Domingo XX do Tempo Comum
Reflexão sobre Lucas 1,46-55
Jairo Fedel – CEBI SP
A liturgia aplicada pela Igreja Católica neste domingo, 17 de agosto, quer celebrar o dogma mariano da Assunção da Bem Aventurada Virgem Maria, normalmente festejada no dia 15 de agosto, mas para maior destaque deste dogma, trata-o como solenidade no domingo posterior, para maior divulgação entre os fiéis.
O Magnificat é uma profissão de fé transformada em cântico cheio de gratidão que se deixa entrever a adesão à proposta do anjo, que uma vez aceita por Maria para ser mãe do Filho de Deus, dirige-se apressadamente à casa de sua parenta Isabel. Maria tem pressa, é necessário agora divulgar o Novo. O Novo é o que está dentro dela, ela agora não é apenas um pessoa, mas personifica a esperança aguarda pelo antigo povo judeu, fiel às tradições de Moisés, representada na figura de Isabel. Por isso a “criança pulou de alegria no ventre de Isabel.’
O encontro de Maria com Isabel é o ponto de conjunção do parentesco de Jesus e João e o caráter de sinal da gravidez de Isabel. O encontro tem motivos que ultrapassam os limites do parentesco, apresenta um ato de fé por parte de Maria, pois ficou estabelecido que João deve dar testemunho de Cristo desde o seio materno. Isabel faz profissão de fé na maternidade messiânica de Maria e aceita de bom grado as felicitações que recebe e responde com cântico de reconhecimento e gratidão.
O Magnificat é um cântico da comunidade dos pobres, mostra o motivo da encarnação e a razão da manifestação do Filho de Deus na história. O nascimento de Jesus é fruto do amor misericordioso de Deus que olhou a pobreza do seu povo e veio socorrê-lo.
A primeira parte (vv. 46-48) enfatiza a primeira pessoa (eu), porém, trata-se de um “eu” coletivo, próprio do estilo dos salmos: uma pessoa pode representar toda a comunidade. Maria, representando todo o povo de Deus, canta louvores porque percebe a gratuidade do amor que se manifesta no nascimento do Filho de Deus, através dela.
Os versículos 49-50 chamam a atenção para a atuação de Deus, que se manifesta na história para salvar os pobres. Esta é a missão de Jesus: libertar todas as pessoas: empobrecidas, oprimidas, marginalizadas, excluídas, descartadas pela sociedade.
Na segunda parte do salmo (vv. 51-55), encontramos expressa a expectativa judaica, determinada pela situação e pela consciência da própria identidade como nação.
No cântico de Maria ressoa o clamor das pessoas humilhadas e oprimidas de todos os tempos, dos submetidos e deserdados da terra, ao mesmo tempo, faz-se eco da mudança profunda que se produzirá no seio da sociedade opressora e arrogante: Deus interveio na história do ser humano e apostou em favor das pessoas empobrecidas. Nos lábios de Maria, Lucas põe os grandes temas da teologia libertadora que Deus levou até o fim em Israel e se estende por toda a humanidade oprimida até os dias atuais. No início, Maria proclama a mudança pessoal que sentiu em si própria: ela canta ao Israel fiel a Deus e a sua Aliança e ao resto de Israel que acreditou nas promessas.
A reviravolta tem início com o nascimento de Jesus de Nazaé. Deus se fez homem para que os seres humanos aprendessem a viver juntos, fraternal e humanamente, uma relação em que o mandamento do amor ao próximo não fosse reconhecido apenas como teoria, mas posto em prática. Os que têm fome não precisam esperar pela ajuda de Deus só para o fim dos tempos, nem os ricos devem temer só o juízo.
Os vv. 51-53 indicam a principal esperança da comunidade dos pobres: a ação divina visa à exaltação das pessoas empobrecidas, tal como foi prometido em Is 53,10ss, falando do Servo de Javé.
O final deste hino (vv. 54-55) canta a realização da salvação messiânica. Deus suscita o Messias por causa do povo eleito. Ele vem ao mundo por causa da misericórdia divina e pela realização das promessas feitas a Abraão.
Maria é agradecida e encontra sua expressão na linguagem dos cânticos do Primeiro Testamento. Os cânticos de seu povo torna-se o seu cântico, e o seu cântico transforma-se nos cânticos do povo de Deus. A Igreja Católica canta o Magnificat em sua prece vespertina quando, em meditação, contempla o dia que passou.
Maria se conta entre as pessoas humildes, pequenas e empobrecidas, as quais os profetas e os salmos tantas vezes prometeram a salvação.
Maria aceitou participar do sonho de Deus, que se tornou seu próprio sonho. Porém esse sonho traz um risco inimaginável. Maria aceitou engravidar de um modo antinatural, que poderia trazer grandes consequências, correndo o risco de ser apedrejada e morta. Ela era muito rápida em agradecer, porém seu agradecimento não era sinal de conformismo e, sim, de aceitação dos fatos que não conseguia mudar. Não ficava deprimida, esperando alguém socorrê-la. Levantava-se em busca de novos caminhos. Ela reunia a arte de agradecer e a arte de reagir. Geralmente é muito difícil reunir estas duas virtudes numa mesma pessoa.
O Cântico de Maria é, também, um cântico de guerra, canto do combate de Deus travado na história humana, combate pela instauração de um mundo de relações igualitárias, de respeito profundo a cada ser, no qual habita a divindade. Por isso, fala-se da dispersão dos orgulhosos, da derrubada dos poderosos, da dispensa dos ricos com mãos vazias para a glória de Deus. É da boca de uma mulher que sai esse canto de guerra ao mal, como se apenas do seio de uma mulher pudesse nascer um povo novo. A imagem da mulher grávida, capaz de dar à luz o Novo, é a imagem de Deus que pela força de seu Espírito faz nascer homens e mulheres entregues à justiça, vivendo a relação a Deus na amorosa relação aos seus semelhantes. O Cântico de Maria é o “programa do Reino de Deus assim como o programa de Jesus, lido na sinagoga de Nazaré (Lc 4,16-21).
Concluindo, podemos dizer que estas palavras transmitem para nós força, vida e luz para o nosso caminhar. É preciso recitá-las conscientes de que é a oração dos empobrecidos e para os empobrecidos e, ao mesmo tempo, ter coração de luta contra todos os tipos de injustiças que estão a nossa frente a todo o momento.
Jairo Fedel
Bacharel em teologia
Assessor CEBI São Paulo


