Na Encíclica Laudato Si (LS) — Louvado Sejas: Sobre o Cuidado da Casa Comum, divulgada em junho de 2015, o Papa Francisco faz questionamentos profundos para todos nós, para a humanidade, e convida-nos a ter coragem. “O que está acontecendo na nossa casa?” (LS, Cap. I); “Que tipo de mundo queremos deixar a quem vai suceder-nos, às crianças que estão a crescer?” e “Com que finalidade passamos por este mundo? Para que viemos a esta vida? Para que trabalhamos e lutamos? Que necessidade tem de nós esta terra?” (LS, 160), são alguns desses questionamentos.
O Papa insiste e menciona “a relação íntima entre os pobres e a fragilidade do planeta, a convicção de que tudo está estreitamente interligado no mundo, a crítica do novo paradigma e das formas de poder que derivam da tecnologia, o convite a procurar outras maneiras de entender a economia e o progresso, o valor próprio de cada criatura, o sentido humano da ecologia, a necessidade de debates sinceros e honestos, a grave responsabilidade da política internacional e local, a cultura do descarte e a proposta de um novo estilo de vida” (LS, 16).
Estas perguntas, questionamentos e denúncias são profundamente indígenas. Os povos indígenas vêm questionando há 500 anos toda a depredação e violência contra a Mãe Terra, imposta pelo Ocidente com seu modelo econômico e de desenvolvimento severamente destruidor.
Na luta pelo Cuidado da Casa Comum, todos os povos filhos da Mãe Terra são chamados a somar. Os povos indígenas são mestres e sábios nesta reciprocidade e solidariedade cuidadosa com a Casa Comum, Mãe Terra, e com todos os seres que nela habitam. Os povos indígenas são sementes de solução e fontes de esperança para a humanidade e o planeta.
Ameaças e destruição
A desafiadora realidade vivenciada pelos povos indígenas no Brasil hoje explicita a incompatibilidade da lógica depredadora do sistema capitalista com os projetos de vida e futuro dos povos indígenas.
Amanhece chuviscando na região do Rio Doce, município de Resplendor, Minas Gerais. Mário Krenak participa do acordar da aldeia, com seus rituais e suas conversas. Decidiu, com sua família, pescar no Rio Doce, que passa no território de seu povo. No caminho foram relembrando fatos marcantes da história de seu povo. Depois de vários séculos viviam em paz. Conseguiram manter os bandeirantes e garimpeiros afastados de suas aldeias por muito tempo. Até que chegaram homens fardados, com armas pesadas, para dizimá-los. No massacre, quase todos foram exterminados. Os sobreviventes se refugiaram próximo ao Rio Doce. Foi a “guerra justa” determinada pelo rei Dom João VI quando veio fugido para o Brasil, no início do século XIX. Tempos depois os sobreviventes foram deportados para o presídio indígena, denominado Krenak, na fazenda Guarani. Na década de 1990 conseguiram retomar parte de seu território tradicional.
Chegaram ao rio. Logo conseguiram pegar alguns peixes. A satisfação era grande. Subitamente, viram lá longe o rio, muito mais caudaloso, se precipitando sobre os barrancos, engolindo as árvores sobreviventes. Foi um grande susto. Mário gritou para o restante da família: “Embora, embora”. Mal deu tempo de saírem correndo. Viram tudo ao redor do rio sendo engolido pela lama. Isso aconteceu em novembro de 2015. E o Rio Doce continua morto. Antes massacrados pela colonização e seus efeitos, pela “guerra justa”, pela ditadura, agora atingidos pela tragédia causada pelas gigantes da mineração Samarco, Vale e BHP.
Na Bahia, sem água nem pra beber
“Quero ver os senhores da Sesai [Secretaria Especial de Saúde Indígena] viverem sem água para beber”, desafiou em tom de desabafo o cacique Estevão Pataxó. “Temos que beber água imprópria para o consumo, contaminada. Nossas crianças estão adoecendo e morrendo. Já faz vários anos que estamos vindo aqui e implorando socorro e nada é feito. Querem que nosso povo todo morra de sede ou envenenado?”, questionou.
