Leia a reflexão sobre João 10,1-10, texto de Tomaz Hughes.
Boa leitura!
O texto de hoje manifesta claramente o ambiente pastoril da Palestina no tempo de Jesus. Os versículos estão carregados de imagens tiradas da vida dos pastores, imagens rurais que talvez sejam difíceis de ser bem compreendidas no ambiente urbano de hoje. Porém, a mensagem básica permanece clara e é de valor perene.
Podemos dividir o texto em duas partes. Versículos 1-5 e vv. 6-10. Alguns exegetas acham duas metáforas separadas nos vv. 1-5: os primeiros três versículos fazem contraste entre duas maneiras de se aproximar às ovelhas. Quem não entra pela porta é maléfico. Os vv. 3b-5 têm como enfoque o relacionamento entre a ovelha e o pastor. Elas só respondem à voz do seu verdadeiro pastor. No contexto do Evangelho, fica claro que aqui se contém uma advertência contra o perigo de responder aos ensinamentos dos fariseus, que a narrativa apresenta como falsos mestres. Convém lembrar que essa crítica aos fariseus, mais do que refletir o tempo de Jesus, espelha a polêmica entre as comunidades joaninas e eles nos anos 80 e 90.
Podemos atualizar essa advertência para os dias de hoje. Como lá, também nos nossos dias, não faltam exploradores da fé popular para o seu próprio benefício.
É claro que, também aqui, temos ecos do capítulo 34 de Ezequiel, que criticava duramente os líderes do povo do Antigo Israel como maus pastores, que se engordavam à custa do povo. Assim, as ovelhas estavam dispersas como ovelhas sem pastor (Ez 34,1-10). Naquele capítulo, Javé promete que vai reunir as suas ovelhas dispersas e conduzi-las a boas pastagens (34,11-16). O texto de hoje faz compreender que Jesus é o instrumento desta missão de Javé, retratada em Ezequiel, pois é ele o verdadeiro Bom Pastor.
A segunda parte, Jo 10,7-10, usa as metáforas da porta e do bom pastor. Jesus é a porta do aprisco e também o bom pastor. João insiste que Jesus é a fonte de salvação. Os que vieram antes dele, provavelmente uma referência aos mestres judaicos e às suas tradições, são rejeitados. É Jesus que veio para que todos tivessem a vida plena.
Aqui, é necessário insistir que a missão de Jesus era trazer a vida para todos – não para alguns – e a vida plena, não uma suposta “vida espiritual”. Vida plena, em abundância, exige tanto os bens materiais necessários para uma vida digna, como os bens espirituais. O mundo de hoje, movido pelo consumismo e materialismo, limita a realização humana ao “ter”. Por outro lado, uma religiosidade alienada, muito comum hoje em todas as Igrejas e denominações, faz com que as pessoas cristãs se omitam, restringindo a “vida em abundância” para depois da morte. O seguimento do Bom Pastor nos coloca em choque com a sociedade vigente excludente e com a religião alienante. O texto impede que nós nos refugiemos em uma interpretação espiritualista, oferecendo uma vida plena após a morte, pois o Reino de Deus que Jesus anuncia já está no meio de nós (cf. Mc 1,14-15), na esperança de que a sua realização plena acontece no além. O v. 11 nos manifesta o preço a ser pago por ser bom pastor. Jesus afirma que “o bom pastor se despoja da própria vida por suas ovelhas” (v. 11). Enquanto o mercenário sacrifica as suas ovelhas ao seu interesse, o bom pastor entrega a sua vida até a morte para que os outros vivam.
As imagens do texto são por demais conhecidas. São de conhecimento comum as imagens mostrando Jesus como o Bom Pastor. Cumpre assumir a continuidade da sua missão, entregando a nossa vida na luta diária para a criação de uma sociedade mais justa e humana, portanto divina. Somente assim seremos fiéis àquele que veio “para que todas as pessoas tenham a vida e a tenham em abundância”. Por isso, a fé exige participação social, como o engajamento nas lutas contra a destruição dos direitos trabalhistas e previdenciários, por vida plena para todas as pessoas.