Domingo XXVI do Tempo Comum
Reflexão sobre Lucas 16,19-31
Manoel David Neto – CEBI/ES
A Liturgia deste 26º do tempo comum nos mostra, de forma bem intensa, como a Palavra de Deus é sempre uma Palavra dirigida por Deus, em cada tempo, ao seu povo. E na perspectiva da Igreja Católica Romana (ICAR) esse domingo é chamado de Dia da Bíblia. Como filhas e filhos de Deus que somos e cremos na presença d’Ele contínua ao lado de seu povo, não podemos deixar de escutar a palavra sem termos os pés fincados na realidade do nosso tempo.
Vivemos tempos de migrações forçadas, nem sempre acolhidas, mortes de inocentes por guerras incentivadas ou toleradas por razões econômicas, degradação da casa comum por interesses comerciais e egoístas, impérios globalizando a miséria e o sofrimento.
Em contrapartida enfrentamos a manipulação da religião e da fé, no campo mercadológico, como entorpecentes das consciências; assistimos o combate e a perseguição aos poucos profetas que ousam levantar a voz, perseguições feitas também pelos falsos profetas e fariseus modernos.
Peguemos então a luneta do Evangelho de hoje, quando a parábola de Jesus recontada e refletida pela Comunidade de Lucas (Lc 16,19-31) nos apresenta o diálogo do Pai Abraão com o homem sem nome. Ele havia depositado toda a sua vida nos bens materiais sem ao menos pensar no pobre Lázaro que jazia a sua porta clamando por dignidade, vida e o direito de não ser alvo dos cães que devoram os pobres pelas suas feridas.
Olhemos também para o perseguido profeta Amós (Am 6,1.4-7). Ele não era pastor profissional e nem foi criado para isso, mas que, quando se sentiu chamado por Deus, rompeu com o palácio e o templo para livremente proclamar a Palavra de Deus no campo da justiça social. No texto de hoje ele denuncia os que vivem despreocupadamente em camas de marfim comendo cordeiros e bebendo vinho sem se preocupar com a vida e o sofrimento de outras pessoas.
Com tudo isso que estamos refletindo o convite da liturgia de hoje condiz com aquilo que a carta pastoral nos apresenta na segunda leitura (1Tm 6,11-16). Um discípulo de Paulo procura motivar a comunidade dizendo que não basta a uma igreja ser cristã, unida e cultivar vários outros valores importantes na vida do povo de Deus. Ela deve ser cheia do Espírito Santo. Logo, quem é de Deus, deve fugir das coisas perversas. Deve procurar a justiça, a piedade, a fé, o amor, a firmeza e a mansidão. De acordo com a autora da carta, esses são os critérios para se buscar a vida eterna.
Enfim, escutar os profetas de hoje (Lc 16,29), buscar a solidariedade e a justiça, trabalhar para recuperar a dignidade dos mais abandonados é o apelo que recebemos hoje em nossa liturgia para a vida.
Crônica do CEBI MS – Por: Vitor J. Barreto
O Abismo que Construímos
Respire fundo, meu povo,
Silencie o coração,
Que a Palavra que incomoda
Hoje traz libertação.
É Jesus quem nos desperta
Pra mudança e conversão.
Um homem rico, sem nome,
Banqueteava-se à mesa.
E Lázaro, pobre e fraco,
Sofria à porta, com tristeza.
Um tinha tudo em fartura,
Outro, migalhas de pobreza.
Não foi a riqueza em si
Que ao rico condenou,
Mas a cegueira da alma
Que ao pobre não enxergou.
A dor que estava tão perto
Seu coração não tocou.
O luxo de uns se sustenta
Na miséria de milhões.
A fartura de poucos ricos
É roubo dos meus irmãos.
Enquanto uns vivem em palácios,
Outros sofrem privações.
O abismo não foi de Deus,
Nem aberto após a morte.
Foi o rico quem construiu
Com sua falsa “sorte”.
Dia a dia foi cavando
Indiferença mais forte.
Hoje a Palavra pergunta:
Quem é Lázaro à nossa porta?
É o migrante cansado,
A mãe de barriga torta,
O morador de rua esquecido,
Que a miséria quase corta.
E nós, que bens recebemos?
Como usamos tal herança?
Pra erguer muros de medo
Ou construir esperança?
Pra manter desigualdade
Ou lutar por mudança?
O rico pede sinais,
Mas Abraão lhe responde:
“Já têm Profetas e Lei,
Que anunciam e que escondem.
Escutem a voz da justiça,
Que é Deus quem sempre nos sonde.”
Que o Senhor da libertação,
Ouvinte dos oprimidos,
Nos dê coragem e ousadia
Pra curar tantos feridos.
Que o abismo vire ponte,
E irmãos sejam reunidos.


