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“Reforma” da Previdência, projeto de vida ou de morte?

via frei Gilvander Moreira*

Os arautos do mercado idolatrado, grandes empresários e a propaganda feita pelo governo federal do (des)governo Bolsonaro e pela grande imprensa alardeiam que é necessária a reforma da previdência e que será uma maravilha “modernizar” as regras previdenciárias. Apenas as pessoas ingênuas e alienadas, encabrestadas pela ideologia dominante, acreditam nessa gravíssima fake news (falsa notícia) apresentada às classes trabalhadora e camponesa. Em uma sociedade capitalista com a classe dominante superexplorando a classe trabalhadora, é óbvio que o que é bom para a classe dominante é péssimo para as classes trabalhadora e camponesa. Leonel Brizola dizia: “Diante de um assunto complexo, preste atenção de que lado a mídia está. O justo e ético é o outro lado”.

Convém, então, prestarmos atenção aos mosquitos que estão no leite. Na realidade, o que estão propondo fazer não é reforma, mas desmonte da previdência pública, ou seja, privatização da previdência com o tal de regime de capitalização que acaba com o pacto de solidariedade construído no Brasil entre trabalhadores, Estado, patrões e as próximas gerações – seguridade social – e estabelece o “cada um por si” e salve-se quem for privilegiado. Com a privatização (capitalização) da previdência direito se torna privilégio, pois será apenas para uma minoria e não para todos. Propõem sangrar apunhalando os direitos previdenciários conquistados com muita luta, suor e martírio e, depois, ano a ano, ir acabando com o que sobrar de direitos previdenciários até privatizar tudo. As regras matemáticas são complicadas, mas indicam emissão de aviso prévio para destruir a previdência pública e privatizar para quem puder ingressar na volúpia do mercado que quer lucrar muito e abocanhar um novo nicho de mercado.

O (des)governo e os donos do mercado idolatrado propõem sacrificar no altar do deus mercado o povo brasileiro com regras cruéis e inconstitucionais, entre as quais destacamos[2]:

