Rute Noemi[1]
Dica: Quando me solicitaram o texto, a recomendação foi no sentido de que ele dialogasse principalmente com as crianças. Logo, se despoje de qualquer rigor acadêmico-teológico e mergulhe na leitura, como uma criança. Bom apetite.
“O Reino de Deus é feito de pessoas que são como crianças.” (Mt 19:14, Bíblia de estudo A Mensagem – Ed. Vida)
Você sabe o que é Reinação? Aposto que você ama mesmo sem saber. Quer ver?
Reinação é festa, alegria, jeito de governar. Alguém que reina e tem um reino, ama uma Reinação. Bom, né?!
Essa conversa, então, é para as crianças, para mim e para você que amamos ser como crianças e amamos as crianças. Afinal, quem vai ser bobo de querer ficar de fora do Reino?
Mas o que Reinação tem a ver com a gente? Vamos sair da nossa casa e do nosso país e viver num Reino à parte, cujo rei ou rainha que governa, vai fazer festa o tempo todo? Isso seria bom demais, mas a Reinação é para a nossa vida hoje e agora!
Quando Jesus falou que o Reino de Deus é das crianças, ele quis desafiar a gente para sair de um lugar pronto, certinho, cômodo e procurar, com uma lupa na mão, os cantinhos ainda desconhecidos do Reino. Coisa de criança, sabe?! Porque quando a gente começa a descobrir as coisas que a gente ainda não tinha visto, vai gostar tanto de aprender e vai querer ficar bem perto do rei ou da rainha que governa, e não vai querer sair nunca mais.
Então, lupa na mão, e vamos nesta história sobre criança, advento e Natal.
Você já parou para pensar o que significam essas palavras? Será que elas têm coisas em comum? Cri-an-ça/ ad-ven-to/ Na-tal. Interessante vê-las assim separadas por sílabas porque dá vontade de entender cada pedacinho para depois juntar tudo e fazer uma deliciosa sopa de letras e palavras, e se alimentar dela.
Então vamos começar a preparar a nossa sopa:

Criança: segundo o dicionário (ê livro bom que explica tudo!), criança vem de uma língua bem antiga chamada latim, e significa “pequeno ser humano”, aquele ser que ainda não atingiu a maturidade física e mental, ou seja, ainda não é adulto. O termo “criança” está ligado ao verbo creare, que quer dizer CRIAR! Tem coisa mais divina e gostosa do que criar? Criar uma música, um brinquedo, uma poesia, uma casa, criar um monte de coisas que a nossa imaginação permite. Criar é coisa de criança ou quem vive como uma!

Advento: que palavra bonita! Lembra vento, não é?! Sabe quando o vento traz coisas novas e boas para alimentar a gente de esperança? Sabe quando está muito frio e a gente espera bastante a chegada do verão? Sabe quando a gente está com muita saudade de alguém, tipo a nossa avó e só em saber que ela vai chegar, a gente já se enche de alegria? Então, advento (adventus em latim), quer dizer chegada, aparecimento de algo ou de alguém. E você, está esperando a chegada de alguém especial? Conta para mim.

A última palavra que vai entrar na nossa sopa é Natal. Aposto que você pensou em presentes, comida, família e Papai Noel. Faz sentido pensar nisso, afinal, de agosto até dezembro a gente só ouve falar disso nas redes sociais e na televisão. Mas é só isso? Natal vem do latim natalis, que quer dizer nascer. Então, cada um/a de nós tem o seu Natal. O meu Natal é dia 31 de dezembro. E o seu?
Mas tem um Natal superespecial, quando a gente celebra o nascimento do nosso irmão mais velho, Jesus de Nazaré. Já pensou que Jesus é o seu irmão mais velho? É tão acolhedor senti-lo assim… Ele fica mais perto de nós, mais real e mais humano também, porque ele tem uma história e um jeito de vida tão interessante e tão profundo que o mundo inteiro o conhece e o respeita.
Bom, as palavras e as letras já estão cozinhando, o caldo da sopa engrossando… vamos abaixar o fogo e colocar uns temperinhos para a sopa ficar mais gostosa, mas você deve continuar com a lupa na mão.
Será, então, que Criança, Advento e Natal são palavras trigêmeas? Podem ser sim. Aqui na nossa história são! Mas por quê? Qual o mistério disso tudo? Foca na lupa: porque Jesus nasceu (Natal) do ventre de Maria, sua mãe, que o esperou (Advento) durante nove meses e chegou (Criança) forte e saudável, para a alegria de seus pais.
A gente não sabe muito sobre a infância de Jesus, mas o que sabemos, a gente pode afirmar que ele foi criado em Nazaré, uma comunidade pobre, aprendeu a ser carpinteiro com seu pai, adorava ir ao templo para aprender e dialogar com os sacerdotes e os doutores da lei, gostava de brincar e de festas, que ia com seus pais, e gostava muito de entender os mistérios da vida.
Quando Jesus se tornou adulto, ele andou com muita gente simples e pobre como ele, inclusive e principalmente as crianças que acompanhavam as suas mães que se sentavam nas colinas para ouvir o que ele ensinava. E vira e mexe, Jesus chamava a atenção dos seus discípulos (alunos) quando estes queriam que as crianças se afastassem dele. Sabe por quê? Porque Jesus sabia que a criança é fundamental para ajudar a compreender as questões mais profundas da vida.
Quer ver? Uma vez Jesus precisava alimentar umas 12 mil pessoas que estavam próximas dele e com muita fome. Como não tinha comida para todos, os discípulos falaram em mandar o povo ir embora, mas Jesus não deixou e quem entendeu o que Jesus queria e precisava foi um menino. Ele tinha um lanchinho preparado por sua mãe, com 5 pães e dois peixes, e o entregou a Jesus.
Será que Jesus tinha uma varinha mágica para multiplicar esse lanchinho? Não, Jesus reconheceu o gesto generoso do menino e abençoou o alimento, o que fez com que todos ali presentes, também repartissem a comida que tinham. E uma coisa admirável aconteceu: todo mundo comeu, inclusive os que não tinham lanche para repartir por causa da pobreza em que viviam. Ah, conta-se que sobrou comida.

