A Lei da Ficha Limpa (lei complementar nº 135-2010) pela primeira vez será utilizada em um processo ampliado de eleições. A luta para ver a lei como matéria viva foi longa até chegar à sanção há quatro anos. Mobilizar 1 milhão e 300 mil pessoas em torno de uma ideia transformada em anteprojeto, manter o olhar vigilante para a matéria percorrer os espaços labirínticos exigidos dentro de um Congresso Nacional em grande conflito diante da possibilidade de o gesto virar lei exigiu muito fôlego e determinação simbolizados na articulação nacional erguida por meio do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE).
Visto por uma parcela dos legisladores e dos juristas como um monstrengo, o projeto sofreu todos os tipos de ataques e permaneceu na geladeira do Poder Legislativo por meses. Foram várias as armadilhas utilizadas para desqualificar a proposta e enfraquecer o instrumento nascido de uma das mais espetaculares mobilizações dos movimentos sociais brasileiros. A Lei da Ficha Limpa faz a primeira performance nestas eleições e esse é um grande motivo de animação diante da perplexidade acomodada com a política. Tem-se a chance de um bom embate nas formas de interpretação do que é legal, moral e legítimo na arte de fazer política e campanha eleitoral no Brasil.
Os comitês pelo voto ético ora em fase de montagem, as turmas das redes sociais comprometidas com pautas vinculadas a uma plataforma de boas mudanças e os grupos de cristãos leigos convocados pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil a serem "sal da terra” e "luz do mundo” formam uma frente alimentadora de esperança. Não a esperança contemplativa e sim aquela nascida no cotidiano quando se sente a realidade do lugar onde se vive e se é convocado a pensar e a agir sobre deveres e responsabilidades.
Há concretamente a possibilidade de realização de importantes embates na luta contra a corrupção. Não se acabará com essa cultura de uma tacada só, ela está profundamente enraizada e tem galhos longos envolvendo legiões de contemplados. Talvez por isso uma parcela generosa da sociedade coloque o dedo em riste contra a corrupção e, ao mesmo tempo, seja complacente com os corruptores desde que em alguma medida receba uma espécie de prêmio por ser parte do pacto. A Lei da Ficha Limpa carrega o espírito dos que querem romper com o acordo pró-corrupção. O enfrentamento é duro e é desigual como o é toda batalha travada pela democracia e pelo aprimoramento da cidadania.
[Ivânia Vieira é jornalista, articulista do jornal A CRÍTICA em Manaus, professora no curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Amazonas (Ufam)]