A sua fidelidade ao projeto do Pai vai levá-lo à Cruz, que, no Quarto Evangelho, não é um sinal de derrota, mas da vitória última e permanente de Deus. Por isso, a morte de Jesus, aparente vitória do mal, será a glorificação de Jesus e, nele, do Pai. O anúncio da sua partida, para os judeus uma ameaça (v. 33), é para a comunidade dos seus discípulos um momento de emoção e carinho. A sua última dádiva a eles é um novo mandamento: "eu dou a vocês um novo mandamento: amem-se uns aos outros. Assim como eu amei vocês, vocês devem amar-se uns aos outros" (v. 34).
O que há de novo neste mandamento?
O que diferencia a proposta de amor de Jesus e dos seus seguidores de outras propostas já conhecidas?
O mundo do tempo de Jesus, tanto na sociedade pagã como judaica, conhecia propostas de amor mútuo. O mandamento de Jesus é novo, em primeiro lugar, porque ele se impõe como exigência essencial para entrar na comunidade "escatológica". Essa é a comunidade que já experimenta a presença do Reino de Deus, mesmo que ainda espere a sua plena realização. Ou seja, é uma comunidade que experimenta a salvação já realizada em Jesus, enquanto ainda experimenta a sua situação permanente de fraqueza.
O mandamento também é novo, porque não se fundamenta nas leis da tradição judaica sobre o amor (p. ex. Levítico 19,18, ou os documentos do Qumrã), onde se propõe amar o próximo como a si mesmo. Assim, o mandamento é assumido nos demais evangelhos. Em João, no entanto, o mandamento é novo porque requer um amor mais radical, de entrega de si mesmo, como Jesus fez.
O modelo deste amor é o exemplo do próprio Jesus "assim como eu vos amei!". E como ele nos amou? Entregando-se até a morte, para que todos pudessem "ter a vida e vivê-la plenamente" (João 10,10). Este amor não é sinônimo de simpatia ou sentimento de atração. Exige humildade e disposição para o serviço que leva a morrer pelos outros.
Este "morrer" normalmente não se expressa através duma morte literal, mas morrendo diariamente ao egoísmo e à busca do poder dominador, para que sejamos servidores, especialmente dos mais humildes, a exemplo do Mestre que "não veio para ser servido, mas para servir" (cf. Marcos 10,45).
Este amor é tão fundamental para a comunidade dos discípulos de Jesus que deve tornar-se o seu sinal característico: "assim todos reconhecerão que vocês são meus discípulos" (v. 35). Mais do que uma lista de doutrinas, mais do que práticas litúrgicas ou rituais, embora essas tenham o seu lugar e a sua importância, é o amor mútuo e concreto que deve distinguir os discípulos de Jesus.
Atos dos Apóstolos lembra-nos que "foi em Antioquia que os discípulos receberam, pela primeira vez, o nome de cristãos" (Atos 11,26). Receberam uma nova designação, da parte dos outros, porque a sua maneira de viver era marcadamente diferente das outras comunidades religiosas da cidade – era marcada pelo amor mútuo.
O Evangelho de hoje convida-nos para que, honestamente, examinemos a nós mesmos, a fim de verificar se este amor-serviço ainda é a nossa marca característica, discípulos/as de Jesus, na nossa vida pessoal e comunitária!
O Livro da Glorificação e a hora de Jesus
O Livro da Glorificação, ou a hora de Jesus (João 13,1 a 20,31), é chamado assim porque mostra a realização plena de tudo o que Jesus vinha prometendo, enquanto realizava os sete sinais nos capítulos anteriores. O Livro da Glorificação começa com esta frase: "Sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar deste mundo para o Pai, tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim" (João 13,1). Finalmente, chegou a hora de Jesus ser glorificado pelo Pai (João 12,23.27-28; 13,31; 17,1) e de revelar-nos o verdadeiro rosto do Pai, que é Amor (1 João 4,8.16). A frase mostra que Jesus está disposto a levar até o fim sua obra de revelar o amor do Pai. A hora de Jesus é a hora do seu retorno para o Pai.
Como esta hora foi fixada pelo próprio Pai, ninguém sabe o momento exato em que ela acontecerá. Por isso, no Evangelho de João, na medida em que vamos acompanhando a caminhada de Jesus, cresce o suspense com relação à chegada da sua hora. Este suspense atinge seu ponto máximo em João 7,1: "Pai, chegou a hora: glorifica teu Filho para que teu Filho te glorifique!"
A dinâmica do texto do Quarto Evangelho vai preparando o leitor, para que ele mesmo possa descobrir o momento certo da chegada desta hora. O suspense começa nas bodas de Caná. Diante do pedido de sua mãe, Jesus diz que sua hora ainda não chegou (João 2,4). Mas, a atuação de Maria mostra que a caminhada em direção à hora já foi iniciada e os sinais começam a surgir.
Diante da samaritana, Jesus diz que "virá a hora – e é agora – em que surgirão os verdadeiros adoradores do Pai" (João 4,23). Os sinais de Jesus aumentam o suspense. Por duas vezes, os inimigos querem prendê-lo, mas ainda não tinha "chegado a sua hora", e a prisão não acontece (João 7,30 e 8,20). Para o evangelista, não são os inimigos, mas sim o Pai quem determina a hora de Jesus. Quando chegar a hora do Filho do Homem, acontecerá, ao mesmo tempo, a glorificação de Jesus e a derrota de seus adversários (João 12,31-32).
Os sinais feitos por Jesus levam seus inimigos a planejar sua morte (João 11,45-54). Jesus sabe, então, que sua hora está chegando (João 12,23.27; 13,1:16,32). A tensão entre ele e seus adversários culmina na sexta hora, no momento em que se sacrificavam os cordeiros para a Páscoa (João 19,14). Nesta hora, Jesus, o novo Cordeiro de Deus, inaugura a nova Páscoa. Este exato momento entre a hora de Jesus como o novo Cordeiro e sua gloriosa subida para o mundo do alto é descrito com belas imagens em Apocalipse 5,5-14.
Para as comunidades do Discípulo Amado, também chegará a hora. Para cada discípulo ou discípula, o encontro com Jesus acontece numa hora marcante e inesquecível (João 1,39). Mas, o suspense, que existiu entre Jesus e o mundo, continuará a existir entre a comunidade e o mundo. Para a comunidade chegará uma hora semelhante à de Jesus (João 16,2). Esta hora significa perseguições e morte (João 16,4). Diante do exemplo deixado por Jesus, as comunidades chegarão, através desta hora, à alegria que vem de Deus (João 16,21-22).