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Amar, ato de revolução

Para começar bem o ano de 2018, partilhamos essa reflexão de Deivis Macedo sobre as relações humanas e as situações de afeto na sociedade em que vivemos. Deivis é pai, pastor batista, escritor e colunista do CEBI.

Boa leitura!

Amar é revolucionário

Todos os dias somos alcançados por uma infinidade de notícias, nos mais diferenciados âmbitos do viver, que, se não estivermos atentos a nossa saúde integral (físico, emocional e espiritual), facilmente terão potencial de impossibilitar nossa caminhada. Nos sentimos diante ao volume de tragédias globais, de nosso país e, sem contar com aquilo que nos afeta diretamente, com um profundo sentimento de impotência e desesperança.

Podemos relembrar de uma infinidade de situações sem nesse momento nos preocupar com precisão histórica e documental. Nossa pretensão é destacar aquilo que vem a nossa cabeça quando refletimos a situação de nossa sociedade, da mesma forma como quando estamos conversando com amigos e família. Como se estivéssemos no intervalo do trabalho ou no bar com amigos. Ou seja, é o que sentimos afetar nossa vida cotidiana e aos nossos mais próximos.

Certamente o aspecto mais assustador de nossos dias é a situação de violência urbana e o crescente sentimento, quase certeza na verdade, de insegurança. Consequência direta dessa situação é o medo e a desconfiança o tempo todo. Todos que cruzam nosso caminho são potenciais inimigos. O caso do Rio de Janeiro é sem dúvida o mais grave – com números cada vez mais alarmantes de assaltos, homicídios, roubos de carga. A violência e a lógica de enfrentamento e guerra se instalam como recurso justificável.

A dinâmica ainda se agrava, pois tudo isso é reforçado por disputas de poder de grandes faixas territoriais entre traficantes e milícias (grupos armados que se impõem na região com a pretensa marca de justiça), cada vez com maior poder financeiro e bélico. O que temos então é um estado de guerra contínua. O Estado, para dar uma resposta imediata, e, que se mostra cada vez menos eficiente, impõe ao policial o enfrentamento armado. Consequência direta: são 722 mortos em consequência das ações policiais. E paralelo a isso já são 116 policiais mortos no Rio de Janeiro .

Violência e caos

Todo esse quadro de caos e incerteza gera um profundo incômodo e desconfiança generalizados. Bauman destaca que este sentimento pode ser definido como reflexo do “mal-estar da pós-modernidade”, assim “essa geração tem poucos motivos para tratar a ‘sociedade’ como um lugar digno de lealdade e respeito”, e, complementa de forma angustiante:

  • a desconcertante volatilidade da posição social,
  • a redução de perspectivas,
  • o viver ao deus-dará, sem uma chance confiável de assentamento duradouro, ou pelo menos de longo prazo,
  • a imprecisão das regras que se deve aprender e dominar para ir em frente

Tudo isso assombra a todos eles,elas, nós, sem discriminação, gerando ansiedade, destituindo todos os membros dessa geração, ou quase todos, da autoconfiança e da autoestima.

A sociedade se torna um lugar de desconfiança. Não existe espaço para relações que não sejam utilitárias e lucrativas. Não pode existir espaço para sentimentos, a sociedade deve ser entendida pela razão pura. Misericórdia, compaixão, honestidade, desprendimento e simplicidade parecem não mais ser qualidades desejadas. Na verdade se tornam características que devem ser abandonadas marcando, na visão do sistema, as pessoas sem ambição de vida, pois, no mundo atual, o sucesso e o acúmulo de capitais são marca de felicidade.

Aqui já precisamos apontar o alerta de Jesus, “e que proveito terá o homem em ganhar o mundo inteiro, se o paga com a própria vida?” .

Faz-se indispensável então o olhar a partir da fé para esse cenário de derretimento social. Qual a contribuição que a mensagem do Cristo traz para nossos dias e como esta mensagem pode restituir nosso viver digno?

Na narrativa do Evangelho de Mateus temos a seguinte fala de Jesus: “devido a crescente iniquidade, o amor arrefecerá na maioria” . A sequência é bem clara e revela que a situação se faz interligada: as ações de iniquidade da humanidade nos ressecam a alma nos deixando incapazes de amar. Na ausência do amor o outro se torna para mim um ser inexistente e não digno do meu olhar e atenção. Aqueles e aquelas que me cercam todos os dias são alvo da minha indiferença e insensibilidade. A vida dele não faz sentido para mim a menos que eu possa me favorecer da sua existência. Logo, se a pessoa não tem mais valia para meus propósitos, eu a descarto e desprezo, pois se tornou um peso.