Os burocratas sentados na mesa olharam um para o outro, mas não se atreveram a prometer mais uma ilusão. Silêncio. O rio onde os indígenas da aldeia saciavam a sede secou. A cacimba com um fi o d’água está contaminada devido aos agrotóxicos utilizados nos extensos plantios de eucaliptos. O que resta da frondosa e exuberante região da Mata Atlântica está sendo rapidamente devastado e transformado em terras áridas. “Nossas terras estão rodeadas por mineradoras, madeireiras e monoculturas de eucalipto, soja e pasto”.
Sem água própria nem para o consumo. Esta é, portanto, a triste realidade da maioria das aldeias dos povos Pataxó e Tupinambá. Justamente onde ocorreu a invasão dos colonizadores, no litoral do sul da Bahia, que, na época, era um verdadeiro paraíso de biodiversidade.
No Pará, Belo Monte de mentiras
Quando as águas represadas do Rio Xingu começaram a invadir Altamira aconteceu exatamente o que os movimentos sociais, a Igreja e os indígenas denunciaram por mais de três décadas: uma caótica realidade que repete a tragédia enfrentada pelos moradores de outras cidades que receberam mega projetos de infraestrutura na Amazônia. Altamira mais parece um cenário de guerra, com milhares de casas destruídas, milhares de pessoas desalojadas de suas moradias que não receberam nenhum tipo de indenização, escombros por todo lado, aumento da violência, piora dos serviços públicos e morte de toneladas de peixes, fonte de renda de uma considerável população.
Quando, em 1989, a índia Tuíra Kayapó encostou o facão no pescoço de um dos burocratas da Eletronorte, simbolicamente, ela alertava sobre os irreversíveis danos que Belo Monte representa ao Rio Xingu, seu complexo sistema de vida e aos povos que vivem dele.
“Nós não estamos pedindo esta terra ao governo… A terra é nossa! Foi Karosakaybu (Deus), e não o governo, quem deu esta terra aos nossos avós e antepassados no início dos tempos. Karosakaybu deixou esta terra para nós, para que nós cuidemos dela e ela cuide e alimente nosso povo. Não deu a terra para que o governo a destrua com os grandes projetos e hidrelétricas, hidrovias e estradas, agronegócio e mineração, madeireiras e fazendas… Nós só exigimos que o governo assuma e reconheça o que é nosso, que esta terra é nossa” — Juarez Munduruku
A bacia do Rio Tapajós e a morte de seus povos
A Müy Oso (Cobra Grande) do Tapajós acordou de seu invernal letargo e levanta seus guerreiros e guerreiras para defenderem a vida das florestas e dos rios, da Ipixi (Mãe Terra). “Já cortaram o Rio Madeira, também o Rio Xingu, e agora querem cortar o nosso Rio Tapajos” — denunciaram os indígenas Munduruku do Médio Tapajós durante a assembleia na Aldeia Watpu, em setembro de 2015.
O pesquisador Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) denuncia que “há planos para a construção de 43 grandes barragens (com potência superior a 30 MW) na bacia do Tapajós, sendo dez consideradas prioritárias pelo Ministério das Minas e Energia (MME), com conclusão prevista para até 2022. Entre outros impactos, várias represas inundariam terras indígenas (TI) e unidades de conservação (UC). Além disso, o Rio Tapajós, no estado do Pará, e seus afluentes no estado de Mato Grosso, os rios Teles Pires e Juruena, também são foco de planos do Ministério dos Transportes (MT), que planeja convertê-los em hidrovias para o transporte de soja de Mato Grosso até os portos no Rio Amazonas”.
