Leia a reflexão sobre Mateus 14,22-23, texto de Mesters, Lopes e Orofino.
Boa leitura!
O texto da reflexão de hoje descreve a travessia no barco e a tempestade no lago. De vez em quando, há momentos na vida em que tudo parece dar o contrário. O medo nos assalta. Nada dá certo. Boa vontade não falta, mas já não adianta. Parecemos com um barco que vai afundando no mar.
Situando
Entre o Sermão das Parábolas (Mt 13) e o da Comunidade (Mt 18), está novamente uma longa parte narrativa (Mt 14 até 17). O Sermão das Parábolas chamava a atenção para a presença do Reino nas coisas da vida. A parte narrativa mostra como este Reino está presente nas contradições da vida, provocando reações a favor ou contra. Um dos episódios narrados é a travessia do lago. Depois de ter reunido o povo no deserto (Mt 14,13-14) e ter instituído a mesa comum, por meio da partilha que multiplicou o pão, Jesus sente a necessidade de ficar a sós com o Pai. Ele manda os discípulos fazerem a travessia para o outro lado do mar, despede a multidão e sobe a montanha para rezar.
Esta travessia do mar simboliza a travessia que as comunidades tinham de fazer no fim do século I:
- Sair do mundo fechado da antiga observância da Lei para o novo jeito de observar a Lei do amor, ensinada por Jesus;
- Sair da ideologia da pertença a um suposto único povo eleito, como se fosse privilegiado por Deus entre todos os povos, para a certeza de que em Cristo todos os povos se fundiam num único povo diante de Deus;
- Sair do isolamento da intolerância para o mundo aberto do acolhimento, do respeito e da gratuidade.
Travessia perigosa, mas necessária.
Comentando
Mateus 14,22-24: Iniciar a travessia a pedido de Jesus
Jesus forçou os discípulos a irem para o outro lado do mar, onde ficava a terra dos pagãos. A barca simboliza a comunidade. Ela tem a missão de dirigir-se aos pagãos e de anunciar também entre eles a Boa Nova do Reino que gera um novo jeito de viver em comunidade. Mas a travessia é perigosa e demorada. A barca é agitada pelas ondas, pois o vento era contrário. Apesar de terem remado a noite toda, falta muito para chegar à terra. Faltava muito para as comunidades fazerem a travessia para os pagãos. Jesus não foi com eles. Ele queria que aprendessem a superar as dificuldades da vida juntos, unidos e fortalecidos pela fé. O contraste é grande: Jesus orante (ver abaixo) junto de Deus na paz da montanha, e os discípulos meio perdidos lá embaixo, no mar revolto.
Mateus 14,25-27: Jesus se aproxima, e eles não o reconhecem
Na quarta vigília, isto é, entre as 3 e 6 da madrugada, Jesus foi ao encontro dos discípulos. Andando sobre as águas, chegou perto deles, mas eles não o reconheceram. Gritavam de medo, pensando que fosse um fantasma. Jesus os acalmou dizendo: “Coragem! Sou eu! Não tenham medo!” A expressão “Sou eu!” é a mesma com que Deus fortaleceu Moisés quando o enviou para libertar o povo do Egito (Ex 3,14). Para as comunidades, tanto de ontem como de hoje, era, e é, muito importante ouvir repetidamente: “Coragem! Sou eu! Não tenham medo!”
Mateus 14,28-31: Entusiasmo e fraqueza de Pedro
Pedro pede para andar sobre as águas. Quer experimentar o poder que domina a fúria do mar. Um poder que, na Bíblia, é exclusivo de Deus (Gn 1,6; Sl 104,6-9). Jesus permite que ele participe deste poder. Mas Pedro tem medo. Pensa que vai afundar e grita: “Senhor! Salva-me!” Jesus segura-o e repreende-o: “Homem fraco na fé! Por que duvidou?” Pedro tem mais força do que ele imagina, mas tem medo das ondas contrárias e não acredita no poder que existe nele. As comunidades não acreditam na força do Espírito que existe dentro delas e que atua por meio da fé (Ef 1,19-20). Pedro quer seguir Jesus com poderes extraordinários. No entanto, Jesus lhe mostra ser seu discípulo é segui-lo no caminho da cruz, do serviço, da partilha.
Mateus 14,32-33: Jesus é o Filho de Deus
Jesus entra na barca e a ventania para. Os discípulos ficam maravilhados e ajoelham-se diante dele, reconhecendo que ele é verdadeiramente o filho de Deus. Quando reconhecemos a presença de Jesus em nosso meio, já não temos medo das tempestades e marés da vida. Ficamos segurando firmes em sua mão e enfrentamos os ventos contrários.
