A Trindade que Somos e Fazemos Parte

Domingo da Santíssima Trindade
João 16,12-15
Denis Wilson, CEBI-MG

Vivemos numa sociedade de mercado globalizado, organizada para manter a dominação funcionando sob formas múltiplas: colonialismo, patriarcado, racismo, especismo.
Isso quer dizer: o mundo é regido por hierarquias de superioridade e inferioridade.
Como diz Juan Hernández Pico, trata-se de uma ideologia — interesseira e mentirosa — que sustenta a estrutura histórica da desigualdade.

É a suposta superioridade civilizacional que alimenta o eurocentrismo; massacra o povo palestino, saqueia territórios;
a superioridade de gênero que sustenta o machismo e a misoginia (filhos preferidos da burocracia eclesiástica);
a superioridade étnica que produz discriminação;
a superioridade antropocêntrica que promove a destruição da natureza.

É sempre a mesma lógica: alguns poucos se consideram superiores e impõem a subjugação real da maioria.

Este é o pano de fundo da sociedade moderna: baseada num modelo técnico-científico-religioso de “progresso” e “desenvolvimento” que gera opressão, subalternidade, exclusão e negação do outro e da outra.

É desse lugar que queremos falar sobre a Trindade que somos e da qual fazemos parte:
uma Trindade onde cabem todos os outros mundos possíveis,
outras formas de ser, de sentir, de pensar, de existir.

Esse é o grande e profundo Mistério da Vida: três divindades — não como dogma, mas como pulsação — que formam a realidade fundamental que nos atravessa e nos sustenta.

Se tivéssemos consciência de que somos e fazemos parte dessa energia vital comum, se percebêssemos de forma trinitária nossas relações com os seres humanos, com a Terra, com a terra (minúscula e fértil), com a Natureza e o Cosmos, todo esse sistema absurdo de superioridade-inferioridade cairia por terra.

O “três” é símbolo, metáfora de unidade na diversidade. Não há um Deus solitário. Há um Deus-multidão.

O “três” rompe o binarismo, desfaz o dualismo, e nos aponta para uma pluralidade entrelaçada. Somos únicos, mas caminhamos juntos, com muitos passos, no mesmo chão. Como diz Boff, o “três” é uma exigência de integração, de associação, de totalidade. Tudo está conectado. Tudo é comunhão. Tudo é comum-união.

Se aceitarmos essa multiplicidade como constitutiva da Trindade que nos forma e da qual fazemos parte, nossa tarefa mais urgente é decolonizar todas as relações.
Arrancar, desde a raiz, toda forma de dominação.
Desautorizar a lógica da superioridade em todas as esferas: pessoal, coletiva, estrutural, religiosa, econômica, política.

Então…

– O individualismo deixaria de sustentar um sistema que vive da competição, da meritocracia, da exclusão.
– As barreiras das desigualdades seriam superadas pela convivência solidária e justa.
– Contra a concentração de poder, haveria mais participação, mais horizontalidade.
– Nenhuma cultura seria oprimida. Reconheceríamos a interdependência das diferenças.
– As sabedorias indígenas e camponesas seriam valorizadas — não mais tratadas como folclore atrasado.
– As mulheres teriam seus direitos garantidos, seus corpos respeitados.
– Os corpos LGBTQIA+ seriam livres. Fim do patriarcado.
– As pessoas negras não seriam mais tratadas como criminosas.
– O Estado não seguiria exterminando a carne preta das periferias.
– A vida — todas as vidas — deixaria de ser descartável.
– O lucro não poderia mais esmagar montanhas, rios, florestas, gente.
– A propriedade privada que nos priva de viver seria abolida.
– Os povos originários se reconciliariam com seus territórios. Nenhum indígena mais seria assassinado.
– “O meu Deus” deixaria de ser o único com “a verdade”.
– O egoísmo daria lugar à relação: eu-tu-ele-ela-nós.
– Aprenderíamos a ser porque somos. A existir porque existimos.
– O Mistério da Vida — o comer, a terra, o saber, o prazer, o poder — não seria mais controlado por uns poucos.

O Deus-Trindade que somos e fazemos parte é um acontecimento coletivo.
Acontece nas ruas, nas marchas, nos gritos:

“Até que a dignidade se torne um costume”
“Que caia com força o feminicida!”
“Nós somos muit@s e um só é o patrão!”
“Vamos lutar até que você veja mais seus filhos que seu patrão!”

Esse é o novo Céu e a nova Terra que a gente espera, que a gente construiu ontem,
resiste hoje e continua a forjar amanhã.

Porque Deus já não é todo-poderoso, uno e trino.
É Trindade: abundante, libertada, libertadora.

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