É preciso denunciar também que este monstro hidrelétrico destruirá o habitat de vários povos indígenas isolados espalhados ao longo da bacia hidrográfica, empurrando-os para o extermínio. A própria Fundação Nacional do Índio (Funai) divulgou, no seu informe de outubro de 2014, ter identificado seis referências de isolados na região. Os povos indígenas do Tapajós e de seus afluentes têm advertido sobre muitos outros grupos de parentes isolados que poderão ser exterminados caso o governo brasileiro insista na implementação deste mega empreendimento.
O cacique Juarez Munduruku, da aldeia Sawré Muybu, está ameaçado de morte por defender sua terra. Na assembleia, ele denunciou que o governo não quer reconhecer e demarcar sua terra ancestral Daje Kapap Eipi para impor a construção das hidrelétricas. “Nós não estamos pedindo esta terra ao governo… A terra é nossa! Foi Karosakaybu (Deus), e não o governo, quem deu esta terra aos nossos avós e antepassados no início dos tempos. Karosakaybu deixou esta terra para nós, para que nós cuidemos dela e ela cuide e alimente nosso povo. Não deu a terra para que o governo a destrua com os grandes projetos e hidrelétricas, hidrovias e estradas, agronegócio e mineração, madeireiras e fazendas… Nós só exigimos que o governo assuma e reconheça o que é nosso, que esta terra é nossa”, declarou ele.
Os povos indígenas resistem com todas as forças à implantação dos gigantescos e impactantes projetos de infraestrutura, que atingem e ameaçam seus modos de vida ancestrais e até mesmo suas sobrevivências. Os severos impactos ao meio ambiente, aos povos e às comunidades tradicionais e a toda a humanidade causados por um modelo que prioriza os interesses econômicos ferem mortalmente a Mãe Terra e a todos os seus filhos, todas as formas de vida. Denunciados dentro e fora do Brasil, esses projetos já apresentam graves consequências hoje e ameaçam as futuras gerações.
Amazônia: disputada e cobiçada
Com uma extensão superior a 7 milhões de km2, a Amazônia é a maior floresta tropical do planeta, concentra 1/3 da sua biodiversidade e estende-se por nove países sul-americanos (incluindo a Guiana Francesa). Mais de 5 milhões de Km2 (64%) desta floresta estão no território brasileiro. De cada três espécies conhecidas, uma está na Amazônia. Esta região também concentra 20% de toda a água doce do planeta (não congelada), e é uma das maiores províncias minerais do mundo. Por toda essa riqueza natural, a Amazônia é uma região estratégica, bastante cobiçada e disputada. No entanto, hoje, 25% da Pan-Amazônia já foi desmatada.
Em relação à sua sociodiversidade, a Pan-Amazônia abriga cerca de 400 povos indígenas que somam uma população de 3 milhões de pessoas, falantes de mais de 250 línguas diferentes pertencentes a 50 famílias linguísticas principais. Além destes povos contatados, há referência de mais de 140 povos isolados, que não têm contato com a sociedade envolvente, na Pan-Amazônia. Somente no Brasil, a Funai já tem registrado a existência de 105 povos isolados.
Os povos indígenas, com suas cosmovisões holísticas e culturas de reciprocidade, têm sido, milenarmente, os guardiões da floresta. Apesar de não serem reconhecidos e valorizados nesse sentido, as imagens de satélite comprovam que as áreas mais preservadas na Amazônia são as terras indígenas. Os povos também não são considerados em relação à disputa pelo controle dos bens naturais da Amazônia. Independente disso, os indígenas da Amazônia habitam uma região que é um verdadeiro “órgão vital” do planeta, já que regula o seu equilíbrio sistêmico, e são fontes fundamentais de sabedoria milenar e de cuidado, de justiça socioambiental com a humanidade, a Terra e o cosmos.