Então, Jesus sabia como ninguém a importância das crianças. Sem elas o Reino de Deus não teria graça, generosidade, alegria, leveza, profundidade e criatividade. Mas será que Jesus aprendeu com quem sobre a riqueza e importância das crianças?
Eu desconfio que foi com um profeta que viveu oito séculos antes dele, chamado Isaías. Penso também que Jesus gostava muito de Isaías porque ele anunciava que das crianças viria o renovo (palavra bonita que pode entrar na nossa sopa!), a esperança. Embora eles tenham vivido em tempos tão distantes e não se conhecessem pessoalmente, imagino que se tivessem vivido na mesma época, teriam andado juntos e sido grandes companheiros, mesmo com as diferenças sociais entre eles: Isaías era de família nobre e Jesus de família pobre.
Jesus e Isaías falavam a “mesma língua”, quero dizer, as profecias de Isaías e as pregações de Jesus eram muito parecidas. Isaías profetizava sobre muitas coisas, mas principalmente sobre Justiça para os pobres e oprimidos, o uso do Templo para acolhimento e socorro aos pobres e oprimidos, e que o futuro não estava nas guerras e nas armas, mas nos fracos e nas crianças que trariam o renovo para o seu país.
Jesus, assim como Isaías, defendia com toda a força, o direito dos órfãos e das viúvas, reprendia o opressor, acolhia os pobres e declarava que o Reino de Deus é das crianças e dos pobres. Ele andava fazendo o bem e pregava que o bem fosse prática comum entre as pessoas.
Viu como Jesus e Isaías tinham tudo a ver? Ambos apostavam nas crianças e na importância delas para salvar a humanidade. Bonito demais isso! O futuro de Deus não está no poder, mas na fraqueza. Jesus e Isaías entenderam perfeitamente o poder das crianças e o papel delas no Reino de Deus.
Trocando em miúdos, a esperança da humanidade vem de uma criança que é o broto, que ainda não cresceu, que ainda não é adulto. Viu como você é importante no Reino de Deus?
Que conversa profunda, né?! Parece que a gente mergulhou num rio de águas cristalinas, cuja beleza é um alento, mas que exige de nós mergulhos maiores ainda para entendermos que Jesus é esse, que se jogou de cabeça em direção aos pobres, aos marginalizados, às mulheres, às minorias e a todos que desejavam uma vida digna e cheia de esperança, alegria, cura, generosidade, simplicidade e cheia de coisas novas (renovo), que vem de onde? Das crianças, é claro!! Que alegria, é preciso festejar isso.
Tem um teólogo (a pessoa que mergulha nos mistérios de Deus) chamado Jürgen Moltmann, que fala lindamente sobre as crianças:
A criança e a infância são metáforas da esperança e da fé. Por isso Deus tem tanta paciência conosco, pois ele crê que ainda podemos resgatar em nós, a nossa criança adormecida pela crueldade, pelo sistema opressor, pela letargia, pela moralidade, pela hipocrisia, pela beligerância e pelo peso de sermos adultos.
Forte, né?! Hoje é o tempo de Reinação e de renovar a nossa esperança na humanidade, porque as crianças nos resgatarão e nos ensinarão o caminho do Reino. Hoje é tempo de viver Jesus, muito mais saboroso ,que a sopa que a gente preparou. Comamos e nos deliciemos.
[1] Rute Noemi é pastora metodista, atualmente sem vínculo institucional, teóloga, advogada, asistente social, artista (canta, conta histórias, faz música, cirandas e toca ukulelê) e ama conviver com a criança que há dentro dela.