  1. Aposentadoria aos 65 anos de idade, se homem, 62 anos de idade, se mulher, e 60 anos de idade para professores de ambos os sexos, com, no mínimo, 20 anos de contribuição. A lei estabelecerá novos aumentos na idade a cada quatro anos, de acordo com a expectativa de vida da população. O aumento do tempo de contribuição de 15 anos para 20 anos vai dificultar muito a aposentadoria dos mais pobres que têm enorme dificuldade de contribuir regularmente para o INSS, em função do desemprego, informalidade e baixa renda. Muitos morreram sem se aposentar.
  2. Segurados do INSS atuais terão três regras de transição. Para os atuais segurados e seguradas do INSS é revogada a regra 85/95; neste ano 86/96 (soma de idade e de tempo de contribuição para mulheres e homens, respectivamente) e fixadas regras de transição muito duras, que empurrarão grande parte dos segurados para a aposentadoria aos 65 anos de idade, se homem, e aos 62 anos de idade, se mulher. Subirá gradualmente, ano a ano, até atingir os 105 pontos em 2028. Baseado no tempo de contribuição, pedágio de 50%, fator previdenciário para quem está a dois anos da aposentadoria. Injustiça!
  3. Aposentadoria integral somente com 40 anos de contribuição. O cálculo da aposentadoria será piorado por duas razões: a) a média salarial deixará de considerar os 80% dos melhores salários e passará a considerar todos os salários, os melhores e os piores; b) o valor da aposentadoria corresponderá a 60% da média aritmética, com acréscimo de 2% para cada ano de contribuição que exceder o tempo de 20 anos de contribuição, até atingir o limite de 100%. Assim, a aposentadoria será de 60% com 20 anos de contribuição; 62% com 21 anos de contribuição; 64% com 22 anos de contribuição e somente será de 100% da média salarial aos 40 anos de contribuição. Crueldade imensa!
  4. A ‘reforma’ acaba com reajuste pela inflação para 33 milhões de aposentados e pensionistas do INSS. A Constituição Federal, em seu artigo 201, prevê o reajuste pela inflação, que é concedido aos aposentados e pensionistas todo mês de janeiro: “É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios estabelecidos em lei”. A reforma da Previdência sumiu com duas palavrinhas-chave, a manutenção do “valor real” dos benefícios, o que acaba com a garantia constitucional de reajuste para os aposentados e pensionistas do INSS. Rasga-se a constituição de 1988 e arranja novo tipo de “matar aos poucos os/as idosos/as”.
  5. A ‘reforma’ destrói a aposentadoria por idade dos trabalhadores rurais e vai empurrá-los para uma renda básica miserável de R$ 400,00. O tempo de contribuição mínimo para os/as trabalhadores/ras rurais será de 15 anos, em 2019; 15,5 anos, em 2020; subindo gradualmente até os 20 anos de contribuição, em 2029. Muito difícil algum/a trabalhador/a rural completar 20 anos de contribuição antes de morrer. Violenta quem produz o pão que chega à mesa do povo brasileiro.
  6. Professores atuais segurados do INSS terão duas regras de transição. Pela reforma, os professores passarão a ter idade mínima de 60 anos para ambos os sexos, e o tempo de contribuição, que hoje é de 25 anos para a mulher e de 30 anos para o homem, será de 30 anos para todos. Quanto às regras de transição: para o/a titular do cargo de professor/a que comprovar exclusivamente 25 anos de contribuição, se mulher, e 30 anos de contribuição, se homem, o somatório da idade e do tempo de contribuição, incluídas as frações, será equivalente a 81 pontos, se mulher, e 91 pontos, se homem, aos quais serão acrescentados, a partir de 1º de janeiro de 2020, um ponto a cada ano para o homem e para a mulher, até atingir o limite de 95 pontos, se mulher, e de 100 pontos, se homem. Para os/as professoras/es a transição é mais rápida, começa com 56 anos, em 2019; 56,5 anos em 2020; 57 anos, em 2021 atingindo os 60 anos em 2027. Mais uma vez, se fortalece o desrespeito às mulheres. Considerando que a maioria das professoras começa a dar aulas aos 20, 21 anos, só terão direito à aposentadoria integral aos 60 anos, depois de 40 anos em sala de aula. Com certeza, muitas não conseguirão, considerando o desgaste físico e emocional que acontece ao longo dos anos, ainda mais na Rede Pública de Ensino, com salas superlotadas e a grande sobrecarga de trabalho para melhorar o salário no final do mês. Se esta sobrecarga é também dos professores, as professoras têm outra jornada em casa, haja vista que ainda pouco se vê de repartição nas tarefas domésticas.
  7. O (des)governo propõe a fórmula cruel da “aposentadoria por invalidez por tempo de contribuição” que pune quem se invalidar ainda jovem. Se o trabalhador ficar inválido ainda jovem, com até 20 anos de contribuição, o valor da aposentadoria será de 60% da média salarial.
  8. Aposentadoria dos trabalhadores das áreas insalubres e pessoas com deficiência terá um cálculo dos mais arrochados porque será de 60% da média salarial mais 2% do tempo que exceder os 20 anos de contribuição, excesso este que praticamente não haverá e isto implicará em uma aposentadoria de 60% ou pouco mais; tempos de atividade especial não serão mais convertidos para tempo comum, o que será péssimo para trabalhadores que deixarem as áreas insalubres. Para as pessoas com deficiência as regras previstas são as seguintes: I – 35 anos de contribuição, para a deficiência considerada leve; II – 25 anos de contribuição, para a deficiência considerada moderada; e III – 20 anos de contribuição, para a deficiência considerada grave. Isso é proposta desumana e cruel.
  9. Pensão será arrochada e poderá ter, em alguns casos, valor irrisório de 15% a 30% da média salarial. A pensão por morte será arrochada cinco vezes:
    a) arrocho da base de cálculo que é a aposentadoria;
    b) redução dos percentuais de 100% para 50% mais 10% por dependente;
    c) fim da reversão das cotas da pensão dos dependentes que se emanciparem;
    d) desvinculação do salário mínimo;
    e) restrições ao acúmulo de benefícios de pensão e aposentadoria. Depois de todos estes arrochos, a pensão poderá ser reduzida a 15% a 30% da média salarial. As maiores perdedoras serão as mulheres, sobretudo as mais pobres, que poderão ter benefício inferior ao salário mínimo, e, com todos os arrochos, a pensão poderá ficar em R$ 300,00 a R$ 400,00 para viúvas pobres.
  10. O Benefício de Prestação Continuada (BPC) da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) poderá ser reduzido para R$ 400,00 e poderá acabar o BPC para o segundo idoso da família. A “reforma” da previdência, se aprovada, destrói o BPC da LOAS, que é concedido aos idosos pobres e pessoas com deficiência: a) a renda mensal do idoso de um salário mínimo será reduzida para apenas R$ 400,00 aos 60 anos de idade, atingindo o mínimo somente aos 70 anos de idade; b) acaba o direito ao BPC da LOAS para o segundo idoso da família, uma conquista do Estatuto do Idoso, já que “o valor da renda mensal recebida a qualquer título por membro da família do requerente integrará a renda mensal integral per capita familiar”; c) as idades previstas serão ajustadas a cada quatro anos. Violência e crueldade com as pessoas idosas.
  11. A ‘reforma’ acabará com o Abono Salarial de 23 milhões de trabalhadores de baixa renda. A principal mudança no Abono Salarial PIS-PASEP é a seguinte: a) ele é pago atualmente a quem recebe até dois salários mínimos, e, na reforma da previdência, o benefício será pago apenas a quem receber até um salário mínimo; b) ou seja, o trabalhador que receber R$ 1,00 acima do salário mínimo, R$ 999,00, até dois salários mínimos, R$ 1.996,00, perderá o direito ao Abono Salarial; c) de acordo com dados divulgados pelo portal UOL dos 25 milhões que têm direito cerca de 23 milhões de trabalhadores perderiam o direito ao benefício.

