Pequenino Rebanho, Não Tenhais Medo

Domingo XIX do Tempo Comum
Reflexão sobre Lucas 12, 32-40
Neiva, Leonides, Cátia e Lindolfo – CEBI SC

Lucas escreve seu evangelho por volta do ano 85 d.C., acentuando a compaixão de Jesus pelos pobres, excluídos e marginalizados. Ele dirige-se às pessoas que amam a Deus e buscam confirmar a solidez dos ensinamentos recebidos (cf. Lc 1,1-4). Em Lc 12,32 lemos: “Não tenhais medo, pequenino rebanho, pois foi do agrado do Pai de vocês dar-lhes o Reino.”

Essa afirmação de Jesus tem grande densidade política e espiritual. No tempo de Jesus, a política estava diretamente ligada à definição de quem detinha o poder – quem era o rei. O termo grego basiléia significa tanto “realeza” quanto “reino”, e não se refere apenas a um lugar futuro, mas à manifestação do poder de Deus já entre nós.

Albert Nolan afirma: “Jesus proclamou que o poder político divino, no futuro, estaria nas mãos dos pobres e pequeninos” (NOLAN, Albert. Jesus antes do Cristianismo, p. 104). O pequenino rebanho ao qual Jesus se refere não é uma multidão, mas um grupo comprometido com o projeto do Reino: discípulas e discípulos que vivem com fidelidade, cuidam das ovelhas (cf. Jo 21,17), e não as apavoram. Infelizmente, em muitos contextos religiosos hoje, há tradições que mais amedrontam do que apascentam.

O Reino que o Pai nos oferece é o Reino da justiça, da paz, da alegria, do bem viver para todas as pessoas. É um Reino que se constrói em novas relações: menos verticalidade, menos rigidez, mais ternura, mais horizontalidade e escuta nas comunidades. Essa vivência do Reino passa necessariamente pela justiça social, pela partilha, pela fraternidade e sororidade, pelo cuidado mútuo e pelo combate ao acúmulo. É um Reino sustentado pela amorosidade.

Precisamos insistir: esse Reino começa aqui e agora. Onde houver partilha de bens e justiça, ali o Reino acontece. Mas enquanto houver pessoas em nossas comunidades sem o mínimo necessário para viver com dignidade, é sinal de que o Reino ainda não se concretizou plenamente entre nós.

O Reino de Deus é movimento, é responsabilidade com todas as formas de vida ameaçadas: pela ganância, pela acumulação, pelo desperdício, pelos agrotóxicos, pela ausência de políticas públicas, pela negação de direitos a saúde,  educação, trabalho, lazer, moradia entre outros. É urgente resgatar o compromisso com o cuidado da Casa Comum e de todos os seres vivos.

Esse Reino tão anunciado por Jesus é feito de miudezas: do pão repartido, do gesto de acolhida, da visita,  de rodas de conversa, da caminhada a pé ou de bicicleta. Não se trata de um reino monárquico ou triunfalista, mas de algo profundamente humano, cotidiano e amoroso. Por isso, Jesus ensina por parábolas – para que compreendamos com o coração, com os olhos, com a experiência da vida.

Buscar o Reino exige de nós estar à mesa – tanto do alimento material quanto do conhecimento. Implica analisar a realidade que nos cerca: onde está o poder hoje? Quem exerce o poder-serviço nas comunidades, nos conselhos, nos espaços de decisão? Quem elabora as leis? Quem as interpreta? A favor de quem elas operam?

Nossas comunidades estão, de fato, a serviço da vida? Que interesses econômicos moldam a nossa convivência? O Reino não se constrói apenas dentro das igrejas ou famílias, mas no meio da sociedade. Como diz o provérbio: “A paz, para ser verdadeira, precisa ser para todas as pessoas – ou não será paz”.

Neste mês em que celebramos o Dia dos Pais, vale destacar também a vocação paterna como expressão concreta do cuidado e da presença amorosa no seio da família e da comunidade. Ser pai, à luz do Evangelho, é muito mais do que prover: é ser presença que encoraja, que acolhe, que acompanha com ternura e firmeza. É participar da construção do Reino através do testemunho, da escuta e do compromisso com a vida digna para as suas filhas e filhos, enfim, para todas as pessoas. Num mundo marcado pela ausência ou pela rigidez de tantas figuras paternas, é urgente resgatar o modelo de paternidade que humaniza, que inspira confiança, que não impõe medo, mas que alimenta o amor, a liberdade e a autonomia. Pais que vivem sua vocação como serviço se tornam verdadeiros pastores de seus lares – parte desse “pequenino rebanho” a quem o Pai confia o Reino.

Por fim, a leitura desses textos bíblicos nos motiva a reconhecer os sinais do Reino de Deus em meio às lutas e sofrimentos do povo. E nos impulsiona a agir. Pois quem ama a Deus serve ao próximo em gestos concretos de paz, amor e justiça.

CEBI- Região Chapecó – SC

Referências:

BÍBLIA de Jerusalém. Nova edição-revisada. São Paulo: Paulus, 2004.

NOLAN, Albert. Jesus antes do Cristianismo. Tradução: Grupo de Tradução São Domingos. Revisão: José Joaquim Sobral. São Paulo: Paulus, 1987.

Carrinho de compras
Rolar para cima