, para os quais a luta pela independência ainda é um projeto inacabado. A minha experiência é bem diferente da de muitos outros, como a dos membros da família Bolsonaro, por exemplo, que acreditam celebrar a independência do Brasil.

Esses não poderiam representar o povo brasileiro sofrido, o qual, desde a invasão portuguesa e o início de uma miscigenação forçada, iniciada por meio do estupro das mulheres nativas e das traficadas da África cometido pelo europeu branco. Mas, como o povo da Terra de Santa Cruz, que se tornaria o Brasil, sempre soube ser resiliente, o que iniciou como crime levou a criação de um novo povo, o “Povo Brasileiro”, um novo povo nascido da mistura de raças, como diria Darci
Ribeiro. Porém, nem essa mistura foi suficiente para criar uma nova nação independente, livre do racismo e da exploração.

Eduardo Galeano, referindo-se à toda América Latina, disse algo que se aplica muito bem ao Brasil, o que não me surpreende, pois também somos latino-americanos: a elite latinoamericana se contenta com os favores da metrópole em troca de toda a riqueza da América Latina. No país da “independência” do filho em relação ao pai, que desejou seu próprio reino e depois o largou para ser rei no reino do pai (vale lembrar as aulas de história, segunda as quais Dom Pedro I, diante da crise no seu “império”, fugiu para ser Dom Pedro IV de Portugal, deixando o Brasil às mínguas para seu filho de 5 anos), as riquezas da terra sempre foram para elevar a sua elite que, apesar de miscigenada no sangue muitas vezes não visível na cor da pele, sempre foi racista, machista e exploradora do povo que melhor representa o povo brasileiro, os pobres. Essa elite, que alguns chamam de elite vira-lata, hoje bem representada pela família Bolsonaro, tem usado das riquezas naturais e também daquelas produzidas pelos trabalhadores para agradar os impérios colonialistas (no passado) e o imperialismo (no presente). Não é à toa que Bolsonaro gosta tanto de agradar o presidente estadunidense Donald Trump com presentinhos, como a Base de Alcântara, no Maranhão, estratégica para os interesses imperialistas.

O dia 7 de setembro de 2019 recorda os 197 anos do Grito do Ipiranga do filho do rei de Portugal que decidiu fazer do Brasil o seu próprio reino, dando um golpe no pai. O Brasil ainda hoje paga o preço de não ter tido uma revolução popular, com filhos e filhas da terra liderando uma revolta para construir uma nação independente. Está aí a origem de muitos desastres que tem sofrido essa nação desde a sua “fundação”. Contudo, o povo desse país sempre resistiu e lutou, construindo, com sangue e sofrimento, a autêntica cultura e identidade do Brasil, que a música popular, como o samba-enredo da Mangueira, campeã do Carnaval no Rio de Janeiro desse ano, nos conta:

  • Brasil, meu dengo
  • A Mangueira chegou
  • Com versos que o livro apagou
  • Desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento
  • Tem sangue retinto pisado
  • Atrás do herói emoldurado
  • Mulheres, tamoios, mulatos
  • Eu quero um país que não está no retrato.

Desde a entrada do Brasil nos autos das atas europeias, o povo brasileiro viveu de invasão e golpes, exploração e repressão, tudo sempre com traição. O Brasil é um dos poucos países, talvez o único, que tem uma “independência” sem heróis, ou fundadores da pátria, ou um movimento de libertação fundador da nação. O nosso quase-herói é um herói fracassado, o Tiradentes, que tentou liderar um movimento revolucionário, mas, traído, foi brutalmente destrinchado pelas forças portuguesas. Tivemos de nos contentar com a revolta do filho com o pai e, posteriormente, com um golpe militar para estabelecer uma República sem identidade política própria. Nunca souberam dar espaço para a grande força e autenticidade do povo que se formou nesse país, povo sempre visto como força de trabalho para ser explorada e nunca como força de uma cultura única e revolucionária. Mesmo assim, movimentos populares surgiram no decorrer da história, como o de Canudos e a Balaiada, mas foram brutalmente combatidos.

Ademais, as únicas vezes que o Brasil, de forma republicana e democrática, tentou um projeto de independência e em busca da justiça social, golpes militar e parlamentar impediram. Foi assim que, mais uma vez, regredimos ao ponto de ver o presidente, no dia da “independência” começar seu discurso paparicando o imperialismo: “os Estados Unidos foi o primeiro país a reconhecer a nossa independência” (Presidente Bolsonaro, 07.09.2019). Ao invés de elevar o Brasil, essas
palavras mostram a grandeza do outro país, do qual precisamos aprovação e reconhecimento para tudo o que fazemos. O nome para isso é dependência e não independência. Ontem e hoje, os maiores inimigos desse povo não vieram nem vêm de fora; eles estão no meio dos brasileiros e formam uma elite abusiva despatriada, que explora seu próprio povo e entrega suas riquezas para viver na ilusão dos presentinhos do hemisfério norte, isto é, das migalhas que caem da mesa dos imperialistas. O atual presidente do Brasil e sua família são a representação perfeita dessa elite, que se forja de patriota para entregar as riquezas do Brasil para o imperialismo, a custo da exploração do povo simples e pobre.

O dia 7 de setembro sempre foi um dia de reflexão para mim, mas nesse ano, particularmente, também tem sido um dia de tristeza, raiva e luto por tudo que alguns têm realizado para manter o Brasil na periferia do mundo, debaixo do domínio imperialista, às custas da dor do seu povo, os verdadeiros patriotas que derramam seu sangue pelo país por meio da exploração que sofrem.

Espero que o Brasil e o povo brasileiro sejam maiores do que essa elite despatriada; que o luto se torne luta para uma verdadeira independência revolucionária. Que 7 de setembro seja um dia de grito, de um grito de amor à contínua luta pela pátria independente.

Texto de Alexandre A. Martins, partilhado pelo autor.

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