Ouve, Senhor, estes versos que te rezo ao contemplar a realidade em que vivo.
Maldito o sistema que não deixa os poetas sonharem nem permite a quem pensa dizer a verdade. Serão seus dias de luto e lamento porque matou no humano o mais digno.
Maldito o sistema que não pratica a justiça, e persegue, tortura, encarcera quem anuncia; terá que justificar sua conduta ante a história e não encontrará nenhuma defesa.
Maldito o sistema que só procura a aparência de grandeza, quando pessoas estão morrendo de fome nas suas fronteiras; do mesmo modo que progrediu cairá, porque construiu seus alicerces sobre corpos vivos e sangue de inocentes.
Maldito o sistema que tenta matar no humano a dimensão da transcendência e coloca no seu lugar o “deus dinheiro”, o “deus sexo”, “o deus progresso”; destruir-se-á por dentro irreversivelmente, porque o coração humano foi bem feito e ninguém pode matar em nós esta sede de infinito que nos queima.
Feliz será, porém, a pessoa que bebe água na fonte da praça junto ao povo; não terá motivos para se envergonhar de nada, nem terá que baixar seus olhos ante qualquer desonestidade.
Feliz a pessoa na qual a força de interiorizar se fez livre por dentro, e não se importa com a denúncia dos fortes; serão seus dias como o trigo limpo da terra, cheios de sol e de esperança partilhada e a seguirão os povos da terra.
Feliz a pessoa que não assiste a reuniões importantes, nem acredita nos discursos do governo; feliz a pessoa que assim pensa, porque terá sempre tranquila sua consciência, mesmo que sofra a incompreensão e até o desprezo.
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Fonte: Autoria de Ernesto Cardenal.