É mentira do Governo e da Mídia dizer e repetir à exaustão que a Previdência tem rombo, déficit. Segundo a Constituição de 1988, a Previdência Social faz parte da Seguridade Social, que é um conjunto de ações integradas de proteção social, que envolvem também a saúde e a assistência social. Para custear a Seguridade, os constituintes criaram um orçamento específico, com fontes de recursos variadas. Esse orçamento é composto pelas contribuições previdenciárias de trabalhadores e de empregadores, bem como por tributos gerais – COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), a CSLL (Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido) e o PIS-PASEP (Programa de Integração Social) –, receita com loterias e outros itens de menor expressão.

A CPI da Previdência em seis meses de trabalho e em relatório de 600 páginas demonstrou que a Previdência Pública no Brasil é superavitária. O Governo Federal, o Congresso, a Mídia e o grande empresariado insistem, sim, é em acabar com a previdência pública para que eles possam lucrar e furtar muito com Previdência Privada.

Não podemos aceitar mais essa punhalada nas costas das classes trabalhadora e camponesa!

Por que não falam em cortar as grandes e milionárias aposentadorias? Por que não param de repassar quase 50% do orçamento federal para os credores da Dívida Pública Interna, dívida injusta, com juros exorbitantes e que já foi paga muitas vezes? Por que reduziram o valor real do salário mínimo de 2019? Por que deixam na UTI o SUS e o Sistema Educacional Público Brasileiro? Por que não fazem uma reforma tributária justa taxando as grandes fortunas e herança? Por que não fazem reforma agrária? Por que não reduzem a superexploração a que a classe trabalhadora é submetida cotidianamente pelo capital? Por que não democratizam os meios de comunicação? Por que continuam devastando a Amazônia e os outros biomas? Por que não demarcam todos os territórios dos nossos parentes indígenas? Por que não demarcam e titulam todos os territórios quilombolas? Por que não fazem a Auditoria da Dívida Pública conforme prescreve ADTCs da Constituição de 1988? Por que não param de repassar quase 50% do orçamento do Estado para os credores da Dívida Pública que são os banqueiros? Por que deixam os banqueiros furtarem tanto no Brasil? Por que …?

Resposta: Porque insistem na acumulação de capital para os grandes empresários, no fortalecimento do capitalismo, máquina satânica de moer vidas.

Atualmente estima-se que há cerca de R$ 141 bilhões em renúncias fiscais de vários tributos. Grandes empresas devem cerca de 500 bilhões, não pagam e o governo não cobra. Mais de 80% de 1 trilhão que o ministro Paulo Guedes pretende arrecadar virá dos pobres. Quando dizem que se não for aprovada a “reforma” da previdência, o Brasil quebrará, é preciso perguntar: quem quebrará? Os banqueiros ou os pobres? Com o sequestro de quase 50% do orçamento para repassar para banqueiros credores da dívida pública o povo é que está sendo quebrado.

A quem propõe e defende esse covarde e indecente projeto de “reforma” da previdência dedico a passagem bíblica da Carta de Tiago: “Ai de vocês, ricos! Vocês amontoaram tesouros para o fim dos tempos. Vejam o salário dos trabalhadores que fizeram a colheita nos campos de vocês: retido por vocês, esses salários clamam, e os protestos dos trabalhadores chegaram aos ouvidos do Deus da vida. Vocês tiveram na terra uma vida de conforto e luxo; vocês estão ficando gordos para o dia da matança! Vocês condenaram e mataram o justo, e ele não conseguiu defender-se” (Tiago 5,3b-6).

Em sintonia com a profecia bíblica de Tiago, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) se posicionou contra a aprovação da “Reforma” da Previdência denunciando: “as mudanças contidas na PEC 06/2019 sacrificam os mais pobres, penalizam as mulheres e os trabalhadores rurais, punem as pessoas com deficiência.” Pelo exposto acima, o projeto de ‘reforma’ da previdência, sob apreciação do Congresso Nacional, é um projeto de morte e não de vida. Feliz e bendito/a quem se somar a essa luta justa, necessária e urgente pela manutenção dos direitos previdenciários do povo brasileiro. Meter o pé no barranco diante de tantas injustiças e violências é direito e dever de toda pessoa humana. Não à “reforma” da previdência contida na PEC 06/2019.

Belo Horizonte, MG, 09/4/2019.

Abaixo, vídeos que versam sobre o assunto tratado no texto:

1 – Reportagem sobre Relatório da CPI da Previdência que demonstrou que a Previdência não é deficitária e que o caminho é melhorar a gestão e cobrar dos grandes devedores.

2 – Guilherme Boulos (MTST) e Eduardo Moreira debatem Previdência e desigualdade.

3 – Renata Belzunces (Dieese): Reforma da Previdência.

Frei Gilvander Moreira é padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Ciências Bíblicas; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte. Esse texto usou como fontes: o site da deputada Marília Campos, de Minas Gerais, e entrevista/vídeos de vários entendidos no assunto. Publicado originalmente no blog do autor.

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