Povos indígenas do Tocantins e povo Munduruku, do Pará, em Brasília (DF). foto: Laila Menezes
Nas últimas décadas, as frentes de expansão agrícola, através das monoculturas extensivas e do agronegócio, vêm, agressivamente, destruindo os diversos biomas do nosso país. O Cerrado, atualmente, é o que mais sofre os processos de devastação.
Neste bioma, um verdadeiro “berço das águas”, encontram-se os maiores aquíferos do planeta, as nascentes das três bacias hidrográficas da América do Sul (Amazônia/Araguaia — Tocantins, São Francisco e Prata), além de centenas de povos indígenas e comunidades tradicionais, como os quilombolas, as quebradeiras de coco, e os sertanejos, dentre tantos outros.
No entanto, como se não bastassem todas as atuais frentes de destruição do Cerrado, o governo federal aprovou, em maio de 2015, a criação do Plano de Desenvolvimento Agropecuário Matopiba, que nada mais é que a grande fronteira agrícola nacional do momento, que abrange os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. É justamente da junção das siglas destes estados que vem a denominação “Matopiba”.
Com uma extensão de 73.173.485 hectares, a área do Matopiba compreende 337 municípios, 46 unidades de conservação ambientais, 35 terras indígenas e 781 assentamentos de reforma agrária e áreas quilombolas. Dos 73 milhões de hectares, 90,9% engloba o Cerrado.
Em reunião realizada em fevereiro de 2016, em Palmas, no Tocantins, uma delegação de 50 empresários e políticos do Japão anunciou interesse em participar do Matopiba, inclusive com a execução de obras de infraestrutura. A mesma intenção já foi manifestada pelos Emirados Árabes, pela Arábia Saudita, Índia e China, conforme noticiou a imprensa em novembro do ano passado, quando a ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) Kátia Abreu visitou esses países.
A Resistência dos povos e os gritos da Mãe Terra e da água
Tem se destacado na caminhada mais recente dos povos indígenas em nosso país o “ressurgimento” de povos considerados extintos, os resistentes. Presentes em todas as regiões do país — especialmente no Nordeste e na Amazônia — eles reassumem sua identidade indígena a partir da resistência física e cultural.
Expulsos para as periferias das cidades
O fenômeno da migração forçada de grupos indígenas expulsos de suas terras, ou seu aliciamento por falsas promessas, para as periferias das cidades é preocupante. Esta situação evidencia a omissão do governo em demarcar as terras tradicionais e ter políticas públicas eficazes que possibilitem a vida com dignidade para as populações nativas dentro de seus territórios. Dos quase um milhão de indígenas, quase 40% vive em áreas urbanas. A grande maioria não tem acesso à água potável e saneamento básico. Vivem, em sua grande maioria, de subempregos, em situação precária e sujeitos a todo tipo de violência.
Esse processo de expulsão e migração para as periferias das cidades é um fenômeno que atinge as populações nativas de toda a América Latina, o que evidencia que o atual modelo desenvolvimentista hegemônico repete o seu modus operandi em toda a região. Nas cidades, muitas vezes, os indígenas enfrentam o agravante de terem seus direitos de povos originários negados nos serviços públicos de atendimento à saúde e à educação por estarem fora de suas áreas tradicionais. Ou seja, eles são duplamente punidos. Primeiro por terem sido expulsos de seus territórios originários e segundo por não poderem acessar os serviços públicos justamente por terem sido expulsos.
É necessário que o movimento indígena continue a cobrar do Estado brasileiro políticas públicas que consigam reverter esse quadro de abandono a que estão relegadas as populações indígenas.
As raízes e sementes que brotam — os resistentes
Outro fenômeno que tem se destacado na caminhada mais recente dos povos indígenas em nosso país é o “ressurgimento” de povos considerados extintos. Presentes em todas as regiões do país — especialmente no Nordeste e na Amazônia -, eles reassumem sua identidade indígena a partir da resistência física e cultural. São mais de 50 povos que nos últimos anos reivindicaram o reconhecimento e estão em luta por seus direitos, como terra e políticas públicas.