Porém esse processo não só extrai a dignidade e a vida do outro, rouba a minha própria vida e sentido. Implode minha existência, pois começo a me perceber isolado, sozinho e com medo. A desconfiança vira modo de relacionamento para tudo e de todos. Aos poucos nos tornamos sem amor e consequentemente vazios. Rubem Alves disse bem ao afirmar que, “os demônios moram no vazio. (…) a natureza não suporta o vazio. O vácuo ‘chupa’ o que está ao seu redor. Com o que concordam os que conhecem a alma. O vazio é o lugar preferido dos demônios” .

Como reflexo imediato desse vazio existencial, criamos alguns mecanismos de  comportamento com os quais tentamos nos defender.

  1. A primeira postura é a de ignorar a realidade, negar a existência dos problemas. Se colocar em uma redoma de proteção para que se consiga sobreviver. Não queremos culpabilizar ninguém por isso. Já são tantas dores, perdas, traumas que a única saída possível é o isolamento. Construir essa espécie de escape do mundo real é a única maneira de prosseguir pelo mundo.
  2. A segunda, parecida com a primeira é a de se dessensibilizar com a situação do outro. Aqui já se percebe a situação e que ela afeta outras pessoas, mas me coloco indiferente à situação do outro. Na verdade o que o outro enfrenta é necessariamente consequência de sua vida relapsa e de desinteresse. Se a pessoa passa fome é um porque é preguiçosa, não quer procurar trabalho. Se não estuda é por relaxamento dos pais e responsáveis. Assim todas as injustiças ficam por conta das decisões individuais e não se percebem os sistemas de exploração e aprisionamento produzidas pelo capital. Ficamos insensíveis com a dor do outro e recusamos qualquer maneira de ajudar o outro: seja individual, coletiva, política. Pois no fundo, temos a certeza de que o que conquistamos e conseguimos foi por mérito, única e exclusivamente individual. Eliminamos a sociedade de nossa vida de maneira quase que imediata. Tudo é indiferente e distante nessa postura. Resumindo com o famoso ditado popular, “farinha pouca, meu pirão primeiro”, ou seja, seu problema pra mim é problema seu.
  3. Uma terceira possibilidade, e a única capaz de resgatar a vida – a minha, a do meu próximo e a sua – é fazer renascer a esperança. Para isso precisamos perceber que a falta de esperança está intimamente ligada ao esgotamento do amor. Deixe-me explicar.

Para não deixar de se amar

Quando deixamos de amar começamos a não mais considerar o outro como merecedor do meu cuidado e dedicação. As relações vão se tornando utilitaristas e sempre no olhar de pura troca e recompensa. Avalio minhas relações e contatos simplesmente pelo que posso ganhar e pelo nível de retribuição e favorecimento possíveis. Tudo ganha nível de mercadoria. Esse processo aos poucos rouba a humanidade, tanto da pessoa que se relaciona assim quanto das pessoas em volta.

Laços de afetividade e confiança vão se deteriorando e acabamos todos em um isolamento de nossa subjetividade. Como afirmou RUBIO, “fechado em si mesmo, o ser humano coisifica e instrumentaliza todo tipo de relação. (…) O outro só é aceito quando o outro pode responder as suas necessidades”.

Nessa mecânica utilitarista, as atrocidades contra as outras pessoas são mais do que justificáveis, na verdade passam a ser necessárias. Se a existência de qualquer pessoa possa ser uma ameaça ao meu projeto de sucesso, posso eliminar e descartar, afinal, já não me serve. Aqui começamos a denunciar os posicionamentos desumanizadores que estão postos em nosso tempo: muitos, com certa naturalidade, defendem a violência e morte como modo de se estruturar a ordem. Outros aceitam a fome e a miséria alheia como fruto de desinteresse pessoal.

Por falta de amor não percebemos a real situação de nossos irmãos e irmãs e naturalizamos a sua opressão.

Precisamos com urgência retornar a viver. Faz-se urgente uma reavaliação da vida e a busca de possibilidade de se refazer caminhos e construir novas possibilidades. Resgatar o amor para nossas relações fará com que tenhamos mais uma vez a capacidade de se humanizar, de reconstruir relações e de lutar pela vida do outro/outra/outrx. Claro, nesse processo redescobriremos o que é viver de verdade, pois, resgataremos, pelo caminho do Cristo, não só a vida e o sentido de viver para o outro e da sociedade. Estaremos na verdade fazendo com que a Salvação toque a nossa própria vida. Como disse certa vês o poeta “Só o amor constrói pontes indestrutíveis”.

Fonte: O texto é de autoria de Deivis Macedo, que trabalha há mais de 10 anos animando a juventude no engajamento social e leitura bíblica. Atualmente pesquisa sobre a necessidade de uma vivência da fé que seja “público-ecumênica”. Tem dois livros publicados sobre o tema: Rede ecumênica de juventude  e Respondendo nosso Tempo.

Foto de capa: Crédito para Lotte Meijer.

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