A trajetória de minha experiência no CEBI e do amor que costumo identificar como “à primeira vista”, está diretamente relacionada com a história de minha infância e adolescência no meio rural, pois “na roça”, crescemos entendendo o significado de “fazer junto”.
Desde muito nova acompanhei todo o sofrimento de meus pais com o trabalho no campo. Vivendo na condição de meeiros, eles não conseguiam dar aos filhos tudo que necessitavam. E todos nós, em especial, os filhos mais velhos, trabalhamos na roça, preparando a terra, plantando, colhendo, mas desfrutando pouco do esforço de nosso trabalho. Essa situação de exploração no campo sempre me inquietou.
Como na década de 70 o Espírito Santo foi marcado pela realização dos grandes projetos industriais, muitas famílias deixaram o campo para trabalhar nas cidades. No ano de 1978, minha família, como tantas outras, também passou pela experiência do êxodo rural. Mudamos para a Grande Vitória, primeiro Viana e logo para Cariacica.
Foi em Cariacica que me firmei na caminhada das comunidades Eclesiais de base, experiência já iniciada na minha infância, em Colatina. Em Cariacica, como em muitos outros municípios brasileiros, o trabalho popular, ligado a uma dimensão religiosa vivenciada pelas Comunidades Eclesiais de Base, foi muito forte na década de 80. Em meio a tantos desmandos políticos e a tanta exploração econômica existentes naquela época (e infelizmente até hoje), despontaram diferentes formas de resistência através de movimentos populares, como os de bairros, e, em especial, os grupos de mulheres, aos quais me liguei.
O meu contato com o CEBI foi em 1990, participando de um estudo bíblico, em preparação ao Mês da Bíblia. Desde então me engajei na caminhada do CEBI, experimentando a Leitura popular da Bíblia em pequenos grupos, colaborando com a organização do CEBI em nível de estado e, principalmente, aprofundando a Vida e a Bíblia com um novo olhar.
No âmbito Regional (região sudeste) fiz a experiência dos estudos em grupos, com a presença de pessoas dos quatro estados: o mini intensivo. Foram tempos muito potentes de patilha de saberes, de mística, de convivência, sempre valorizando os processos coletivos.
Os últimos anos, desde 2014, vivenciei a experiência de contribuir na animação do CEBI em nível nacional, primeiro no Conselho Nacional, representando a região sudeste, e depois na direção Nacional do CEBI. É bonito demais perceber como a metodologia de Leitura Popular da Bíblia abre caminhos, confirma ações e impulsiona o engajamento nas lutas cotidianas. Em cada pedacinho de nosso Brasil, grande e diverso, é possível perceber a criatividade na vivência da LPB.
E quantos aprendizados o CEBI me proporcionou! Muitos outros foram confirmados ou ressignificados a partir da Leitura Popular e Libertadora da Bíblia.
Aprendi o significado da ação coletiva e dialógica. No CEBI fazemos juntas/os a leitura da Vida, iluminando-a com a Bíblia. Nesse fazer comunitário, todos os saberes são importantes e necessários. Essa é uma prática que possibilita muitas transformações porque provoca questionamentos sobre a forma naturalizada de pensar as relações sempre a partir de uma hierarquia, seja no aspecto sociopolítico, quanto no eclesial.
Descobri no CEBI, a partir da hermenêutica feminista, a importância de me assumir mulher, enfrentando os preconceitos e tantas formas de discriminações já inculcadas em cada uma de nós desde os primeiros passos. A partilha e os estudos possibilitam a retomada do processo de submissão da mulher na história, passando pela forma como a bíblia foi utilizada como ferramenta para consolidar esse lugar inferior atribuído à mulher. Ler a Bíblia sem esses condicionamentos é uma ação libertadora e comprometedora.
Ao me apropriar dessa metodologia, em especial, da hermenêutica feminista, percebo que essa perspectiva abrange os diversos aspectos da vida. No Estado do Espírito Santo estamos vivendo uma grave situação de violência contra mulheres. O enfrentamento dessa questão se faz necessário cotidianamente.
É no CEBI, com seus diferentes grupos e experiência de diálogo interreligioso, que vou buscando a compreensão desse fenômeno da violência contra a mulher e, descobrindo pistas para uma atuação mais consciente e libertadora.
Nos últimos anos estou vivenciando a Leitura Popular da Bíblia junto às irmãs e irmãos privados de liberdade. É no cárcere, lendo a Bíblia, junto com essas irmãs e irmãos, que percebo a força libertadora da Palavra. Lendo a Vida e a Bíblia, num ambiente tão contrário ao Projeto de libertação sonhando pela Divina Ruah, me sinto motivada a lutar cada dia mais por um mundo sem cárcere, sem machismo, sem misoginia, sem racismo, sem LGBTfobia, sem transfobia.
Atualmente, no CEBI-ES, organizamos um grupo de mulheres “Bordando com a linhas da Vida e da Bíblia”. É muito bom estar com as companheiras para partilhar nossas lutas e sonhos, bordando as histórias de mulheres inspiradoras da Bíblia e nossas próprias histórias.
Então, para finalizar, gostaria de dizer que, a experiência no CEBI, com todos os desafios e limites, tem um significado muito grande na minha vida. No CEBI criamos um espaço/tempo vital. Ensaiamos um jeito diferente de viver e vamos seguindo assim, passo a passo, fazendo um caminho e abrindo caminhos. Sou grata a tantas pessoas, que nessa longa caminhada foram compartilhando saberes, experiências, questionamentos e muito amor.
Maria de Fátima Castelan (Fatinha)
Educadora Popular
Integrante do CEBI-ES