A partir da realização de dois encontros nacionais, os povos ressurgidos têm buscado o fortalecimento de suas articulações para definirem estratégias próprias e a inserção no movimento e na luta indígena de maneira mais ampla.
O Cimi tem contribuído para o ressurgimento desses povos através da valorização da diversidade das populações indígenas, de seus direitos específicos constitucionais e das suas lutas pela autodeterminação e pelos seus projetos de vida.
Os isolados ameaçados
A realidade dos povos em “situação de isolamento voluntário” ou, simplesmente, os povos e grupos indígenas isolados ou, ainda, os povos livres vivem uma situação bastante específica dentro da realidade dos povos indígenas no Brasil. A Funai, em seu informe de outubro de 2014, apresenta 105 referências de grupos indígenas que não têm nenhum contato com a sociedade não indígena no país. Na América do Sul estima-se que eles sejam 145 grupos, e no mundo todo a previsão é de que haja 155 povos/grupos de indígenas isolados. Desse modo, o Brasil é o país com o maior número de povos sem contato com as sociedades não indígenas.
Políticas indigenistas oficiais de extermínio ou contatos desastrosos levaram à extinção ou ao quase aniquilamento de vários grupos/povos. Segundo Darcy Ribeiro, nas primeiras décadas de 1900 foram extintos 80 povos. Podemos lembrar os Beiço de Pau, os Panará e os Cinta Larga, no Mato Grosso; os Xetá, no sul do país; e os Juma, no Amazonas, dentre dezenas de outros que foram totalmente ou quase dizimados.
Além de viverem em situação de extrema vulnerabilidade em função da expansão das frentes agrícolas, agropastoris, minerais e madeireiras, das estradas e ferrovias, hidroelétricas e hidrovias, a sobrevivência desses grupos sofreu um duro golpe, nas últimas semanas, com a desativação de equipes responsáveis pela política da Funai para os grupos de índios isolados. Infelizmente, barganhas políticas, levaram o governo a retirar funcionários e recursos para uma efetiva proteção a esses grupos ameaçados. Das quatro equipes da Funai, três foram extintas.
Os gritos da Pacha Mama
A desafiadora realidade vivenciada pelos povos indígenas no Brasil hoje explicita a incompatibilidade da lógica depredadora do sistema capitalista com os projetos de vida e futuro dos povos indígenas.
A política e a atuação agressivamente expansionista do agronegócio têm levado não apenas a insegurança a inúmeras terras indígenas, mas está semeando a morte em si, especialmente através do envenenamento da terra e da água, com a intensiva e irresponsável utilização de agrotóxicos, muitos dos quais inclusive condenados e proibidos em outros países.
As chuvas de venenos lançadas de avião sobre muitas aldeias indígenas no país são da maior gravidade, pois impedem as comunidades até de permanecerem em suas terras. Nos períodos de intensa pulverização das lavouras de monoculturas, especialmente de soja, milho, algodão e cana, constata-se em muitas aldeias o adoecimento de crianças e idosos, em função do veneno que os atingem diretamente ou através da alimentação ou da água. Apesar das frequentes denúncias sobre esse procedimento intencional e criminoso, dificilmente qualquer atitude que coíba e iniba esse tipo de prática é tomada pelas autoridades governamentais ou policiais.
Existem várias situações, Brasil afora, em que as terras indígenas e aldeias encontram-se totalmente confinadas, cercadas e bombardeadas por essas práticas do agronegócio destruidoras da natureza e dos seres que nela vivem, por suas monoculturas, sem acesso à água e sem a possibilidade de praticarem o seu modo tradicional de vida.
Felizmente, em alguns países da América Latina, como a Bolívia e o Equador, as populações do campo, os povos indígenas e movimentos sociais conseguiram que os direitos da Mãe Terra sejam reconhecidos em sua legislação; o que indica que o grito de socorro está sendo ouvido.