Alargando
A Comunidade: um barquinho boiando no mar da vida
O canto diz: “Se as águas do mar da vida quiserem te afogar, segura na mão de Deus e vai!” As ondas do mar provocam medo e pavor. Era esta a situação em que se encontravam os discípulos e discípulas na época de Mateus, boiando no mar da vida dentro do barquinho da comunidade. Ninguém tem a possibilidade de controlar a força das ondas a não ser Deus (Gn 1,2). Mateus relata a caminhada de Jesus sobre as águas para que as comunidades não se assustem nem afundem como Pedro, mas tenham a firme convicção de que em Jesus ressuscitado a força criadora de Deus as sustenta.
A dúvida de Pedro e a fé dos discípulos em Jesus
Diante da onda que avança sobre ele, Pedro afunda na água por falta de fé. Depois que Jesus o salvou, são os discípulos que confessam a fé em Jesus, filho de Deus. Mais tarde, Pedro terá a mesma fé em Jesus, filho de Deus (Mt 16,16). Assim, Mateus sugere que não é Pedro que carrega a fé dos discípulos, e sim é a fé dos discípulos que carrega a fé de Pedro.
Travessia
Como os discípulos de Jesus, as comunidades estavam numa travessia difícil e perigosa, saindo do mundo fechado das observâncias e dos sacrifícios para o mundo aberto do amor e da misericórdia. Também nós estamos numa travessia difícil para um novo tempo e uma nova maneira de ser igreja, o que exige coragem e muita confiança.
Jesus orante
- Aos doze anos de idade, lá no Templo, na Casa do Pai (Lc 2,46-50).
- Na hora de ser batizado e de assumir a missão, ele reza (Lc 3,21).
- Na hora de iniciar a missão, passa quarenta dias no deserto (Lc 4,1-2).
- Na hora da tentação, ele enfrenta o diabo com textos da Escritura (Lc 4,3-12).
- Na hora de escolher os doze apóstolos, passa a noite em oração (Lc 6,12).
- Na hora de fazer levantamento da realidade e de falar da sua paixão, ele reza (Lc 9,18).
- Diante da revelação do Evangelho aos pequenos: “Pai eu te agradeço!” (Lc 10,21).
- Na cura do surdo-mudo, olhou para o céu e gemeu (Mc 7,34).
- Na hora de ressuscitar Lázaro: “Pai eu sei que sempre me ouves!” (Jo 11,41-42).
- Tem o costume de participar das celebrações nas sinagogas aos sábados (Lc 4,16).
- Nas grandes festas, participa das peregrinações ao Templo de Jerusalém (Jo 5,1).
- Reza antes das refeições (Lc 9,16; 24,30).
- Procura a solidão do deserto para rezar (Mc 1,35; Lc 5,16; 9,18).
- Rezando, desperta nos apóstolos vontade de rezar (Lc 11,1).
- Rezou por Pedro para ele não desfalecer na fé (Lc 22,32).
- A pedido das mães, dá a bênção às crianças (Mc 10,16).
- Celebra a Ceia Pascal com seus discípulos (Lc 22,744).
- Ao sair da Ceia para o Horto, reza salmos com os discípulos (Mt 26,30).
- No Monte, é transfigurado enquanto reza (Lc 9,28).
- Na hora da despedida, reza a oração sacerdotal (Jo 17,1-26).
- No Horto das Oliveiras ele reza: “Triste é minha alma” (Mc 14,34; cf. Sl 42,56).
- Na angústia da agonia, pede aos três amigos para rezar com ele (Mt 26,38).
- Na hora de ser pregado na cruz, pede perdão pelos carrascos (Lc 23,34).
- Na cruz, solta o lamento: “Meu Deus! Por que me abandonaste?” (Mc 15,34; Sl 22,2).
- Na hora da morte: “Em tuas mãos, entrego meu espírito!” (Lc 23,46; Sl 31,6).
- Jesus morre soltando o grito do pobre (Mc 15,37).
- Jesus chegou a fazer um salmo que ele orava cotidianamente e o ensinou para nós. É o Pai Nosso (Mt 6,9-13; Lc 11,2-4).
- Sua vida era uma oração permanente: “Eu, a cada momento, faço o que pai me mostra para fazer!” (Jo 5,19.30).