Caminhos de vida
“Caminhemos cantando; que as nossas lutas e a nossa preocupação por este planeta não nos tirem a alegria da esperança”
Sementes milenares
É fundamental ressaltar a resistência, as conquistas, as sementes milenares, os conhecimentos e sabedorias ancestrais e as fontes de esperança que, historicamente, os povos originários vêm trazendo à humanidade, como contribuição concreta e factível, conclamando para que a sociedade não indígena enxergue os outros mundos possíveis, já existentes, que precisam, urgente e necessariamente, serem expandidos.
Desde os idos tempos da invasão de Abya Yala, América Ameríndia, ainda na paixão, como lembra Dom Pedro Casaldáliga, na missa da Terra Sem Males, os mais de mil povos nativos que aqui viviam, sempre estiveram na resistência e lutaram para que seus projetos de vida contribuíssem para a construção da justiça e solidariedade, a partir da diversidade.
Neste momento de profunda crise sistêmica mais uma vez as sementes milenares de valores e formas de vida ancestrais são oferecidas à humanidade para a superação dessas crises.
Espiritualidade e harmonia com a natureza
Uma das características essenciais dos povos indígenas é a integralidade da vida em harmonia com a natureza, com os espíritos. Quando o meio ambiente e as florestas são destruídos, as águas são poluídas e a rica biodiversidade que garante a vida na Casa Comum é exterminada, os sistemas de vida das populações originárias são inviabilizados, causando a morte e o etnocídio desses povos.
Na Semana dos Povos Indígenas deste ano procuramos entender um pouco mais sobre os diversos desafios que enfrentam os povos indígenas, depois de mais de cinco séculos de resistência, na atual conjuntura brasileira e dentro do contexto global que vive a humanidade e o planeta, nossa Casa Comum. Infelizmente, é evidente a incapacidade da sociedade não indígena de viver a reciprocidade e o cuidado com todos os seres, a solidariedade e o respeito à diversidade.
Fontes de esperança
Dom Pedro Casaldáliga afirma que “Quanto mais difíceis os tempos, mais forte deve ser a esperança”. Os povos indígenas são hoje fontes de esperança para uma humanidade sedenta de novos paradigmas de vida em harmonia com a Mãe Terra. Eles não são teoria social, eles são experiências históricas, vivências milenares de modos de vida profundamente sábios, respeitosos e em equilíbrio com a Mãe Terra, de Bem Viver e Bem Conviver com todos seus seres, de cuidado amoroso da nossa Casa Comum.
Nesse sentido, os bispos reunidos em Aparecida em 2007 declararam: “A Igreja valoriza especialmente os indígenas por seu respeito à natureza e pelo amor à Mãe Terra como fonte de alimento, Casa Comum e altar do compartilhar humano” (DAp 472).
E o Papa Francisco, recentemente, também tem ressaltado que os povos indígenas são fontes de vida e esperança para a humanidade e o planeta (LS, 146): “Neste sentido, é indispensável prestar uma atenção especial às comunidades aborígenes com as suas tradições culturais. Não são apenas uma minoria entre outras, mas devem tornar-se os principais interlocutores, especialmente quando se avança com grandes projetos que afetam os seus espaços. Com efeito, para eles, a terra não é um bem econômico, mas dom gratuito de Deus e dos antepassados que nela descansam, um espaço sagrado com o qual precisam interagir para manter a sua identidade e os seus valores. Eles, quando permanecem nos seus territórios, são quem melhor os cuida. Em várias partes do mundo, porém, são objeto de pressões para que abandonem suas terras e as deixem livres para projetos extrativos e agropecuários que não prestam atenção à degradação da natureza e da cultura”.
E, com os povos indígenas, o Papa Francisco nos convida (LS, 144): “Caminhemos cantando; que as nossas lutas e a nossa preocupação por este planeta não nos tirem a alegria da esperança”.